Luyara Franco: 'Não é fácil ser filha de Marielle, mas é meu propósito'
Aos seis ou sete anos, Luyara acompanhava a mãe, Marielle Franco, em comitês, comícios e atos, desde que começou a trabalhar no gabinete do então vereador Marcelo Freixo, antes de se tornar ela mesma vereadora - nas eleições de 2016, ela foi a quinta mais votada do Rio de Janeiro, com 46 mil votos.
A atuação política de Marielle, que Luyara viu de perto durante praticamente toda a sua vida, é uma das memórias mais fortes que guarda da mãe hoje, aos 25 anos:
"Ninguém imaginava que seria do tamanho que foi. Começaram a subir os votos até que ela foi eleita e a gente nem sabia o que fazer", lembra, em entrevista concedida a Universa, no dia em que a morte de Marielle completava seis anos e cinco meses.
A família decidiu ir para o bairro da Lapa, onde estava reunida a militância do PSOL, e Luyara lembra de ver uma multidão abrindo caminho para Marielle passar, aplaudindo.
É a memória mais importante que tenho. Eu me sentia parte daquilo e me sentia importante. Pensava: 'Caraca, minha mãe tá lá, fazendo a diferença.
Durante um ano e dois meses em que Marielle ocupou o cargo de vereadora, Luyara ajudou no mandato cuidando das crianças das mulheres que trabalhavam com a vereadora, especialmente mulheres negras e periféricas, que levavam seus filhos para o gabinete.
Depois do crime, participou da fundação do Instituto Marielle Franco ao lado dos avós e da tia, Anielle Franco, atual ministra da Igualdade Racial. Em paralelo, estudou e se formou em Educação Física, fez estágios em escolas e no gabinete da deputada estadual Renata Souza (PSOL), amiga da família.
Apesar de nunca ter se afastado da luta por justiça e do universo político, Luyara deu poucas entrevistas e se manteve afastada dos holofotes da política brasileira - até agora.
Desde o início de agosto, a educadora física de 25 anos integra a diretoria do Instituto Marielle Franco, como Diretora de Legado, ao lado das co-diretoras Diana Mendes e Lígia Batista, responsável por liderar iniciativas para a preservação da memória da mãe, como o Festival Março por Marielle e Anderson, que acontece todos os anos, desde 2019.
"Muitas pessoas podem até achar que eu demorei [para assumir esse lugar público], mas eu entendi que não tinha como decidir nada sem pensar e que precisava respeitar meu tempo", fala.
Seu maior objetivo, agora, é tirar do papel o Centro de Memória e Ancestralidade Marielle Franco, um espaço físico para preservar a história de Marielle, mas também celebrar em vida a história de mulheres negras importantes para o Brasil.
A Universa, a educadora física relata em primeira pessoa o processo de transformar a dor em luta por justiça, os desafios de se tornar uma figura pública em meio ao luto e o papel do esporte - ela pratica musculação e muay thai - na preservação de sua saúde mental, especialmente após crises de ansiedade e depressão.
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'Às vezes, queria ser a Luyara Francisco, não a Luyara Franco'
"Naquele momento, não tínhamos outra opção a não ser criar o Instituto Marielle Franco.
Criamos o Instituto principalmente para dar conta de tudo o que estava acontecendo: combater as milhões de fake news que surgiam, preservar a memória dela e dizer que Marielle Franco tem mãe, pai, irmã e uma filha, e que as podem falar dela o que bem entenderem. Foi tudo muito difícil.
Então, com o tempo, nosso trabalho, que era principalmente combater as fake news que surgiam todos os dias com a ajuda de uma advogada, foi crescendo e entendemos que o Instituto se tornaria o que é hoje: uma organização sem fins lucrativos para inspirar, conectar e potencializar as mulheres negras e pessoas LGBTQIA+.
A pressão é muito alta. Às vezes, queria ser a Luyara Francisco [nome de batismo], de 25 anos, lidando com questões normais de uma jovem adulta, recém-formada, e não a Luyara Franco [nome adotado por Marielle e depois por toda a família na política]. Mas esse lado da filha que se tornou figura pública depois do assassinato da mãe fala mais alto.
Hoje eu sei que tenho uma responsabilidade muito grande. Você imagina que não deve ser fácil carregar a responsabilidade de ser filha de Marielle Franco. É difícil assumir esse lugar de figura pública, mas fui me reconhecendo nele, aos poucos.
Muitas pessoas podem até achar que eu demorei [para assumir esse lugar público], mas eu entendi que não tinha como decidir nada sem pensar e que precisava respeitar meu tempo.
Eu perdi minha mãe assassinada e minhas aulas na faculdade começaram exatamente um mês depois, em 14 de abril. E, no começo das aulas, ouvi gente falando que eu estava me dando bem, que entrei na faculdade 'famosa', com todo mundo gostando de mim. E que eu morava numa mansão, que estava cheia de dinheiro.
Cara, de onde tiraram isso? As pessoas achavam que minha vida estava maneira no momento em que eu estava sendo atravessada por tantas questões - luto, fake news, minha segurança e a da minha família.
Por muito tempo, andei com seguranças. Até hoje, tem coisas que eu não posso fazer normalmente, como postar nas redes sociais onde eu estou ou pegar ônibus ou Uber sozinha.
É o fardo que eu tenho para carregar. E tento lidar com tudo isso da melhor forma possível.
Até hoje não consigo entender porque tudo isso aconteceu, porque que foi com a minha mãe, mas tenho, como propósito, preservar a memória dela e levar adiante seu legado.
Depois de 2018, você imagina como ficou minha saúde mental, né? Tive algumas recaídas de ansiedade e depressão, mas consegui encontrar no esporte um lugar de paz, de me conectar comigo mesma e também com a minha mãe - nós éramos apaixonadas por futebol e pelo Flamengo, então sempre que estou assistindo a um jogo, lembro dela, me sinto mais perto dela.
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