Manu Gavassi: 'Se você se sexualiza ou não, é questionada da mesma forma'

"Who the f*** is Manu Gavassi?" Foi com esse questionamento, em 2020 ao entrar no BBB, que a cantora, atriz e diretora se apresentou ao Brasil. Seu nome não era novidade entre jovens e adolescentes, afinal sua carreira começou aos 15 anos. Mas para o público de uma grande emissora de TV era uma pergunta genuína.

No reality, ela ficou com o terceiro lugar. Mas resolveu fazer um caminho completamente diferente das pessoas que saem "da casa mais vigiada do Brasil": se afastou das redes sociais e sumiu por um tempo. Não quis faturar com as custas apenas dá visibilidade - e ainda não quer.

"Meu bem-estar rege minhas atitudes profissionais. Entendo os locais em que me sinto bem de verdade, como cuido da minha rotina, se minha vida está em harmonia e eu tenho orgulho dela. Isso mudou minha relação comigo mesma", disse em entrevista exclusiva para Universa.

Escolhida por Dove para ser o rosto da nova linha de desodorantes em creme, ela conversou com a reportagem sobre sua carreira e onde quer chegar - apesar de não conseguir dizer quais são seus sonhos.

UNIVERSA: De zero a dez, o quanto o cuidado com seu bem-estar é importante em sua vida?
Manu Gavassi:
Nossa, ele entra forte. Quando era mais nova, não entendia a necessidade de parar e cuidar de mim. De saber como o exercício físico é importante, que ele também vai ajudar a sua mente. Que é preciso parar e respirar em momentos caóticos.

Há uns seis anos passei a me preocupar com isso e é palpável a diferença na minha vida. Meu bem-estar rege minhas atitudes profissionais. Entendo os locais em que me sinto bem de verdade, como cuido da minha rotina, se minha vida está em harmonia e eu tenho orgulho dela. Isso mudou minha relação comigo mesma.

Você escolheu se afastar das redes após o BBB por conta disso?
Sermos cobrados por estar sempre presentes é antiprodutivo. Artistas são cobrados, jornalistas são cobrados por expor suas opiniões em texto, psicólogos são cobrados... A gente tem que existir e alimentar esse monstro que é a internet o tempo todo.

Temos que ter muito cuidado com os reflexos que vamos deixar para as próximas gerações, porque somos o primeiro exemplo dessa vida online. Isso é algo que questiono muito.

Manu Gavassi no quarto branco do BBB 20
Manu Gavassi no quarto branco do BBB 20 Imagem: reprodução/Globo
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Após sua saída do BBB seu nome se tornou sinônimo de criatividade, principalmente por conta dos vídeos que você deixou gravado. Essa cobrança ajuda ou atrapalha sua carreira?
Essa é uma imagem excelente pra se ter e nunca imaginei que seria a minha, principalmente após um reality onde você não tem controle de nada. Minha intenção foi muito bem-sucedida e isso me permite viver várias frentes diferentes em meu trabalho.

Mas, sim, junto vem a cobrança. Principalmente de ser criativa em todas as áreas da minha vida. E uma cobrança minha. E é louco, porque com cada projeto, sinto que tenho que me desafiar, colocar mais metas, que são difíceis de serem alcançadas.

Preciso fazer um exercício comigo mesma para não pirar na autocobrança, porque faço o que gosto e gosto do que faço.

Somos uma geração que se cobra demais. Nosso tempo é diferente, o tempo dos nossos resultados precisam ser diferentes, nosso espelho são as redes sociais. Se não nos cuidado internamente, enlouquecemos. Mas, retomando, ter a imagem de criativa é mais positivo do que negativo.

Há pouco tempo, você lançou uma sequência de minicurtas musicais que faziam diversas críticas ao mercado audiovisual. Uma delas era a cobrança sobre a mulher ser gostosa e sempre mostrar o corpo. Você nunca foi esse tipo de artista, mesmo assim era isso que esperavam? Te cobravam?
Eu falei em "Sexo, Poder e Arte" sobre as prisões invisíveis de ser mulher. São cobranças, que existem, mesmo quando não são escancaradas, fazem parte do jogo. Para o entretenimento, sexualizar as mulheres sempre foi algo legal.

Apesar de eu achar maravilhoso e libertador nos apropriarmos da nossa sexualidade, falarmos sobre o prazer feminino e sobre sexo, existem armadilhas. Principalmente em uma carreira musical.

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Lembro de um comentário do vídeo que viralizou na época, dizendo que eu sempre passaria uma energia infantil. E aquilo era tudo, menos infantil. Era uma mulher se apropriando de seu cérebro, suas ideias e questionamentos. E não estamos acostumados a ver mulheres se colocando nesse lugar.

Se você se sexualiza, é questionada. Se não, é da mesma forma. Por isso admiro todas as mulheres do entretenimento. Vivemos tentando ganhar nessa equação, o que é bem difícil.

Você ficou com medo de como a indústria pudesse reagir?
Fiquei, e fiquei triste por não ter reação nenhuma. Será que escutaram a minha mensagem? O buraco é muito mais embaixo. Levantei vários questionamentos e nem pensaram sobre.

Acho que a retaliação não veio porque as pessoas têm medo de discutir esse assunto. De abraçar a causa e se disporem a refletir sobre a hipersexualização imposta à mulher. O questionamento não existiu porque ele doi e mexe com vários fatores.

Não teve crítica, mas teve uma grande repercussão?
Eu nem esperava. Era um vídeo longo, com muito texto. Não imaginava que isso ia viralizar e que seria abraçado por tantos artistas, de áreas diferentes, alguns que eu nem conhecia. Para mim, isso mostra como há essa prisão coletiva, que todo mundo tem uma dor e está tentando sobreviver.

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O projeto, como um todo, me deixou feliz. Gosto muito de roteiro, direção e atuação. Quero transitar por esses lugares.

Falando em suas atuações, você criou o Estúdio Gracinha para fazer a produção de seus conteúdos e de publicidades. Ele te supre como artista? Tem um lado que você gosta mais de se dedicar?
Não consigo decidir o que gosto mais. Quando fico muito tempo sem fazer cantar, atuar, escrever ou dirigir, sinto falta. Não me identifico mais com backstage. Sempre gostei de me comunicar e me expressar. Não me vejo realizada só atrás das câmeras, mas me vejo feliz tendo autonomia nos meus projetos.

O Estúdio Gracinha foi um grito para eu tentar ocupar esse lugar. Tenho mais coisas para falar, que passam para além da música. Não quer dizer que vou dirigir e roteirizar todos os projetos, mas me sinto apta para tomar essas decisões.

Manu Gavassi criticou a indústria da música em vídeo postado em suas redes sociais
Manu Gavassi criticou a indústria da música em vídeo postado em suas redes sociais Imagem: Reprodução/Twitter

Ouviu que não valia a pena criar seu próprio estúdio?

Não enfrentei barreiras porque não pedi opinião. Se pergunto, vou ouvir "não". E foi a melhor coisa que eu fiz.

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Acredito muito em intuição. Não tomo decisões por impulso. Medito bastante e entendo meu caminho. Nada que fiz na vida foi sem pensar. Então confio quando tem algo no meu coração, sabe?

Eu percebi que ia ser difícil, e foi mais do que eu imaginava, principalmente por ser uma mulher jovem em um ambiente onde as decisões são tomadas majoritariamente por homens. Me meti em um lugar complicado. Sou movida a desafios e entendo que esse é um projeto para, sei lá, a próxima década, que vai me realizar a longo prazo.

Você tem 31 anos e passou mais da metade da sua vida sendo artista. O que faria diferente?
Começaria mais tarde. Penso sobre isso. Se um dia tiver filhos, não os deixaria começar uma carreira artística ainda adolescente, como eu, aos 15 anos. Nosso cérebro, nessa idade, ainda não está pronto para muita coisa. Somos seres humanos em formação. Se eu pudesse, teria esperado um pouco mais.

Assim, acredito que minha carreira seria mais parecida com o que ela é hoje desde o início, teria mais autonomia, mais ferramentas para lidar, com o bem e com o mal. Mas não dá pra mudar, né? É o efeito borboleta: se mudamos algo, todo o resto da vida dá errado.

Manu Gavassi participa do "Desculpa Alguma Coisa"
Manu Gavassi participa do "Desculpa Alguma Coisa" Imagem: Mariana Pekin/UOL

Você foi no videocast "Desculpa Alguma Coisa" e falou que estava sem sonhos. Segue assim?
Não me lembro de dizer isso, mas que interessante. Tenho falado muito sobre isso na terapia. Tenho dificuldade de ter sonhos para a minha vida pessoal. Quase metade da minha vida foi inserida dentro da minha carreira, sonhando, colocando metas e realizando. É do meu perfil, sempre gostei de trabalhar.

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Então tive muita dificuldade de ter metas pessoais, como guardar dinheiro para minha casa ou para uma reforma. Nunca pensei assim.

Sempre fui focada em qual seria meu próximo projeto. Se ninguém me bancar, preciso ter dinheiro pra isso. Acho que quando falo que estou sem sonho, é porque a minha cabeça capricorniana não entende que podemos ter sonhos diferentes e que eles podem ser para a nossa vida pessoal.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • O signo da Manu Gavassi é capricórnio

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