Desafios de tentante: 'Tive vergonha, não contava de fertilizações'

Por um bom tempo, Karine Asth escondia que tinha passado por Fertilização In Vitro (FIV). "Eu não contava para ninguém que meus filhos foram de tratamento, só as pessoas mais próximas sabiam. Quando está acontecendo, geralmente as pessoas não falam, têm vergonha, como aconteceu comigo. Hoje sei que é um processo que muita gente passa", conta.

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Por ser uma experiência muito íntima, individual e com possibilidades de frustração, os receios e tensões acabam gerando silêncio das tentantes. Mas, depois de digerir sua história, Karine entendeu a importância de compartilhar sua vivência com outras mulheres no mesmo momento, além de querer tornar essa realidade mais compreensível para quem nem faz ideia do quão complexo é vivê-la.

Agora, ela não só fala sobre, como também escreve: é autora do livro "Dentro do nosso silêncio", vencedor do Prêmio Jabuti 2023, inspirado em sua trajetória de dois anos e meio de tentativas frustradas para engravidar. Por mais que o casal do romance não seja ela e o marido, Karine emprestou suas frustrações para a personagem principal.

Sabia exatamente o dia que menstruava. Quando dava 4h65 da manhã, meu corpo já despertava. Aí, ia no banheiro e não tinha nada. Passava o dia todo e não vinha. Sentia aquela coisa de achar que tinha conseguido engravidar. Depois, ia no banheiro e estava lá. Tinha menstruado. Era terrível. Choro, tristeza.Karine Asth, mãe, escritora

Há mesmo um limite de tentativas?

Acho tão difícil responder. Porque quando você pensa qual vai ser a recompensa, vê que é o maior sonho de quem quer, sabe? Ao mesmo tempo, acho que todo mundo tem um limite, e ele é diferente para cada um, para cada sonho, cada história.Karine Asth, mãe, escritora

Segundo Karine, o mais difícil é lidar com os impactos de ver outras mulheres engravidando enquanto você está tentando. "Eu pensava por que ela conseguiu e eu não?"

É preciso também lidar com as perguntas de familiares e amigos. Mesmo que não saibam das tentativas ou do tratamento, faz parte do inconsciente coletivo ver um casal e perguntar "quando vão ter filhos?", e pode ser dolorido responder.

Cheguei a falar que a gente estava querendo, mas que ia acontecer quando tivesse que acontecer. Mas o tempo ia passando e nada. Comecei a mudar meu discurso para: 'a gente está querendo viajar um pouco mais, querendo curtir um pouco o casamento'. Tinha medo que as pessoas sentissem pena de mim.Karine Asth, mãe e escritora

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E não para por aí. É preciso ainda refazer acordos entre o casal. Se antes os planos eram ter uma família, talvez agora seja apenas sobre tentar - e lidar com o que vier. Ou, de repente, não tentar mais.

Quem sabe entender que basta um filho? Ou que pode ser outro o caminho para a parentalidade, como a adoção. "Você tem que estar com um relacionamento muito fortalecido para passar por isso, debater, pensar nas possibilidades. Se você está em um relacionamento frágil, vai ser difícil aguentar", analisa Karine.

A Ana e o Samuel, o casal protagonista do livro - diferentemente de Karine e do marido - acabaram não encontrando um caminho saudável para lidar com as tentativas.

"Chega uma hora que ela fala para o marido: 'isso está maior que o nosso casamento. Nós passamos a ser apenas um casal que está tentando'". O final fica em aberto, propositalmente, mas esse é o ponto em que muitos casais chegam.

E Karine, inteligentemente, quis tocar em algo necessário. Podemos tentar quantas vezes aguentarmos, mas a gravidez não é uma certeza - e é preciso aceitar isso em algum momento.

Relato pessoal

Antes de engravidar pela primeira vez, Karine fez indução hormonal para estimular a ovulação, mas não deu certo.

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Karine e seus filhos, frutos de FIV: ela emprestou suas frustrações durante o tratamento para a personagem Ana, do seu livro
Karine e seus filhos, frutos de FIV: ela emprestou suas frustrações durante o tratamento para a personagem Ana, do seu livro Imagem: Arquivo Pessoal

Seu próximo passo foi tentar a FIV. Já no início do processo de fertilização, prometeu para si mesma que só passaria pelo procedimento duas vezes, por saber que é longo, caro e desgastante. Mas ela nem precisou, já engravidou na primeira tentativa, aos 31 anos. "Tinha conseguido três embriões: dois bons e um mais ou menos, implementei os três e um teve sucesso".

Depois, aos 35 anos, foi para uma nova tentativa de fertilizações, mas encarou mais desconfortos dessa vez. Karen fazia terapia desde a primeira gravidez, mas na segunda gestação tinha a informação de que possuía baixa reserva de óvulos, o que já gerou ansiedade.

Além disso, passou por dez dias de enxaqueca enquanto tomava as injeções de hormônios, querendo chorar por tudo, com sentimento de angústia enorme. Mas conseguiu dois embriões. "Não queria colocar os dois com medo de gêmeos. Falei com o meu marido que tentaríamos um de cada vez e que, se não conseguíssemos, era porque era para gente ter filho único mesmo", lembra.

Deu certo no segundo embrião, mas não sem marcas. "Fiquei muito traumatizada nesse segundo processo", diz.

Crenças, emoções e relacionamento na UTI

A gravidez da segunda filha foi tranquila, mas assim que a caçula nasceu foi para a UTI.

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Karine Asth ganhou o Prêmio Jabuti no seu romance de estreia, contando sobre a jornada de tratamento para engravidar
Karine Asth ganhou o Prêmio Jabuti no seu romance de estreia, contando sobre a jornada de tratamento para engravidar Imagem: Celso Koyama

A pequena nasceu com anemia grave, devidamente monitorada durante a gestação, mas que foi piorando e causou o nascimento prematuro, de 34 semanas, e dez dias na unidade de tratamento intensivo. "Ela teve que fazer uma transfusão sanguínea no dia que nasceu, tirar todo o sangue do corpo e botar um novo, um procedimento bem arriscado. Ela podia morrer durante o procedimento", detalha a escritora.

A angústia existiu, pois mesmo com o sucesso no procedimento, existiam riscos de sequelas. "Passamos alguns meses tensos. Havia a possibilidade dela ficar surda, por exemplo", explica Karine. Mas o tempo passou, o tratamento foi seguido a risca e hoje Júlia tem um ano e meio e está com a saúde ótima.

Matheus, o mais velho, tem oito anos e também está se desenvolvendo muito bem. Karine afirma que foi como tinha que ser: "Sei de pessoas que fizeram oito ou nove FIV's, e fico pensando que se eu tivesse feito oito ou nove FIVs, ia ficar louca", reflete.

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