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Materna

Acolhendo a gestante em todas as suas vertentes


'Amor depende de construção, dar à luz não te faz mãe', diz Mônica Salgado

Mônica e o filho: "estou extraindo uma alegria da maternidade que nunca extraí" Imagem: Arquivo Pessoal

Beatriz Zogaib

20/09/2024 05h30

Meu filho vai fazer 14 anos e digo para vocês que pela primeira vez eu estou vivendo a minha maternidade plenamente.

Essa foi a frase que a jornalista Mônica Salgado usou para começar um vídeo em seu Instagram dizendo que o amor materno não é instintivo. A publicação acolheu seguidoras mães que também levaram tempo para se sentirem confortáveis na maternidade, deixando claro que a conexão e o equilíbrio com essa função pode demorar -e está tudo bem.

Os pensamentos de Mônica fluíram para criação do reels depois que atriz Isis Valverde revelou que precisou de tempo para se conectar com o filho durante sua participação no programa Sábia Ignorância, do GNT.

É relação visceral, né? Na minha fantasia eu seria a mãe perfeita, e como é duro quando a gente cai lá do alto das nossas fantasias. Descobrir que não somos tão incríveis quanto pensávamos não fere só o ego, machuca a alma. Mônica Salgado, jornalista

Mônica analisa que nos libertamos de muitos estereótipos nos últimos tempos, mas não do tabu da maternidade perfeita. E não é dizer que o maternar é um vilão, mas que é desleal esperar que mulheres alcancem a expectativa de focar só nos filhos, como se ter outras vontades, pensamentos e ambições fosse um fracasso na maternidade.

"É um peso difícil de suportar. Mas só colocando essas dores no mundo publicamente a gente se livra delas, porque entende que tem muitas mulheres passando e-xa-ta-men-te pelo que você passa. Consigo afirmar, sem medo de errar, que se ver na dor do outro é terapêutico, liberta. E posso dizer porque, ao assistir o vídeo da Isis, mulher incrível, talentosa, independente, me senti acolhidíssima", diz.

E o que é o tal do instinto materno?

A psicanalista e escritora Ana Suy, que também gravou um vídeo citando o caso Isis, afirma que o instinto materno não existe. "Não quer dizer que não tenhamos hormônios e reflexos, mas temos junto a insuficiência disso. Somos seres de linguagem, precisamos de histórias, de elaboração e uma série de coisas para extrair satisfação de algo, até para comer. Depende da aparência, do nome, de com quem está. O instinto materno também vai depender da elaboração. Não é no momento de parto que a mãe vai chegar," elabora Ana.

Viver a totalidade da experiência materna não só compreender que o instinto não é suficiente, como também elaborar o luto, afinal, você descobre que a mãe que é possível ser, não a mãe que foi idealizada por você mesma. É aí que entra a importância de falarmos muito sobre o assunto.

Quanto menos a gente fala das ambivalências e deixa a maternidade em um lugar idealizado, mais estranhas as mulheres que sentem algo diferente vão se sentir, mais vão se julgar, mais silêncio vão fazer, achando que tem algo errado com elas. Ana Suy, psicanalista e escritora

Não falar sobre o desafio de se conectar com o filho, além de não contribuir para que a mulher se sinta melhor, reduz o espaço para que se vincule de fato com seu bebê. A regra é: quanto mais falar, mais espaço haverá para a ligação amorosa acontecer - pois a mãe se sentirá acolhida por ela mesma e por quem passa pelo mesmo. E entenderá que todo amor, incluindo entre mães e filhos, depende de tempo e de outros fatores, além dos dois corpos envolvidos nesse relacionamento e momento.

É claro que existe a enxurrada de hormônios que favorecem o elo, especialmente no puerpério, mas eles não fazem o serviço completo, dependem da nossa interpretação. "É muito comum que a mãe olhe o bebê e se sinta ligada de imediato, mas na verdade isso já depende de uma história anterior, de como ela foi enquanto filha, como ela viu a mãe ser mãe, de quem ela engravidou, como foi a gestação, como foi a escolha do nome... Tudo isso está incluído no de repente", explica Ana.

Nada de pânico se sentir falta de conexão. O amor, incluindo o materno, é uma construção e não é linear. "Como em qualquer modalidade amorosa, a gente tem algo mais para o lado da paixão e outra para o amor. Até quando há uma conexão logo de início, quando a mãe encontra o bebê e está tomada de hormônio em um momento tão forte e visceral, ela está em um estado de apaixonamento. Mas ninguém aguenta viver nesse ápice, o sentimento oscila", explica Ana.

Há ainda uma especificidade entre mãe e filho: enquanto o ideal do casal é ficar junto para sempre, na relação com o bebê o ideal é outro, afinal, se tudo der certo, ele vai crescer e cuidar da própria vida. É saudável e natural ter um afastamento. E, por isso também, tem a mãe que se dá melhor com o recém-nascido, a que sente uma dor tremenda quando ele cresce, outras que se alegram muito mais quando a criança começa a falar, e outras que encontram uma forma de aproximação maior na adolescência.

Fica mais fácil com o passar do tempo?

Aprofundando a discussão, Mônica confessa que debateu por anos na terapia a relação que tem com a própria mãe, o que achou que facilitaria o caminho para fugir de armadilhas da maternidade, mas que na realidade, a análise não a impediu de cair em todas elas.

"O que me pegou é que trabalhei muito nos primeiros anos do Berardo [seu filho de 14 anos] e, no tempo que tinha em casa, não era a mãe que sentava pacientemente para brincar, desenhar... Fui carregando essa culpa. Com ele maiorzinho, via a conexão mágica que tinha com o pai e me sentia excluída. Claro que tínhamos muitos momentos de carinho, mas na maior parte do tempo eu me ressentia", detalha.

Sua terapeuta dizia uma frase quase com efeito de calmante: na adolescência eles costumam se voltar para as mães. Cada fase desperta uma reação, cada relação é única com seus momentos de aproximação e estranheza. "Hoje parece que viramos uma chave. Trocamos ideias, ele já tem uma visão crítica, adoro o senso de humor dele, rimos juntos. Com isso estou extraindo uma alegria da maternidade que nunca extraí antes com esta intensidade. A paz de espírito que isso me traz é indescritível".

Quanto maior a sobrecarga, maior a chance de desconexão

Mônica Salgado e filho Bernardo Imagem: Arquivo Pessoal

Sair do ambiente profissional onde se sente que há controle, reconhecimento e onde se é possível planejar o próximo passo, e, do dia para a noite -com um parto entre eles-, entrar em um novo mundo de fralda, sono e amamentação é um grande susto.

Mônica Salgado diz que ninguém te prepara para esse momento e que se sentiu se despedindo da sua antiga versão. "Lembro de olhar pela janela da minha casa e pensar: 'queria estar lá, indo para uma reunião'. Depois queria voltar para aquela Mônica puérpera e dizer: 'vai passar'. Sou muito inquieta, preciso estar produzindo intelectualmente, tenho dificuldade em parar. Hoje eu olho com mais gentileza para aquele momento. Já não me acho mais uma monstra", conta.

A sensação de desconexão com o filho pode acontecer com qualquer mãe. Mas, quanto mais sobrecarregada, menos chances a mulher tem de se conectar com o bebê.

E aqui se multiplicam a sobrecarga física e emocional. "Quando a gente está exausta, não consegue prestar atenção no outro. E vale reforçar que a relação com o bebê demanda uma entrega que não é para uma pessoa só. Se só uma está encarregada, é muito difícil funcionar bem. A criança precisa sentir que a mãe a ama e, para mãe amar, ela precisa estar bem, mas isso depende de outros cuidados na vida dessa mulher", analisa Ana Suy.

A mãe precisa continuar sendo mulher. Como vai conseguir se divertir na maternidade se precisou parar de trabalhar, se não tem com quem contar para tomar banho, se está virando noites seguidas sem assistir a um filme ou ler um livro. "É da ordem do impossível. E atribuir a dificuldade dessa conexão apenas à mulher é desumano", complementa a psicanalista.

Uma das lições que tanto Mônica, quanto Isis, quanto Ana nos dão: o amor, mesmo esse tido como incondicional, é uma obra inacabada - cuja construção se baseia, inclusive, na honestidade em admitir as próprias dificuldades como mãe. Não é de perfeição que se nutre o vínculo entre mães e filhos, mas da humildade em, mesmo que com tristeza e frustração, admitir que erramos, ressentimos, projetamos, sentimos falta da vida de antes ou dos sonhos que tivemos.

Para Mônica, a arma que a gente tem para minimamente levarmos uma vida mais honesta é falar, expor a vulnerabilidade, abrir um papo transparente - criando uma corrente de comunicação mais honesta que corresponde ao que de fato é nossa vida - nos vendo do avesso. Ana Suy concorda. "Acho extremamente positivo a gente falar dessa maternidade, não sei se real, mas menos idealizada. Digo que não sei se real porque saímos da idealização para o extremo oposto, de enxergar a maternidade horrível. É preciso reconhecer não a maravilha e o horror, mas a delícia e o trabalho, um não elimina o outro", conclui.

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