É possível ser feliz sem sexo? Pessoas assexuais respondem

Em uma sociedade em que uma pessoa bem realizada e plena é a que está com a vida sexual em dia, pode parecer estranho que a artista visual Cris*, 48, de São Paulo (SP), considere os momentos em que estava sozinha os mais felizes de sua vida. Ela faz parte de um grupo de pessoas que não tem interesse por sexo: os assexuais.

Eles não compactuam com a ideia de que é preciso fazer sexo para ser feliz. "Os momentos em que eu não estava praticando sexo foram o que eu mais tive bem-estar", diz Cris à Universa. Ela não está sozinha nesse desinteresse. Um estudo feito pelo sexólogo canadense Anthony Bogaert deu conta, em 2004, de que 1% da população mundial não tem interesse em sexo.

Com dois ex-maridos em seu passado e mãe de duas filhas, Cris percebeu que está inserida nessa minoria há dois anos. Sem vontade de praticar sexo há alguns meses, ela achou, inicialmente, que estivesse passando por uma menopausa precoce, mas seus exames hormonais e ginecológicos estavam completamente normais. "Voltei do meu médico pensando no que podia estar errado comigo, mas, analisando o meu histórico amoroso, lembrei que já havia passado vários períodos sem fazer sexo sem nenhum problema. Foi quando pesquisei sobre assexualidade na internet", diz a artista.

Assexuais transam?

Há dois tipos de pessoas assexuais: as estritas, que não praticam sexo, e as parciais, que têm relações esporadicamente. Cris faz parte do último grupo. O fato de transar às vezes não impediu, no entanto, que a falta de sexo fosse um dos motivos do fim dos seus dois casamentos. Ela garante, no entanto, que ninguém a obrigou a ter relações. "Nunca fiz sexo por pressão dos meus parceiros, sempre foi por livre e espontânea vontade, mas percebi que cheguei a me envolver sexualmente com as pessoas por achar que tinha que praticar sexo, estar com alguém, porque a sociedade cobra isso da gente."

Esta pressão tem origem na normatização do ato sexual como uma prática inerente do reconhecimento do ser humano e da identidade. Muitas pessoas se descobrem assexuais quando percebem que a relação sexual não faz sentido para sua vida e, inicialmente, se sentem um peixe fora d'água. Essa inadequação os pressiona a ter relações mesmo achando-as impositivas e até violentas.

Contudo, precisamos entender que a prática sexual não é algo inerente à existência humana. O sexo não é uma lógica para todos.

Sexo x afetividade

Assexual da área cinza, a social media Gabriela*, 26, de São Paulo (SP), diz que, muitas vezes, encontra mais felicidade em chegar em casa, tomar um banho e comer algo gostoso do que em relações sexuais. "Para mim é muito diferente das outras pessoas da minha idade. Se elas pensam 100% do tempo em sexo, eu penso em 30%", afirma. A falta de interesse no sexo faz com que os relacionamentos de Gabriela sejam mais curtos do que a média. "É sempre difícil trazer o assunto à tona porque o parceiro acha que é um problema com ele, sendo que sou eu que não preciso fazer sexo. Já fiquei seis meses sem ter relações", diz.

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Vale dizer que assexuais podem ter relações afetivas, porque há a separação entre o sexo e o afeto. Afinal, há pessoas assexuais que casam, namoram, constroem famílias. Tudo isso em um acordo.

O advogado Walter*, 31, de Cornelio Procópio (PR), entendeu que era diferente dos colegas de classe aos 10 anos, quando percebeu que via meninos e meninas com o mesmo olhar. "Eu não sentia atração nem um nem pelo outro", afirma.

Ouvia dos adultos que era porque ainda era muito novo, que o interesse sexual e romântico viria com o tempo. Aos 14 anos, transou pela primeira vez com uma mulher. "Quando vi que não tinha achado nada demais, pensei que poderia ser gay". Aos 17 anos, experimentou relações sexuais com um rapaz. "Foi quando percebi que isso de fazer sexo não era para mim". Na mesma época, descobriu que era assexual e pansexual, ou seja, não vê distinção entre gêneros.

Assexual estrito, Walter está há 14 anos sem praticar relações sexuais. Ele é, também, arromântico. "Não tenho sentimentos românticos de ficar abraçando, beijando a pessoa", diz. Sem interesse em sexo e nada "carinhoso", Walter não teve relacionamentos longos, mas entende a importância de estar em uma relação.

"É legal ter alguém para construir uma vida, ter em quem contar em todas as situações. Estas são as coisas que qualquer pessoa procura em um relacionamento"

Solidão x solitude

Ao longo de 30 anos, as amizades de Walter atendiam as necessidades afetivas dele, mas o advogado começou a desejar um envolvimento maior com as pessoas. "Eu lidava bem com a solidão, porém chegou um momento que achei que fosse morrer sozinho porque ninguém gostaria de ter uma relação amorosa com uma pessoa que não tem interesse em transar", fala.

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Há algumas semanas, ele começou um relacionamento com uma pessoa não-binária — que não se identifica como homem nem como mulher. "Tenho que deixar claro que, apesar de não ter os mesmos sentimentos românticos que ela, eu gosto dela e quero estar naquele relacionamento."

Cris também costuma ter casos efêmeros. "Os meus envolvimentos costumam acabar quando a questão da falta de sexo se torna um problema", conta. A artista visual narra que, às vezes, prefere masturbar-se do que procurar um parceiro para praticar relações sexuais. "Não tenho mais saco para lidar com esses homens confusos", diz. Cris diz ter se encontrado na solitude.

Fontes: Breno Rosostolato, psicólogo especializado em estudos de gênero

*Com matéria publicada em 24/04/2019

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