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'Sou lésbica, mas me apaixonei por um homem'; o que é orientação romântica?

De acordo com especialistas, amor e sexo não andam exatamente juntos e é possível amar pessoas sem sentir atração sexual Imagem: iStock Images

De Universa, em São Paulo

20/10/2024 19h00

"Amor é prosa. Sexo é poesia", dizia Rita Lee na música "Amor e Sexo". A canção de 2003 discute o conceito de que nossa sexualidade está diretamente ligada às nossas afetividades. A discussão ganhou mais ressonância ao falarmos sobre assexualidade e abriu a possibilidade de que nem sempre precisamos ter atração sexual para nos apaixonar.

Para algumas pessoas, a paixão se dá por características que nada tem a ver com gênero ou sexo, mas por características relacionadas ao indivíduo . É o jeito de falar, de tratar, o envolvimento.

Existe uma série de fatores que, para muita gente, leva ao encantamento pelo outro. E conseguir diferenciar sexualidade e afetividade tem feito pessoas descobrirem novas formas de relações que, não necessariamente, precisam estar alinhadas à orientação hetero, homo, bi ou pansexual.

Podemos ter um entendimento da vida sexual muito diferente da romântica. É possível ter o desejo por alguém do gênero oposto, mas isso não quer dizer que, romanticamente, vai ter o mesmo sentimento que o sexual.

A administradora de empresas Rosana*, 32, do Rio de Janeiro, percebeu que gostava de mulheres ainda na adolescência. "Eu nunca tinha dado um beijo na boca, mas me apaixonava pelas meninas da escola", conta. Aos 25, no entanto, ficou muito próxima de um amigo bissexual. A amizade, ela não sabe explicar, virou paixão.

"Fiquei confusa. Eu não sentia na época e não sinto hoje atração sexual por homens, mas acabei me envolvendo com ele." O relacionamento durou nove meses, mas sem sexo. Rosana se considera, atualmente, lésbica, mas entende que pode ser birromântica, ou seja, cria afeto tanto por homens como por mulheres.

A criadora de conteúdo Gabriela*, 26, de São Paulo, por sua vez, é heterossexual e está vivendo, há dois meses, um romance com um amigo gay. "A gente se ama, se pega, se trata como namorado, mas não transamos", diz. "E é uma delícia porque tem respeito, amor, cumplicidade e liberdade. Diferente de qualquer outro romance que já vivi. Entendemos que não se pode encontrar tudo na mesma pessoa."

Histórias de amor como as de Rosana e Gabriela são possíveis uma vez que a sexualidade não está diretamente ligada à forma e a quem um indivíduo ama. Afinal, a orientação sexual e a romântica funcionam de formas distintas.

Orientação sexual implica estabelecermos padrões de atração para determinado tipo de característica ou pessoa. A orientação romântica é valorização fora do sexo, extragenital, e se baseia em amor, em carinho e outros estados de humor mais complexos.

Já atração sexual está ligada a sexo. A atração romântica produz o relacionamento afetivo e continuidade do relacionamento. Ambos trazem prazer, mas o sexo traz a proposta de um prazer imediato e de alta intensidade. A atração romântica promove prazer de mais baixa intensidade e se prolonga com mais facilidade.

Bissexualidade x orientação romântica

Se te deu nó na cabeça, você não está sozinho. A sociedade, em geral, vê o sexo como uma normativa. Aprendemos que, se não há vida sexual ativa em um relacionamento romântico, temos um problema. Por muito tempo, entendemos que amor e sexo precisavam estar vinculados. Mas não é assim, eles são duas coisas completamente diferentes.

Essa conexão surgiu, no decorrer da história, para manter a família unida. Na Idade Média, cada membro da família tinha um papel para manter o sustento de uma casa. Com a chegada do mercantilismo, não havia mais a necessidade de casais e filhos se manterem juntos.

Assim, fazer dos casais algo além do sexo permitiu manter acordos entre famílias e facilitou a manutenção da produção de bens de consumo numa sociedade.

O fato de amor e sexo terem andado juntos por tanto tempo fez criar a ideia de que fazemos sexo porque amamos e que amamos porque fazermos sexo.

Há uma construção social de que devemos viver afetividades de acordo com sexualidade. Mas um homem homossexual pode amar uma mulher. Ele entende que aquele desejo pode ser experimentado com homens, mas pode se permitir ter relações românticas com mulheres.

Então as pessoas que vivem essas romanticidades são bissexuais? Bissexualidade refere-se à possibilidade de se sentir atraído tanto por homens como por mulheres, enquanto o romantismo refere-se aos estados de humor relacionados ao amor que se pode sentir por qualquer outra pessoa, sem conduzir ao sexo genital.

Além disso, denominar-se bissexual também é, mais do que um comportamento sexual, um posicionamento social. A comunidade bissexual é muito invisibilizada, então levantar a bandeira e se considerar bi é uma forma de afirmar a existência desse grupo. Já as afetividades não são preto no branco.

O aspecto afetivo, não se baseia em normas, mas no subjetivo e na construção que cada um faz em relação às suas vontades, seus desejos, suas noções de afeto.

A designer de sobrancelhas Beatrice*, 24, de Lavras (MG), sempre se entendeu bissexual. "Tenho atração sexual semelhante por meninos e meninas, mas nunca aconteceu de eu me apaixonar por mulher. Nunca senti aquele frio na barriga, a mão gelada", afirma. Em uma relação livre com um homem, ela diz que separa muito bem o que é amor e o que é sexo.

Há uma discussão sobre a heterossexualidade compulsória, quando uma pessoa "se obriga" a manter relações afetivas com o sexo oposto por medo do preconceito.

"A gente não escolhe de quem gosta, mas acredito que, sim, sofremos influência de uma sociedade que julga relações sexuais. Por isso, por mais que eu nunca tenha me apaixonado por mulheres, eu me mantenho aberta para caso aconteça de um dia o sentimento aparecer", fala Beatrice.

Amor sem sexo, tudo bem

Por outro lado, dizer que caso uma pessoa consiga se apaixonar por gêneros opostos ou semelhantes ao seus a faz, necessariamente, bissexual, é ignorar a existência da assexualidade e de pessoas como a designer Sara*, 34, de São Paulo. Ela conta que é assexual da área cinza —raramente sente interesse por sexo— e panromântica. "O gênero não é primordial para mim para rolar atração amorosa por alguém", afirma.

A designer ficou 17 anos sem sentir atração sexual, apesar de praticar sexo. Percebeu que era assexual há seis anos, quando era casada com um homem. Há quatro, terminou o relacionamento e ficou, até o começo do ano, sem se relacionar com ninguém.

"Até que comecei a namorar um amigo também assexual. O que diferenciava o nosso relacionamento de uma amizade eram os acordos e planos para o futuro." Atualmente, ela está namorando uma garota, com quem mantém relações sexuais. "Como sou da área cinza, a atração é condicional. Tenho que me identificar muito com alguém para que ela surja. Foi o que aconteceu com a minha namorada."

Foram casos como o de Sara que fez com que especialistas em sexualidade começassem a estudar a orientação romântica. Quando se pensa nessa separação entre amor e sexo, passa-se a entender o ser humano com uma riqueza de possibilidades. Abre-se um leque de pluralidade.

As pessoas estão se liberando cada vez mais de uma normativa. Agora, basta saber quão dispostas estão as pessoas a viverem essa romanticidade fluída diante de uma sociedade que ainda julga o diferente.

Gabriela é incisiva ao falar que, por não manter relações sexuais com o namorado, há quem diminua a relação de ambos. "Quando o assunto é fazer sexo sem amor, todo mundo acha normal. Por que não existiria amor sem sexo?".

Fontes: Breno Rosostolato, psicólogo especialista em estudos de gênero; e Oswaldo Rodrigues Jr., psicoterapeuta sexual do Instituto Paulista de Sexualidade, de São Paulo

*Com matéria publicada em 04/10/2019

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