'Sou única madrasta na reunião escolar. A madrastidade vem de mãe, não má'
Ser madrasta é uma missão sensível. Além da carga negativa que o nome tem, não é uma função que controlamos ou conseguimos prever em nossas vidas. "A gente conhece uma pessoa, mas não se prepara para a responsabilidade afetiva de uma criança desse parceiro", diz Thaís Melchior, atriz, apresentadora e madrasta de Maria.
Para começo de conversa, vale entender de onde este nome surgiu. O termo madrastidade existe e é o papel da madrasta. Surgiu no século 12 e significa "nova mulher do pai", mas na verdade tem em sua origem "mater", que nada mais é do que "mãe", em latim. No entanto, a fama da madrasta não ser das melhores começou com filólogos dizendo que era uma cópia mal feita da mãe e terminou - se é que terminou - com as madrastas más dos contos infantis.
Mas já era hora de quebrar esse estigma. Thaís conta que foi através da relação de afeto com a enteada que resolveu ir a fundo nos estudos sobre a madrastidade.
Esse nome, madrasta, era muito estranho para mim. Era horroroso. Cheguei a falar para ela 'não sou sua madrasta, sou sua boadrasta'. Mas falei porque ainda não tinha conhecimento. Ouvi podcasts, li livros, pesquisei na internet, conversei com outras madrastas. Fui atrás de informação para entender não só o significado dessa palavra, mas o tamanho e a importância dessa função.Thaís Melchior, atriz, apresentadora e madrasta de Maria.
Ela quase não tinha amigas mães, muito menos madrastas. Mas conseguir desassociar o termo de uma coisa negativa, da rivalidade feminina e do tabu envolvido, acabou a ajudando a entender, não o que vivia dentro de casa, mas a pressão social que sentia.
"Estamos diante de uma sociedade que ainda pensa muito dentro da caixa. E aí, depois de milhões de conversas e pesquisas, me senti preparada, inclusive, para conversar com a Maria e dizer: 'Errei, madrasta vem de mater, não é de ser má. Então, sim, eu sou sua madrasta. A gente pode usar esse termo agora, porque é uma coisa muito legal. Eu quero ser para você uma base, um colo e a gente vai construir isso juntas'", conta emocionada.
Maria a chama de Tatá e se refere à mulher do pai como madrasta quando conversa com amigas. "Vejo como ela fala de uma maneira orgulhosa", comemora Thaís, hoje desafiando estereótipos também fora de casa, no videocast "Tha em Dobro", ao lado da atriz e também apresentadora Thaís Pacholek, mãe de Luís Miguel.
Juntas, elas abordam desafios da maternidade e da madrastidade - desconstruindo estigmas, promovendo o diálogo saudável e inclusivo entre as mulheres, e trazendo perspectivas complementares sobre a criação das crianças.
Madrasta para sempre
No começo, Thaís Melchior era a 'namorada do papai', assimilando o que era ter uma criança na sua vida - já que não é mãe e nunca tinha se relacionado com ninguém que tivesse filho. Ao mesmo tempo, sentia a necessidade de ter uma relação só com a criança, independente da que tinha com o parceiro.
Essa foi a virada de chave pra mim. Eu não sou só a namorada ou mulher do papai. E não quero ser só isso. Quero ser alguém para essa criança. Ela é menina, então quero ser uma referência feminina para ela também, ter uma entrada para dialogar, para ser exemplo, para ela se sentir segura de conversar.Thaís Melchior, atriz, apresentadora e madrasta de Maria.
Maria, hoje com 12 anos, na época em que o namoro começou tinha apenas 6. A guarda compartilhada entre os pais sempre tornou o convívio de madrasta e enteada rotineiro. "Era impossível separar. No início tem um grande desafio, de cada um entender o seu espaço e, em paralelo, se entender como família. Leva um tempo para as coisas se ajustarem. O segredo é paciência, disponibilidade, diálogo, escuta".
Hoje, Melchior - casada com o pai de Maria - participa até das reuniões de escola da pequena, com o aval da mãe. "Sempre me dei muito bem com a mãe da Maria, mas teve um momento que senti necessidade de realmente marcar uma conversa. A gente foi tomar um café para se conhecer melhor e se ouvir E foi conversado sobre isso, porque eu acabo participando muito da educação e, para mim, importa saber quem são as professoras, o que ela está estudando, como que é a rotina dela, qual o posicionamento da escola, qual o pensamento das professoras", detalha.
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Quero receberAmbas questionaram: por que não participar? A ideia parecia fazer sentido inclusive para Maria se sentir ainda mais amada e cuidada - e foi levada a ela, que concordou. "Ela sabe que tem mais uma pessoa que pode contar, que entende da vida dela. Quando está contando uma história em casa sobre a professora tal, eu sei quem é. Acho que é uma sensação de pertencimento, para mim e para ela", diz a madrasta.
E não para por aí. Quando o pai viaja a trabalho, se for a semana do casal ficar com a Maria, e Thaís não tiver um compromisso de trabalho, a enteada fica com a madrasta. A preocupação com a criança é genuína, não só pela relação construída, mas também porque a menina já está acostumada a uma rotina, ao quarto dela na casa do pai e da madrasta, assim como na casa da mãe. É tudo em benefício da criança.
Quando questionada se tem medo do que pode acontecer no futuro, caso sua relação com o pai de Maria não dê certo, Thaís responde: "É um vínculo muito forte. É um laço muito importante, muito simbólico, e cheio de sentimentos mesmo. É uma relação construída, e depois que essa relação é construída, não é justo que ela se perca. Eu falo pra que eu sou a madrasta dela para sempre."
Mãe e madrasta, nunca versus
Para Thaís Pacholek, apresentadora ao lado de Melchior, obviamente é difícil imaginar uma madrasta para seu filho, já que é casada com o pai dele. "Nunca pensei sobre, mas a primeira coisa que me veio é que seja alguém que tenha amor e respeito pelo meu filho. Uma pessoa aberta e consciente sobre o trabalho que existe numa criança, do amor que existe envolvido numa criança, do quão importante é uma criança e o quão importante é qualquer atitude do adulto com relação àquela criança", diz.
As duas Thaís já se conheciam antes do videocast, mas foi numa festa de aniversário de Pacholek que a ideia de chamar Melchior nasceu. Exatamente porque o intuito era falar de maternidade - e trazer o contraponto da madrastidade parecia atual e necessário. "E eu sempre falo; as madrastas não têm voz e não têm vez, então venho com o principal objetivo de dar voz, de ser colo, de ser acolhimento para uma outra madrasta", conta Melchior.
Para Pacholek, o maior desafio da maternidade é educar. "Não tem regra, receita, segurança, certeza de que aquilo que você tá fazendo vai dar certo. O mundo está muito doido, e eu acredito muito que a transformação do mundo está nas crianças".
Para Melchior, o maior desafio da madrastidade é a sociedade. "É hipócrita. E eu super entendo, porque antes de ter informação, pensava igual. Comecei como a única madrasta na reunião escolar, porque estava muito segura do que eu queria. E, olha que legal, agora tem um padrasto! Então, é isso. Eu conseguindo furar essa bolha, mostrar um outro cenário, uma outra possibilidade, eu já estou tão feliz."
Para terminar a entrevista, fizemos a pergunta que, inevitavelmente, Thaís (a madrasta) escuta da tal sociedade. Ela quer ter filhos um dia? "Eu ainda não sei. Decidi que eu vou congelar. Mas em relação à maternidade, o meu reloginho ainda não despertou". Não que precise ser mãe para ser uma madrasta. "Ser madrasta não é treino para ser mãe e vice-versa. Mas hoje me sinto mais preparada para responder essa pergunta, porque sei que não tem problema nenhum", desabafa.
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