O que mudou após 10 anos do maior vazamento de imagens íntimas da história
Mariana Gonzalez Régio
Colaboração para Universa
11/10/2024 05h30
Há dez anos, a internet foi inundada por imagens íntimas obtidas de forma criminosa - mais especificamente, por mais de 500 fotos de mulheres famosas em situações de nudez, disseminadas em redes sociais como Reddit, Tumblr e WhatsApp.
Entre as vítimas estavam Ariana Grande, Avril Lavigne, Jennifer Lawrence, Hilary Duff, Kim Kardashian, Mary-Kate Olsen, Scarlett Johansson, Selena Gomez, Winona Ryder e Rihanna. A lista completa tem mais de 100 nomes de celebridades.
O episódio, a maior divulgação em massa de fotos íntimas de pessoas famosas de que se tem notícia, ficou conhecido como "The Fappening" (uma mistura das palavras em inglês "fap", masturbação, e happening, acontecimento).
Mais tarde, investigações comprovaram que as fotografias foram obtidas através de uma falha no sistema de armazenamento da Apple, o iCloud, e os hackers responsáveis pela invasão foram condenados à prisão, mas o estrago já estava feito na vida das vítimas.
Algumas das celebridades foram a público dizer que as fotografias em que aparecem eram falsas; outras confirmaram a veracidade das imagens e disseram que elas foram feitas em particular, e que nunca foram compartilhadas.
Jennifer Lawrence, uma das maiores atingidas pelo vazamento, com mais de 60 fotos íntimas divulgadas, definiu o ocorrido como "um crime de violação sexual" - o que hoje parece óbvio, mas é importante entender que, há 10 anos, as discussões sobre vazamento de imagens íntimas e pornografia de vingança ainda estavam engatinhando.
"É uma violação sexual. É nojento. A lei precisa ser mudada, e nós precisamos mudar", disse Lawrence, na época, à revista Variety.
À Vogue norte-americana, mais tarde, desabafou: "Ter sua privacidade violada é assustador. Agora, toda vez que meu agente me liga, me assusto, mesmo não sendo nada. Estou sempre esperando ser surpreendida novamente".
Leis brasileiras
Dois anos antes dos vazamentos nos Estados Unidos, em 2012, no Brasil, a atriz Carolina Dieckmann viveu uma situação muito semelhante: ela foi vítima de hackers que invadiram seu computador para obter e depois divulgar fotos em que aparecia nua.
Em decorrência do episódio, o primeiro de grande repercussão no Brasil, o país promulgou uma lei com o nome da atriz: a Lei 12.737, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, foi promulgada em 2012 e criminaliza a invasão de dispositivos informáticos, como computadores e celulares, prevendo pena de três meses a um ano de detenção e multa.
Ou seja, se The Fappening tivesse ocorrido no Brasil, em 2014, os responsáveis poderiam ser punidos a partir desta legislação e, ainda, por disseminação das imagens íntimas sem consentimento, já que a lei brasileira pune a invasão de dispositivos informáticos e a disseminação das imagens como dois crimes diferentes, que teriam suas penas somadas.
Quem explica isso é a advogada Luciana Terra, especialista em direitos das mulheres e diretora do MeToo Brasil. De lá para cá, a legislação brasileira avançou:
Houve grande fortalecimento da proteção jurídica às vítimas de vazamento de imagens íntimas
Especialmente com a lei 13.718, de 2018, prevê que a divulgação de fotos, vídeos ou qualquer outro material que contenha cenas de nudez, sexo ou pornografia sem o consentimento da vítima é um crime com pena de 1 a 5 anos de reclusão, pena que pode aumentar se o crime for cometido por uma pessoa com quem a vítima teve algum tipo de relação íntima - o que é o cenário mais comum nesse tipo de crime.
A grande maioria das vítimas, claro, são mulheres. E o mais comum é que o criminoso seja um ex-companheiro que pratica esse crime como pornografia de vingança, motivado por sentimentos de rejeição ou raiva após o término de um relacionamento.
O perfil dos agressores podem variar, mas há dois mais comuns: hackers anônimos ou invasores digitais, como no caso do The Fappening, que geralmente agem movidos por vaidade, desejo de poder ou lucro, ou, mais comum, os parceiros íntimos ou ex-parceiros, nos casos de pornografia de vingança, explica a advogada.
Além de serem mais recorrentes, os casos cometidos por ex-companheiros são mais traumáticos, "pois envolvem confiança quebrada e intimidade violada de forma pessoal e direta", completa.
Violência persiste
Apesar do forte arcabouço legal que protege mulheres vítimas de disseminação de fotos íntimas, ainda existem desafios significativos para a efetiva responsabilização dos criminosos no Brasil.
Um dos principais obstáculos é a dificuldade em rastrear os autores desses crimes, já que muitos utilizam ferramentas tecnológicas, como VPN ou perfis falsos, para ocultar sua identidade
A estrutura das delegacias e dos tribunais ainda carece de maior especialização em crimes cibernéticos para melhorar a qualidade das investigações e aumentar a possibilidade de condenação dos responsáveis, percebe Luciana Terra.
"Outro fator que limita a eficácia da justiça é o machismo institucional, que, em alguns casos, resulta na culpabilização das vítimas e na resistência no acolhimento de denúncias, especialmente quando envolve a exposição da intimidade feminina. Muitas mulheres enfrentam preconceitos ao buscar justiça, o que desestimula a denúncia e contribui para a subnotificação destes crimes", finaliza.