Zoë Kravitz: 'Quero mostrar o absurdo em fingir que esquecemos violências'
Escrito, produzido e dirigido por Zoë Kravitz, o filme "Pisque Duas Vezes", à primeira impressão, parece ser uma produção de mistério. Porém, mais do que um thriller, o longa é uma obra de arte e uma ode às mulheres.
Zoë podia ser mais uma nepo baby (termo usado para filhos de artistas famosos), mas resolveu ir além - e tem talento para isso. Filha do cantor Lenny Kravitz e da atriz Lisa Bonet, ela já experimentou de tudo: foi modelo, atriz, cantora, produtora e, com "Pisque Duas Vezes", faz sua estreia como diretora.
[Cuidado com o texto a partir deste momento, ele contém spoilers]
Na trama, o milionário Slater King (Channing Tatum) convida a garçonete Frida (Naomi Ackie), sua amiga e diversos outros colegas para passar uns dias em sua ilha. O que era para ser uma viagem dos sonhos, na verdade, esconde uma grande crueldade.
O filme é uma crítica social fortíssima sobre o que as mulheres que são vítimas de violência são obrigadas a passar. Feita de forma muito sutil, quando você percebe está sentindo as angústias da protagonistas sem conseguir piscar - nem uma, quem dirá duas vezes,
A reportagem conversou com Zoë para entender sua inspiração por trás da história e a ideia de fazer as mulheres esquecerem os abusos sexuais que estavam sofrendo.
UNIVERSA: Por que você escolheu fazer com as mulheres esquecem as violências das quais elas foram vítimas na ilha?
Zoë Kravitz: O filme é uma metáfora daquilo que eu acredito.
A sociedade pede para as mulheres encontrarem uma maneira de esquecer suas violências, de normalizá-las. Quero mostrar para as pessoas o quanto isso é absurdo.
O mundo já pediu para mulheres agirem como se tivessem esquecido e sorrirem durante as dores terríveis e traumas de abusos. E quando reagimos, parece que a revolta vem do nada. Queria encontrar uma maneira de destacar os absurdos desses jogos que estamos participando como humanos.
Quando você teve a ideia para essa história? Está trabalhando nela há muito tempo?
Comecei a escrever esse roteiro em 2017*. Havia uma grande quantidade de emoções borbulhando dentro de mim e eu não sabia onde colocá-las. Eu estava tão perplexa com todo aquele absurdo que estávamos vendo que queria encontrar uma maneira de fazê-lo ter sentido na minha cabeça. Foi terapêutico. Escrevi a ponto de terminar aqui, tendo essa conversa com você.
*O movimento #MeToo começou a ganhar força em novembro deste ano, quando o Twitter foi inundado de histórias de mulheres usando a hashtag (que foi criada em 2006) para contar as suas histórias de abusos sexuais.
No filme, o personagem de Channing Tatum diz algo que me marcou muito: pessoas que não dizem nada frente à situação de violência também estão agindo. O que você acredita que pessoas em posições de poder deveriam estar dizendo nesse momento?
Acredito que todos nós temos um certo tipo de poder, sabe? Não importa se você é presidente dos Estados Unidos, o diretor de uma escola ou o chefe de alguém. Existem diversas dinâmicas no jogo do poder.
Fomos condicionados a fingir que não vimos, normalizar e mentir para nós mesmos de que está tudo bem.
Todos nós participamos nesse jogo. Mesmo que não seja tendo atitudes horrorosas, somos parte do problema.
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Quero receberQue mensagem você quer que as pessoas tirem desse filme, porque ele é feito para todos os públicos, mesmo aqueles que não acreditam que a violência contra a mulher seja um problema?
Saiba de que lado você está e proteja as mulheres. Espero que eles pensem sobre isso. A arte do filme é convidar o público para essas conversas. Acredito que, muitas vezes, algumas pessoas não estão vendo ou entendendo o que estão fazendo.
É meu papel, como artista, convidá-los a entender. É preciso equilibrar e torcer para que as pessoas saiam do cinema com uma nova perspectiva, que, com sorte, vai mudar a maneira como elas agem em suas próprias vidas.
Você escreveu, produziu e dirigiu o filme. Como conseguiu fazer tudo ao mesmo tempo? É um superpoder?
Quando você ama o que está fazendo, apenas faz. Não pensa muito.
É quase como a Frida faz no filme: ela vai atrás até conseguir o que quer. Acredito que esse é o significado de ambição. É uma vontade profunda de fazer algo e não parar até conseguir.
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