Com pais ausentes, 30% das mães contam com as avós para criar os filhos
Beatriz Zogaib
02/09/2024 05h30
Se você leu a chamada dessa matéria e pensou logo em uma mãe divorciada, solteira ou viúva, nem sempre é assim. Um pai ausente não é necessariamente aquele que se separou da parceira e não vê os filhos todos os dias. Ele pode estar presente fisicamente, diariamente, e ainda assim, ser ausente.
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Estamos falando de uma figura paterna (ou secundária) que pouco ou nada contribui na criação dos filhos. Isto é, que não participa ativamente não só da formação e da educação, mas também de responsabilidades, muitas vezes simples, como levar ao médico ou assumir os cuidados diários tanto quanto a mãe (ou figura primária). E isso independe do fato de morar ou não na mesma casa.
O pai é a figura central na criação dos filhos junto à mãe (mais uma vez, considere o cuidador secundário e primário). Mas, existe uma busca por apoio de outras pessoas para dar conta dessa árdua tarefa. Especialmente o das avós. Enquanto 52% das mães contam com os pais de seus filhos, 30% contam com a ajuda das avós.
Na falta do pai biológico, 23% das mães contam com pai/mãe não biológico da criança, 15% de outros familiares e 10% delas não têm apoio de ninguém. "Sou a única responsável", elas assinalaram.
Os números são da pesquisa feita por Universa, chamada de "Estudo Materna: o que pensam e querem as mães", realizada em dezembro de 2023 com mil mulheres, e a metodologia de Mind Miners, plataforma especializada em Consumer Insights.
Dentre as mães que recorrem às avós para apoio na criação de seus filhos, 29,57% são casadas e 25,15% estão em união estável, números muito próximos dos 28,57% de divorciadas e 34,35% de solteiras. Ou seja, eles estão ali, mas não estão.
Vivemos em uma cultura em que o papel do cuidado das crianças é endereçado para as mulheres. É muito comum que, diante dessa sobrecarga, a mãe convoque sua mãe para revezar com ela, o que retroalimenta o lugar de responsabilidade que recai sobre mulheres no que diz respeito ao cuidado das crianças, perpetua um lugar desimplicado do pai no cuidado com os filhos e com as questões domésticas.Arielle Rocha Nascimento, psicóloga clínica, especialista em reprodução assistida e maternidade
Outro dado divulgado recentemente por Universa já mostrava essa realidade de outra forma, revelando que 32,53% das mães solo são casadas ou vivem em união estável.
Mãe solo, vale dizer, descreve uma mulher que cria filhos sem envolvimento ou apoio do outro genitor - numa dinâmica onde a criação (e, muitas vezes, o sustento) da criança recai inteiramente sobre ela. É aqui, ou num lugar bem próximo a essa solidão materna, que elas recorrem para suas mães.
Já a mãe solteira se refere ao estado civil da mulher, o que não implica que ela seja mãe solo. O pai (ou figura secundária) pode estar ativamente envolvido no dia a dia da criança, compartilhando responsabilidades - financeiras, rotineiras e emocionais - sem ter relacionamento afetivo com a mãe (figura primária).
Entender a diferença é importante para reconhecer os diferentes desafios maternos. Um deles, a carga mental invisível que nos assombra todas as noites, faça chuva ou faça sol. Ou melhor, com ou sem aliança. Quem nunca deita na cama e revê mentalmente aquela imensa lista de tarefas, muitas não cumpridas? Não por acaso: 53% das entrevistadas se consideram as principais tomadoras de decisões no lar (entre compras e escolha de produtos, por exemplo), sendo que, entre as casadas, 55,84% são as principais decisoras. Dentre as que estão em união estável, 41,32% delas seguram as rédeas do lar.
Vamos levar para a terapia?
Toda mãe precisa da parceria na criação de um filho. Não se trata de colaboração, e sim de responsabilidade - palavra repetida aqui algumas vezes. Afinal ambos são responsáveis por, como dizem por aí, colocar a criança no mundo. Mas, quando não se pode contar com o par genitor, a mãe (viúva, solteira, separada ou até casada) precisa dessa ajuda de outras formas, tecendo a famosa e necessária rede de apoio.
E não podemos esquecer de mulheres que desejaram e realizaram o que se conhece como produção independente. "Vivemos modos de novas formas de parentalidade. A própria reprodução assistida, área em que atuo, dá notícias de formas inéditas de constituição familiar. Mães solos, parentalidade por gametas doados, adoção, etc. Precisamos falar sobre a parentalidade e seus efeitos na família, mas não para oferecer um manual que garantirá a família ideal, até porque não existe, e ainda bem", analisa Arielle Rocha Nascimento, psicóloga especialista em reprodução assistida e maternidade.
Segundo a profissional, é importante nesses casos olharmos para a singularidade de cada história, para o que se transmite para os filhos, e para os laços que famílias e sujeitos podem constituir. A rede de apoio, aliás, não é exclusividade de quem não tem parceria: especialistas apontam o quão saudável ela é em qualquer maternagem.
Mas, há quem - por alguma razão (muitas vezes ligada à culpa) - acabe querendo fazer tudo sozinha. A recomendação é clara: não faça isso.
Mães que são pai e mãe ao mesmo tempo ficam sobrecarregadas, e aceitar que não se pode fazer tudo sozinha é benéfico não só para as mães, como para os filhos - que serão cuidados por alguém com maior qualidade de vida, menos estresse e etc. Essa rede, portanto, é de suma importância. Porém, também é importante falar que ela não exclui a participação do segundo genitor - caso contrário, há impactos para os filhos.
Estudos mostram que crianças com o pai envolvido em sua educação têm, entre outras coisas, autoestima mais elevada, relações sociais e afetivas mais saudáveis, maior segurança emocional, menor probabilidade de abandonar os estudos ou se envolver com drogas, maior empatia e mais inteligência emocional. Por outro lado, um pai (ou figura secundária) que não cumpre seu papel, contribui para que seus filhos desenvolvam traumas emocionais, baixa autoestima, medo excessivo e até mesmo problemas de saúde física como puberdade precoce ou obesidade, até na vida adulta.
O que fazer se o pai não está presente, por qualquer que seja a razão? Contar com a rede de apoio, que não necessariamente precisa ser composta por mulheres. Que tal incluir nela um irmão, tio da criança? Um grande amigo? O avô? Achou estranho? Fica com a gente nas últimas linhas dessa reportagem.
É que, quando o bebê nasce, é importante alguém se responsabilizar pelo seu cuidado, o que na esmagadora maioria das vezes é feito pela mãe. O que não podemos ignorar é que, para ela fazer isso, é importante que o pai (ou outra pessoa que se faça presente) a proteja - criando um espaço que a sustente para que ela possa sustentar o bebê. Conforme o bebê cresce, e essa dependência absoluta de um cuidador exclusivo passa, é saudável que a dinâmica familiar passe a ser compartilhada em justa medida, entre as duas figuras parentais.
Essa sobrecarga do cuidador, que hegemonicamente é a mãe, precisa ser olhada, não apenas nos divãs de cada mulher ou de forma privada de cada família, mas também de forma estrutural e social. Qual condição, como sociedade, oferecemos para que mulheres possam cuidar de seus filhos, da forma como eles precisam?Arielle Rocha Nascimento, psicóloga clínica, especialista em reprodução assistida e maternidade
Construir uma rede de apoio que vá além das avós e que inclua os homens - sejam eles pais, novos parceiros, padrinhos? - é relevante não só para a família e criança em questão, mas para um movimento que pode ganhar força e beneficiar outras tantas famílias e crianças. Além de não sobrecarregarmos a mulher-mãe, estaríamos deixando de sobrecarregar as outras mulheres da roda, e convidando a todos para o cuidado com as crianças, e com o futuro. Essa transformação (que os números apontam ser minimamente necessária) passa pela escolha de não naturalizarmos mais a sobrecarga materna, e sim questionar o imperativo da múltipla função, e a ideia de que na falta do pai apenas outras mulheres podem ajudar.
A mãe que recusa o lugar de fazer tudo favorece um melhor cuidado de si e consequentemente da criança. Então, por onde começar? Uma sugestão é começar por aí, por assumir para si e para os outros até onde você, gestante e mãe, é capaz de ir, sem prejudicar sua saúde física ou mental. Em seguida, pensar na construção da rede de apoio - com o pai da criança e quem mais couber nela. Vale ainda incluir nela serviços sociais (como creche e escolas públicas de qualidade) que podem ajudar a trazer mais suporte no dia a dia, ou empresas que olham para a maternidade de forma mais consciente (onde, quem sabe, você possa trabalhar).
Sim, nós sabemos, não é tarefa fácil. Mas, se tudo der certo, novas pesquisas trarão realidades mais justas para mães e filhos, com maior presença dos pais (genitores secundários) e de toda a comunidade. "Precisamos não apenas oferecer condições no âmbito familiar e afetivo para o cuidado materno, mas a sociedade precisa sustentar de forma ampla, a importância de se amparar quem cuida dos futuros membros de nossa sociedade". conclui Arielle.