'Tive coragem de sair de relacionamento abusivo após ser presa por tráfico'

Laís Braga, 32 anos, de Mogi Mirim, a 130 km de São Paulo, conta que nunca havia visto de perto a cocaína. O primeiro contato com a droga aconteceu em 2008, quando, aos 16 anos, iniciou um relacionamento com um traficante da periferia de São Paulo.

"Eu sabia que ele já era do mundo do crime, mas, mesmo assim, me envolvi com ele em uma festa", afirma. "Em pouco tempo de relacionamento, eu já estava trabalhando no negócio. Eu trabalhava na parte administrativa, no controle da droga que saia e do dinheiro que entrava", recorda.

Apaixonada e, ao mesmo tempo, com medo do companheiro, que a agredia fisicamente, Laís participava de tudo ao lado do namorado.

Uma vez ele ficou foragido da polícia e eu o acompanhei. Eu não estava sendo acusada de crime nenhum, mas fiquei ao lado dele. Foi aí que eu aprendi a fazer cocaína, usar as porções corretas, pesar, embalar, explica.

A jovem conta que o caminho até ser completamente tragada pelo relacionamento abusivo não encontrava obstáculos por duas razões.

Laís Braga
Laís Braga Imagem: Arquivo pessoal

"Eu cresci cercada por relacionamentos abusivos, isso era natural para mim. Além disso, eu tinha muito medo dele, que me proibia de usar roupas curtas, de andar com algumas pessoas, me batia, me ameaçava com armas. Eu não tinha coragem nem de contar aos meus pais", esclarece.

O envolvimento de Laís com o tráfico ficou ainda mais intenso quando o namorado foi detido, em 2009, e ela acabou assumindo todo o controle do tráfico. "Eu era menor de idade, mas, mesmo assim, assumi os negócios dele no tráfico do lado de fora. Eu ia para lugares, fechava negócios com as pessoas", relembra.

'Prova de amor'

A combinação entre medo e desejo de provar amor pelo namorado levou Lais a se arriscar de diversas formas. "Inclusive, os meus pais me apoiaram para que eu pudesse visitá-lo na cadeia", explica.

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Comandar o tráfico a pedido do namorado que estava detido, teve um custo: sua liberdade. Em 2011, aos 19 anos, ela foi encarcerada. Na ocasião, o namorado já estava em liberdade, mas a participação dela no tráfico já estava na mira da polícia.

A jovem ficou detida por seis anos e seis meses, no período entre 2011 e 2017, na Penitenciária Feminina da Capital, em São Paulo.

Segundo ela, conhecer as entranhas do crime de dentro da prisão foi a gota d'água para tomar coragem de se livrar da relação abusiva.

Foi na cadeia que eu consegui a minha libertação. Na prisão, vi que quase todas as mulheres que estavam lá passaram pela mesma situação que eu. Foi quando eu tive coragem de me separar dele e revelar tudo para a minha mãe, desabafa.

A jovem paulista acredita que só não foi tragada de vez pelo mundo crime graças a ajuda dos pais. Os desafios continuaram do lado de fora. A busca pelo primeiro emprego, após o encarceramento, não foi fácil. Ela só conseguiu uma oportunidade na área de marketing digital e streaming, dois anos após estar fora do cárcere.

Laís não é um caso isolado

Laís representa uma entre milhares de mulheres que passaram a fazer parte da população carcerária do Brasil nas últimas duas décadas. Nesse período, o número de mulheres encarceradas quadruplicou, segundo estudo publicado pelo World Female Imprisonment List, chegando a 40 mil no final de 2022.

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Os dados também mostram um aumento considerável do envolvimento dessas mulheres no tráfico de drogas, muitas das quais entram nesse universo influenciadas por seus companheiros, principalmente quando eles são presos ou assumem novas funções no mundo dos entorpecentes.

Para se ter uma ideia, até junho de 2023, o Sistema Nacional de Informações Penais (Sisdepen) registrava 27.375 mil mulheres sob custódia em celas físicas. Deste total, 16.273 se autodeclararam pardas e pretas e 82%, ou seja, 13.497 respondiam por crimes de tráfico de drogas, tráfico de drogas internacional e associação para o tráfico de drogas. Um total de 8.966 estavam em prisão preventiva.

Luiz Felipe de Oliveira Pinheiro Veras, mestre e pesquisador da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, é autor da pesquisa "Penitenciando a mulher: encarceramento feminino pela guerra às drogas a luz dos Direitos Humanos na capital paulista", desenvolvida pela Universidade de São Paulo (USP).

O estudo avaliou as razões que levam as mulheres ao tráfico de drogas e ao cárcere, como a legislação é aplicada nestes casos e as condições estruturais oferecidas pela unidade prisional feminina.

Ele cita a Lei de Drogas (11.323), instituída em 2006, como mais um elemento a se somar à criminalização da população feminina.

"Em 2006, entrou em vigor a nova lei de drogas que basicamente instituiu uma guerra contra as pessoas. Essa guerra afetou desproporcionalmente as mulheres, que passaram a ser alvos frequentes de prisões. Elas foram colocadas na linha de frente pelo tráfico, seja como mulas, dependentes químicas ou pessoas em situação de vulnerabilidade."

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Para o especialista, a justiça não leva em consideração as questões individuais das mulheres, por isso, elas pegam penas altas, ainda que não sejam protagonistas do tráfico.

"Muitas mulheres caem no tráfico por dependência econômica, emocional e social, esta última tem a ver com a pressão para ter um marido", avalia.

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