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Amamentar em público incomoda: 'O ano é 2024 e ainda existe contradição'

Em 2014, a advogada Alessandra Kogati, 45, foi convidada a se retirar de um banco de um shopping paulistano enquanto amamentava seu caçula, hoje com 11 anos. Imagem: Acervo pessoal

Luiza Souto

23/09/2024 05h30

Embora a importância da amamentação seja amplamente defendida, o ato de amamentar em público ainda enfrenta desafios e preconceitos, mesmo em um país onde a imagem feminina é amplamente explorada.

Em 2014, por exemplo, a advogada Alessandra Kogati, 45, foi convidada a se retirar de um banco de um shopping paulistano enquanto amamentava seu caçula, hoje com 11 anos.

"A segurança pediu para que eu me dirigisse ao espaço família, que seria o local mais adequado", relata ela. "Em um país onde mulheres seminuas desfilam sua beleza em uma das maiores festas do Brasil, uma mãe é apontada quando senta num banco de uma praça ou do shopping para amamentar seu filho", resume ela, mãe ainda de um jovem de 21 anos.

O desabafo é bem parecido com o de centenas de mães que compartilharam sua experiência em pesquisa inédita da MAM Baby, marca especialista em bebês. De 319 brasileiras ouvintes, 70% delas afirmam ter forte incentivo social para amamentar, mas metade delas enfrenta desconforto ao fazê-lo em público, destacando a necessidade de mais apoio e respeito na sociedade.

Presente em mais de 60 países, a marca levou a pesquisa também para as filiais como Áustria, Reino Unido, Espanha, Grécia, França e Hungria. Entre as mulheres participantes, 63% dizem seguir a diretriz da OMS (Organização Mundial da Saúde) para amamentar por pelo menos seis meses. Mas 75% das lactantes optam por alimentar os bebês em locais pouco visíveis ou com poucas pessoas presentes.

Julgamento e olhares de reprovação

A advogada Carolina Kramer com sua bebê de quatro meses Imagem: Acervo pessoal

Mãe de duas meninas, de 8 anos e de 4 meses, a advogada Carolina Kramer, 38, relata ter testemunhado olhares de reprovação principalmente quando amamentava a mais velha, mas ciente da importância do ato, afirma que "não estava nem aí", e que "a hora que minha filha tivesse fome eu ia pôr meu peito para fora."

Na época da mais velha, tudo era 'saia daqui para amamentar' ou 'você não vai poder amamentar na frente do meu marido'. Mas eu sempre ignorei muito isso. Carolina Kramer, advogada e mãe de duas meninas

Ela afirma ter sentido mudanças positivas entre as gestações, como a redução de constrangimentos e julgamentos na segunda experiência de amamentação. Mas pondera: falta muito ainda para melhorar.

"Se você for num parque, mesmo que seja grande, você não vê estrutura. Dependendo do lugar, não tem nem uma cadeira para amamentar. Só em shopping houve esse avanço justamente para evitar que o consumidor saia mais cedo."

E defende que toda parturiente, junto com a outra pessoa responsável pela criança, se houver, recebam suporte adequado já na maternidade. "A minha filha mais velha não amamentou no segundo dia de vida sob a justificativa de me deixarem descansar. Deram mamadeira e ela ficou alérgica à proteína do leite de vaca. E isso só trouxe mais transtorno. Com a mais nova, tive muito mais apoio das médicas."

Maria Fernanda Espinosa com sua bebê de seis meses Imagem: Acervo pessoal

A gerente de negócios Maria Fernanda Espinosa, 37, concorda. Ela menciona dificuldade de amamentar seu bebê nos três primeiros meses de vida, e que precisou de ajuda profissional como consultoras e cursos para aprender a lidar com dificuldades como o "freio curto" da língua da filha, de seis meses.

Mas insistiu porque acreditava nos benefícios do leite materno, e ainda assim sentiu-se sozinha.

A mãe é cobrada para amamentar ao mesmo tempo em que é julgada por fazê-lo em público. Então a gente fica muito tempo tentando entender a perspectiva de outras pessoas e esquece da nossa saúde mental.Maria Fernanda Espinosa, gerente e mãe

Marcela Issa, diretora de marketing e vendas da MAM Baby, também fala dessa incoerência. "Por incrível que pareça, o ano é 2024 e ainda existe essa contradição, onde ao mesmo tempo em que a gente fala que é preciso amamentar, quando a criança precisa, a mãe é julgada."

Ela sugere que haja espaços mais reservados para ajudar as mães a se sentirem mais confortáveis, como nos escritórios, para que as trabalhadoras possam tirar leite. Ela enfatiza ainda a necessidade de normalizar a amamentação em público e discuti-la abertamente na sociedade, bem como falar mais da licença parental, que atualmente é de cinco dias para os pais.

"Se todos os homens são passíveis de ter uma licença mais estendida, ele consegue se conectar melhor com a criança, consegue entender um pouco mais essa questão de por que a mãe fica tão dedicada. Então, eu acho que é realmente compartilhar o cuidado", conclui.

Amamentação como boa experiência

Com os dados da pesquisa, a empresa pretende justamente trabalhar esses pontos em campanhas. E ela não coletou apenas dados preocupantes. A pesquisa traz também pontos positivos: a maioria alega ter gostado ou gostar da experiência do aleitamento materno (88%). Alessandra Kogati é uma delas, apesar do constrangimento no shopping. Mas confessa que, se tivesse o terceiro filho, sairia da maternidade com mamadeira, justamente pela falta de apoio.

"Muitas mães não têm apoio. Além de trabalhar fora, tem o serviço doméstico, a vida segue, e isso causou, pelo menos em mim, um desgaste físico e emocional bem grande", desabafa. "Acho que as pessoas não veem a amamentação como algo natural, criando uma barreira", finaliza.

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