Na força do ódio: por que tanta gente sente tesão quando está com raiva?

Pode parecer contraditória e um tanto estranha, mas trata-se de uma situação normal e corriqueira. Emoções conflitantes são comuns em qualquer tipo de relação e sentir tesão quando se está com raiva é um deles. Há parceiros, ou pelo menos um deles, que sentem muito tesão durante um bate-boca sem entender bem o motivo.

O desejo surge nessas circunstâncias porque tais discussões, inconscientemente, levam o casal a pensar que podem se separar. Portanto, o sexo intenso é uma forma de mostrar o domínio da situação, reafirmando que os laços afetivos entre ambos ainda existem.

O chamado "hate fucking" acontece até mesmo com casais que se dão bem e que na maioria das vezes demonstram equilíbrio na relação, não necessariamente apenas entre aqueles que brigam constantemente e alternam beijos e farpas.

O poder da raiva no sexo

Muitas pessoas acabam conseguindo demonstrar melhor o que sentem quando estão com raiva do que quando estão tranquilas. É por isso que o sexo, nessas condições, torna-se mais intenso e com mais envolvimento. Há quem diga que o orgasmo, inclusive, é mais arrebatador.

Fazer sexo para expressar sentimentos —ódio, tristeza, frustração, alegria ou amor, tanto faz— é apenas uma maneira de se conectar com o outro. Aliás, a briga também é uma forma poderosa de conexão entre os que se amam ou que se odeiam... Assim, o sexo, quando aparece numa relação de ódio, também é isso: uma maneira de se conectar com a emoção alheia. E esse sentimento pode ser frustração, desapontamento ou tristeza com o par.

Faz sentido?

Existem explicações científicas para esse mecanismo tão paradoxal. A visão do outro, do seu corpo, de seus gestos e de sua postura influenciam a sexualidade e estimulam a liberação de várias substâncias químicas —os hormônios— a partir do comando cerebral. Adrenalina, serotonina, dopamina e testosterona costumam influenciar na geração do tesão.

Entretanto, essa resposta biológica independe do fato de a pessoa ser bacana ou não, se desperta amor ou ódio. É relativamente comum que as pessoas se sintam atraídas por aquelas com quem elas sabem que são incompatíveis ou odeiam, já que a atração sexual não tem um componente predominante racional ou consciente.

Continua após a publicidade

A intensidade do sexo nessas situações reflete, também, o medo de perder a intimidade em um relacionamento, porém, fornece a base para o par se reunir e reconectar após uma discussão intensa. Os níveis de dopamina, substância cerebral ligada diretamente ao prazer, têm papel fundamental neste jogo, especialmente nos altos picos de ocitocina —conhecido como "hormônio do amor ou da confiança"— atingidos durante o orgasmo.

A ocitocina é uma das responsáveis por criar e manter circuitos neuronais no cérebro que propiciam uma conexão íntima e profunda no casal. O gozo pode ter alta ou baixa intensidade, porém, como a fisiologia do ódio é muito semelhante à do estresse e esta, por sua vez, tem similaridades com a explosão de tesão, grandes brigas com ódio podem render orgasmos memoráveis para o casal.

Prática pode se tornar viciante

No entanto, se o casal repete esta "estratégia" por diversas vezes, ela vai se tornando um ciclo de dependência de altas doses de dopamina, de prazer no ódio e na briga, e se torna um tipo de "gambiarra" para problemas maiores de intimidade.

A resolução sexual intensa acontece de imediato, mas os fragmentos de raiva, frustração, tristeza e mágoas podem minar a relação lentamente, no decorrer do tempo. Cria-se a ilusão de que o sexo pode resolver problemas de relacionamento, mas isso apenas leva a mais insatisfação e desapontamento.

Embora tenha um resultado gostoso, a atitude de transar com raiva para vivenciar o sexo de modo mais vibrante pode se tornar um hábito nocivo, principalmente se o casal encontra nas brigas a única forma de prazer e isso passa a fazer parte de sua dinâmica. Há o risco de se desequilibrarem emocionalmente e se afastarem. O tesão deve estar presentes em outras formas da vida a dois e não surgir apenas em momentos de discussão. Se isso acontece, é preciso ajuda psicoterápica.

Continua após a publicidade

Outro perigo é a busca por prazer ultrapassar limites saudáveis e as pessoas necessitarem de níveis cada vez mais elevados de agressividade, culminando em agressão física. Os níveis de adrenalina envolvidos no "hate fucking" podem ser muito mais altos do que no sexo comum e fazem com que as pessoas se sintam desinibidas, liberadas e vivas para realizar proezas duvidosas.

Além disso, homens e mulheres com problemas de baixa autoestima e sensação de abandono podem usar o "hate funcking" para sentir uma sensação de poder e de domínio no curto prazo. O tesão no ódio não deixa de ser um tipo de catalisador para alívio de sentimentos dolorosos pouco elaborados. Uma psicoterapia individual ou para o casal pode ser indicada na tentativa de avaliar as profundezas do relacionamento e das histórias de vida de cada um e buscar o reequilíbrio dessa energia sexual gerada em brigas ou no ódio pelo outro.

Fontes: Cibele Fabichak, fisiologista e autora do livro "Sexo, Amor, Endorfinas e Bobagens" (Matrix Editora); Joselene L. Alvim, psicóloga clínica especialista em Neuropsicologia pelo setor de Neurologia do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo); e Rejane Sbrissa, psicóloga clínica

*Com matéria publicada em 09/04/2018

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.