Menos Dona Patroa, mais Iolanda: Camila Morgado defende humor antiviolência
Ela já deu vida a pelo menos duas dezenas de mulheres na TV, no teatro e no cinema, entre elas Olga Benário, Rita Lee e Janete, de "Bom Dia, Verônica".
Neste ano, viveu Dona Patroa, personagem importante na primeira exibição de "Renascer", em 1993, mas que ganhou mais profundidade em 2024 graças ao autor Bruno Luperi, que atualizou o texto escrito por seu avô, Benedito Ruy Barbosa - mas principalmente à atuação de Camila Morgado, que conquistou o público com uma versão mais religiosa, mas também mais carismática, bem-humorada e popular.
Para a atriz, no entanto, o sucesso de Dona Patroa com o público se deve ainda a um terceiro fator:
Ao falar dessa mulher que vive uma transformação para se tornar um ser independente, desejante, a gente não fala de um personagem, mas de muitas mulheres que vivem nessa sociedade machista em que a gente está inserida, fala, em entrevista concedida à Universa a poucos dias do último capítulo.
De fato, a história de Dona Patroa é atravessada por muitas questões de gênero, da violência à descoberta da sexualidade, passando por amor, maternidade e autoestima.
Religiosa fervorosa, ela começou a novela sendo chamada de "Dona Patroa" pelo marido e por boa parte da cidade de Ilhéus, que nem sequer sabia seu nome, e vivia em função de cuidar da casa e do casamento. Há cenas, no início da trama, em que defende firmemente que a esposa estava destinada a servir e obedecer seu marido.
Aos poucos, abre os olhos para as traições e os crimes do marido, e rompe com esse ciclo de violências: deixa a casa sem levar quase nada, se apropria de seu nome, Iolanda, e descobre uma vida cheia de desejos. Enquanto isso, sofre com a violência patrimonial enquanto tenta concluir o processo de divórcio com direito à sua parte no patrimônio da família.
"Acho muito bonito e muito poderoso o arco dramático da personagem. Ela está inserida em um contexto de muita e de repente ela ganha um nome, se apropria dele, e começa a entender que tem uma identidade, um corpo, desejos, sexualidade", fala.
A atriz diz estar "muito orgulhosa" por abordar todos os temas que atravessam Iolanda e, com eles, criar identificação com o público feminino da novela:
"Violência doméstica, violência patrimonial, o papel da mulher dentro de um casamento, são todos temas muito importantes Acho fundamental poder trazer tudo isso em uma novela das nove", fala Camila, especialmente em um país com altos índices de violência contra mulheres e feminicídio - no Brasil, uma mulher é assassinada a cada seis horas.
Hoje em dia há muita coisa sendo falada sobre violência de gênero, muita gente fazendo um trabalho sério, primoroso, ampliando a discussão. Mas também acho que a gente ainda tem muita estrada pela frente, sabe? É um trabalho de formiguinhas. E nosso trabalho na ficção contribui com isso, porque cria pontes, abre diálogos, ajuda a educar, fala.
Religião, sensualidade e humor
Camila não quis assistir à primeira versão de "Renascer" justamente porque sabia que a personagem seria muito alterada pelo autor Bruno Luperi. A carga religiosa, por exemplo, não existia há três décadas, mas entrou no roteiro de Luperi para justificar tamanha submissão ao marido em pleno 2024.
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Quero receberPara "virar" Iolanda, se apoiou no livro "O Grito de Eva", escrito por Marília de Camargo César, (editora Thomas Nelson Brasil, 2021), sobre a violência doméstica em lares cristãos, indicação de Luperi; e "emprestou" de uma amiga, Catherine, expressões e trejeitos cristãos, como "meu pai eterno", "Jesus misericordioso" e "ô, glória", que a atriz repete aos gritos em cena, ajoelhada ou erguendo as mãos aos céus, às vezes com pitadas de humor.
A atriz reconhece que, por vezes, a atuação pode ser um pouco exagerada, até engraçada, mas entende o humor como "uma arma muito poderosa para falar de temas difíceis".
Através do humor, a gente acaba atraindo o público, a identificação do público com o tema e a comunicação sobre as questões, né? É importante ter um alívio cômico para poder falar sobre temas que são tão dolorosos e tão necessários, defende.
Camila Morgado também salpica humor nas cenas sensuais de sua Iolanda, com trejeitos desajeitados e uma descoberta dos desejos com certa ingenuidade: para ela, isso mostra como essa mulher está vivendo uma primavera, ou uma adolescência tardia, podendo dar vazão a fantasias que sempre entendeu que eram pecado. "Ela está descobrindo coisas que não faziam parte de seu universo. É um verdadeiro renascimento", completa.
E é por este caminho que a intérprete quer que sua personagem siga no final de "Renascer:
Eu torço para que Iolanda termine cada vez mais independente, mas desejante, mais dona do seu próprio destino.
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