Última 'bruxa' condenada à morte na Inglaterra pode ter escapado em 1685
Quase 60 mil mulheres foram executadas na Europa nos séculos 17 e 18 por serem "bruxas" — de centenas de milhares que chegaram a ser julgadas. Mas a última bruxa da Inglaterra pode ter escapado da forca, apontou uma nova pesquisa da Universidade de Southampton.
Alice Molland foi condenada à morte em 1685 e, até então, pensava-se que realmente teria sido executada. Uma placa instalada em 1996 no Castelo de Exeter, em Devon, sudoeste inglês, marca o local de sua condenação e indica que a "bruxa" foi morta em praça pública na vila histórica de Heavitree, local famoso pela execução, três anos antes, das três bruxas de Bideford.
Mas depois de uma década à caça de arquivos que comprovassem seu encontro com o carrasco, o professor de História Moderna de Southampton, Mark Stoyle, acredita que ela morreu oito anos depois, em 1693, livre e sob o nome de Avis Molland. A conclusão foi publicada em um artigo no periódico The Historian em 31 de outubro — ironicamente, o Halloween (dia das bruxas).
Os crimes da bruxa Molland
Alice Molland foi condenada por "bruxaria nos corpos de Joane Snell, Wilmott Snell e Agnes Furze" em março de 1685, segundo registro do tribunal descoberto em 1891. Mas até então sua existência era um mistério para historiadores, já que a única prova até então de que ela havia existido era justamente sua sentença, com o símbolo de uma roda anotado e a palavra "susp[enditur]" — a forca.
Até que, em 2013, o professor Stoyle se deparou com uma referência a uma mulher chamada Avis Molland — um sobrenome incomum em Exeter — em arquivos da cidade que mencionam que ela foi presa três meses depois que a tal "Alice" foi condenada. Desde então, o pesquisador suspeitava que o escrevente do tribunal pudesse ter ouvido mal o nome de Avis e anotado seu nome erroneamente na sentença — e, agora, ele conseguiu reconstituir sua vida
Registros da corte do século 17 eram escritos em latim e, nesta forma, teria sido necessário apenas um único traço errado do escrevente do tribunal para transformar 'Avicia' (Avis) em 'Alicia' (Alice).
— Explicou Mark Stoyle à rede britânica BBC.
Avis Molland nasceu como Avis Macey em uma família pobre. Após o casamento, adotou o sobrenome do marido, um carpinteiro também pouco abastado. Juntos, em 1667, eles foram presos por incitarem uma criança a roubar tabaco, mas a queixa logo foi retirada. Ela teve três filhas, mas todas acabaram morrendo na infância.
Em junho de 1865, a já viúva Avis Molland reaparece em documentos da Justiça como informante sobre uma possível revolta, em uma época em que o duque de Monmouth tramava uma rebelião contra o rei, sabe-se hoje. Ela deu um depoimento e entregou o nome de detento rebelde em uma prisão de Exeter, o que sugere que ela também esteve presa em um passado recente — tudo isso três meses depois do julgamento de "Alice".
Stoyle acredita que, conforme a prisão foi se enchendo de insurgentes, Avis pode ter sido liberada. Oito anos depois, ela foi enterrada no cemitério da igreja de São Davi, próxima hoje à estação de trem da cidade.
Avis seria mesmo Alice Molland?
Apesar das múltiplas evidências que podem apontar nesta direção, Stoyle não conseguiu até então provar que Avis era Alice — já que ela seria "uma agulha no palheiro historiográfico". Mesmo assim, o pesquisador acredita que a dedo-duro dos rebeldes era a candidata ideal para ser acusada de bruxaria: mulher, mais velha, pobre e sem marido.
"[As bruxas] eram, esmagadoramente, mulheres mais pobres que não tinham ninguém para protegê-las. Às vezes, eram mais francas ou tinham brigas com vizinhos", relatou à rede americana CNN. Além disso, aquelas com alguma deficiência física ou cognitiva também acabavam vítimas dos preconceitos da população — misoginia, etarismo, capacitismo — e, portanto, alvo fácil das acusações.
Newsletter
HORÓSCOPO
Todo domingo, direto no seu email, as previsões da semana inteira para o seu signo.
Quero receberAo menos 500 "bruxas" foram executadas na Inglaterra entre 1542 e 1735, quando se tornou crime acusar alguém de bruxaria. Estes números são oficiais, segundo o governo britânico, mas historiadores acreditam que o número real pode chegar ao dobro. A Escócia, por sua vez, matou cerca de 2.500 bruxas.
Apesar de os julgamentos de bruxaria terem acontecido em toda a Europa, nos EUA e chegado até ao Brasil colônia, o fenômeno inglês tem suas particularidades: leis foram originalmente elaboradas por "paranoia" de que católicos tentassem usar bruxaria para matar Henrique 8º, o rei que expulsou a Igreja de Roma da Inglaterra, e sua filha Elizabeth 1ª. "É irônico que uma lei criada contra padres católicos tenha sido usada contra mulheres comuns nas províncias", afirmou o pesquisador ainda à rede.
Essex executou 82 "bruxas", mais do que qualquer outra região da Inglaterra. O inspetor de polícia aposentado, John Worland, contou à CNN que passou 18 anos levantando detalhes sobre as vítimas. "[As queixas] eram quase sempre baseadas em brigas de vizinhos", relatou o ex-policial de Essex. PAra ele, "não devemos esquecer as histórias" dessas mulheres — ele já fez campanhas bem-sucedidas para a criação de memoriais para as executadas em Colchester e Chelmsford.
Judy Molland, filha de um antigo cônego da Catedral de Exeter, que soube da existência da mulher conhecida como Alice Molland nos anos 70 e chocou o pai com a sugestão de que pudessem ser parentes distantes, não acredita na descoberta do professor Mark Stoyle. Nos anos 90, ela passou dois verões pesquisando a vida da última bruxa da Inglaterra e acabou financiando a instalação da placa no castelo em 1996.
"Eu descobri coisas fascinantes, mas nunca o nome [de solteira] dela. Estou completamente convencida de que houve uma Alice. E se não fosse a Alice, teria sido alguma outra mulher acusada de bruxaria. Esta é a questão", comentou à rede americana. Caso se confirme que Avis e Alice foram a mesma mulher, as últimas bruxas executadas no país seriam Temperance Lloyd, Susannah Edwards e Mary Trembles, as bruxas de Bideford mortas em 1682.
Deixe seu comentário