'Nóis' contra o mundo': asiáticas rebatem estereótipos em negócios próprios
A "japinha", a submissa, a obediente... por muito tempo, era essa a imagem da mulher asiática que muitos tinham. Não mais: as amarelas estão prontas para mostrar a potência de suas tradições em mercados diversos e encaram o desafio de empreender.
Para fazer negócio contra machismo e racismo, elas se unem em iniciativas como a Aurora Fest, que chega à segunda edição no Largo da Batata em São Paulo. Em sua primeira edição, em 2023, movimentou R$ 464 mil em apenas um dia, com quase 50 expositores.
A feira é realizada por Marisol Kioko, descendente de japoneses e criadora do aplicativo Vou de Nekô, que enfatiza a pluralidade - e riqueza cultural - das comunidades asiáticas.
Cada uma tem sua história, suas tradições, seus costumes, seus valores, e generalizar ignora todo esse legado. Não queremos ser exóticas, queremos ser nós, além de nossas características e estereótipos, dá o tom.
Universa conversou com algumas das expositoras da feira, que contam qual o poder da mulher asiática no empreendedorismo - e além.
Para além da origem
Fundadora da Mori Chazeria (@mori.chazeria), Patrícia Fuzisaka, gosta de ver o lado positivo de ser uma mulher empreendedora com ascendência japonesa.
Tento unir o melhor das duas culturas: pegar influências japonesas que tive em casa, com os meus pais e avós, com a cultura brasileira. A mistura da disciplina japonesa com a criatividade e flexibilidade brasileira, são qualidades que nos deixam mais fortalecidas para enfrentar os desafios de gerir o nosso próprio negócio.
Melissa Takami, chef e fundadora da Moti Confeitaria (@moticonfeitaria), complementa e eleva o valor que a cultura asiática dá pelo respeito às pessoas: "Entregar o melhor aos clientes é essencial. Garantir que eles fiquem satisfeitos com seus produtos e serviços é garantir que o sobrenome, interpretado por nós como legado, e que tem tanto peso, seja bem falado e bem visto", acredita.
Indiana, Deepali Bavaskar, chef do Samosa & Company Indian Food (@samosandcompany), mora em São Paulo há 20 anos. Para ela, a força da mulher asiática vem, principalmente, da determinação. "Quando saímos do nosso país, as coisas não são fáceis na nova cidade para a qual imigramos. Mesmo assim, as mulheres continuam trilhando o caminho para a independência", acredita.
Para nós, mulheres, saber cozinhar é essencial, e essa tradição se tornou uma bênção quando deixei a Índia.
A artista Camila Gondo (@camilagondo), por sua vez, reclama da falta de referências femininas asiáticas em cargos de liderança. "O que significa que precisamos abrir nossos próprios caminhos, desafiando tanto as normas culturais, os preconceitos externos da sociedade e até mesmo a imagem que temos de nós mesmas", conta.
Ao mesmo tempo, acredita no valor da tradicional disciplina, respeito e dedicação dos povos asiáticos.
Nossas experiências culturais moldam a forma como fazemos negócios, sempre buscando equilíbrio entre o sucesso profissional e o significado pessoal.
Contra racismo e machismo
Também no campo das artes, a ceramista Beca Chang (@becachang), relembra episódios menos felizes como mulher amarela, mestiça de pai coreano e mãe brasileira:
Hoje a Coreia está em alta, mas durante muitos anos esse país nunca esteve no mapa, ou eu era japonesa ou chinesa. Já ouvi coisas tão absurdas, destiladas com muito racismo. Eu vejo o quão é necessário ocupar os lugares, apresentar outras formas de ver o mundo, outras culturas, abrindo o diálogo para que os estereótipos sejam quebrados.
Denise Ikuno, da Ikuno Handmade (@ikuno.handmade), concorda: "Sinto que a mulher amarela ainda é vista por muitos sob o estereótipo de uma mulher obediente, que não se contrapõe, que é silenciosa e calma".
Apesar de ser uma empreendedora e ter montado uma marca para expressar sua própria vontade e opinião sobre as coisas, conta que é difícil se colocar e quebrar aquela imagem sem que te olhem com estranheza.
E vejo também a questão da fetichização da cultura. O desafio é seguir firme com a minha própria identidade, sem ser estereotipada. Fazer um trabalho autoral para não ser lembrada apenas como uma 'japinha que faz brincos'.
Susan Eiko, da Ohayou Produções (@ohayouprod), que trabalha com os tradicionais furoshikis (lenços usados para fazer embrulhos), acredita que é difícil lidar com a tensão entre honrar as tradições culturais e enfrentar as demandas modernas de uma carreira.
"A ideia não é ter um lenço igual ao do Japão, mas sim um produto que representa a mistura do Brasil com o Japão e minhas referências pessoais".
Além disso, enfrento aquele estereótipo de que japonesas são 'calmas, boas em matemática, falamos baixo...', mas na verdade já aprendi a me posicionar livremente sem medo de deixar as pessoas espantadas. Sempre foi sobre sair da caixa.
União fez a força
Priscila Jung, do Delivery de Comidinhas Tchú Gou (@priscila.jung @tchu.gou), lembra que, sendo ainda uma mulher jovem, em alguns ambientes sente que tem que se impor para sobrepor a imagem de que uma mulher amarela é submissa.
Em contrapartida me sinto hoje rodeada por mulheres asiáticas fortes. Em eventos como o Aurora tenho uma sensação de força de 'é 'nóis' contra o mundo'. É muito confortante poder ver a nossa força em conjunto e poder estar em um lugar em que eu não sou 'aquela menina coreana', mas apenas uma pessoa para além da minha origem.
Assim como Priscila, Amanda Higa, da Bloom Fitness (@bloomfitbrasil), enfatiza a união: "No decorrer do caminho percebi que apesar das dificuldades, existem algumas características positivas em fazermos parte de uma comunidade de mulheres asiáticas, seja como parceira ou cliente, o respeito, fidelidade e apoio são sempre mútuos."
Também enfrentando preconceito, ainda mais em um mercado denominado por homens e outros tipos étnicos, Barbara Ng, da Zankasta Deco (@zankasta), resgata a herança de antepassados também ao pensar em seu negócio.
Como asiáticas, valorizamos a família e a comunidade e nos inspiramos em nossos avós, que tinham um pequeno negócio ou eram artesãs também, e isso dá uma base sólida para empreender e ter coragem.
Serviço:
Aurora Fest
Sábado, 21 de setembro, das 11h às 21h
Largo da Batata - na saída da estação Faria Lima, da linha amarela do metrô.
Entrada gratuita | Pet Friendly
Instagram: @voudeneko