OPINIÃO
Assédio, dupla jornada: os desafios das líderes mulheres no setor público
Jessika Moreira, especial para o UOL *
06/09/2024 17h37
Apesar dos avanços da agenda de gênero na sociedade brasileira, as mulheres ainda encontram uma série de desafios para entrar e permanecer nos cargos de destaque e liderança no setor público.
Dentro das instituições, situações de assédio moral, sexual e discriminação oferecem desafios para a ascensão das mulheres, assim como a sobrecarga no trabalho doméstico e as tarefas ligadas ao cuidado, em grande parte atribuídas a elas.
Uma pesquisa do Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília mostrou que 64% das mulheres em cargos de liderança no governo federal enfrentam ou já enfrentaram situações de assédio moral no trabalho, além de 28% já terem sofrido episódios de assédio sexual. 40,8% das entrevistadas também responderam que enxergam a discriminação de gênero como uma barreira para avançar na carreira.
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Mulheres negras enfrentam dificuldades adicionais em função das desigualdades estruturais do país, sendo fundamental um olhar interseccional para aprimorar a agenda de equidade de gênero.
Mudar esse quadro é urgente. Os dados evidenciam como essas barreiras se manifestam na composição da administração pública do país.
O estudo "Mulheres líderes no setor público da América Latina e do Caribe", de 2022, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), aponta que apenas 18,6% das brasileiras que trabalhavam no serviço público eram responsáveis diretas pela gestão de algum órgão ou política pública, contra a média dos países da América Latina e do Caribe de 41,5%.
Quando olhamos para a desigualdade de gênero com o viés de raça, a questão se complica ainda mais. Um levantamento com o perfil das lideranças do poder executivo federal mostrou que as funções de natureza especial, como secretárias executivas, secretárias especiais e subchefias, são ocupadas apenas por 8% de mulheres negras, contra 63% de homens brancos.
Para debater sobre esses entraves, o Movimento Pessoas à Frente, organização da sociedade civil que atua para o aprimoramento de políticas de gestão de pessoas no setor público, organizou um grupo de trabalho focado em mulheres na administração pública.
Com cerca de 120 pesquisadoras e lideranças envolvidas, o grupo pretende olhar para esse contexto a fim de construir uma proposta de ações e recomendações para mitigar a sub-representação feminina nos espaços de tomada de decisão.
O GT Mulheres no Serviço Público promove encontros temáticos, como a questão racial no debate de gênero, a posição do Brasil no cenário internacional, violência e assédio, economia do cuidado e a entrada na gestão pública por meio de ações afirmativas.
Uma pesquisa do Datafolha, feita a pedido do Movimento Pessoas à Frente, mostrou que 90% dos brasileiros acreditam que mais mulheres tornariam o serviço público melhor e 86% concordam que ações para promover e garantir igualdade de gênero no serviço público são importantes.
Para além de uma demanda da sociedade, garantir a presença de mulheres especialmente em cargos de liderança na gestão pública, é uma forma de construirmos um país mais justo, desenvolvido para sua população.
*Jessika Moreira é Diretora Executiva do Movimento Pessoas à Frente.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL