'Pai' do Tinder? Em 1965, serviço por computador já fazia 'match' de casais
Colaboração para Universa
07/11/2024 05h30
Antes de Tinder e companhia, havia Operation Match. Nascido em um dormitório da Universidade Harvard em 1965, este foi o primeiro serviço de namoro computadorizado dos EUA — e só perdeu em ineditismo para o Com-Pat britânico criado em 1964.
Bem na porta do quarto dos alunos, uma frase recepcionava os interessados: "O seu negócio é o nosso prazer. O seu prazer é o nosso negócio". E, apesar da apresentação ousada, ele se propunha menos ao sexo casual e encontro de "contatinhos" e mais a ajudar homens a conhecerem mulheres de forma mais espontânea para os padrões da época.
É preciso levar em consideração que, nos anos 60, boa parte da estrutura social de Harvard ainda era exclusivamente masculina. Até 1946, apenas homens podiam ser alunos da instituição e, desde então, mulheres — que estudavam na vizinha Radcliffe College, uma instituição exclusivamente feminina — passaram a assistir às aulas também, mas não moravam no campus ou participavam de atividades extracurriculares ali.
As duas instituições só firmaram um acordo de fusão em 1969 e o processo começou apenas em 1977. Ou seja, para os rapazes de Harvard, a única chance de conhecer as meninas de Radcliffe era nos eventos sociais promovidos para este fim pelas duas instituições, que costumavam ser formais e monótonos, segundo reportagem da CNN americana.
Daí a ideia de dois alunos: Jeff Tarr e Vaughan Morrill, depois de beberem uns drinques em uma noite, se inspiraram a testar a teoria de ver se um computador poderia arrumar um "date" para eles. Para auxiliar as máquinas na busca pelo parceiro ideal, a dupla concebeu um questionário com 75 perguntas que cobria hobbies, formação, aparência física, raça e preferências em relação ao sexo — o que era bastante escandaloso para 1965.
Cada pergunta deveria ser respondida duas vezes: uma vez descrevendo a si mesmo e outra tentando descrever o seu "date" dos sonhos. O conteúdo das perguntas — que você pode conferir neste link — era bem alinhado com os desejos de jovens na faculdade e também com a época, questionando se o usuário aceitaria um date com uma jovem que não tinha o mesmo tempo de estudos superiores que ele ou que não partilhasse da mesma religião, além de propor reações a situações fictícias.
Modernidade, como nas questões sobre se experimentação do sexo antes do casamento era mesmo parte do desenvolvimento do jovem, e uma atitude mais conservadora em relação ao número de parceiros andavam de mãos dadas, já que o Operation Match foi um sintoma e também um veículo de mudanças na forma de namorar em uma época em que a revolução sexual ainda estava no início, mas as mulheres já começavam a ter acesso à pílula anticoncepcional.
Tecnologia poderia criar amor à primeira vista?
Em vez do celular em mãos, Tarr e Morrill tinham a seu dispor uma "máquina da IBM" — um enorme computador modelo IBM 1401 que ocupava uma sala inteira e que eles levantaram fundos para alugar após juntarem forças com Douglas Ginsburg, então estudante da Universidade Cornell e parceiro na fundação da empresa que ficou conhecida como Compatibility Reasearch, Inc., segundo reportagem do jornal universitário Harvard Crimson, de 1965.
O trio cobrava uma taxa de US$ 3 pelos seus serviços e, após seis meses do lançamento, cerca de 90 mil questionários já haviam sido preenchidos. No total, mais de 100 mil pessoas usaram o Operation Match, estima o The Wall Street Journal. As respostas eram então convertidas em cartões, que recebiam "furos", como uma espécie de gabarito lido hoje digitalmente por estudantes após provas de vestibulares.
Cabia ao computador então calcular a compatibilidade entre cartões, pareando os estudantes com quem tivesse respostas mais parecidas. Depois do processo, os participantes recebiam os nomes e telefones de cinco potenciais "matches" — e o contato ficava por conta deles.
Ainda hoje, Tarr garante que o sistema rendeu muitas histórias de amor de sucesso, o que é discutível visto que logo deixou de operar, mas certamente criou uma indústria: depois dele vieram o Dateline, nos anos 70 e 80, o Match.com em 1995, Grindr nos anos 2000, e dali em diante OkCupid, Tinder, Hinge, Bumble, Happn e outros.
De acordo com o Federal Reserve Banks, o número de casados nos EUA que se conheceram online já passa dos 50% desde 2017. E tudo começou com o Operation Match. Apesar de Tarr ter encontrado amor apenas anos depois e à moda antiga, em um encontro às cegas, sua esposa — autora de um livro recém-lançado sobre o projeto — chegou a sair com um homem que o Operation Match indicou para ela.
Ironicamente, o "date" foi tão ruim que o cara teria dito a ela que "gostaria de matar Jeff Tarr". Ainda bem, a história deles teve final feliz, ainda que sem a ajuda da tecnologia.