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'Em país homofóbico, dupla maternidade é ato de coragem', dizem mães do Ben

Beatriz Zogaib

18/11/2024 05h30

"Somos as mamães do Ben, vivemos a dupla maternidade. Sou a Luana, tenho 40 anos, sou professora e psicóloga, minha esposa é a Carina, tem 36 anos, e também é professora".

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Há muito amor materno envolvido, multiplicado. A dupla maternidade é o nome que se dá quando duas mulheres são responsáveis legais de uma criança na condição de mães - uma jornada repleta de sonhos e desafios. Uma engravida, a outra pode doar o óvulo. Podem também adotar. Uma ou as duas podem amamentar (sim, há estímulos adequados para mulheres que não gestam poderem dar o peito).

Ben é nosso primeiro filho, está com três meses de vida. É a concretização de um sonho que iniciou assim que nos conhecemos. Nossa meta de vida era constituir uma família, mas sendo um casal homossexual sabíamos dos desafios que enfrentaríamos.Luana, 40 anos, uma das mães de Ben

Segundo Luana, ela e sua companheira estavam dispostas e felizes com a decisão, o suficiente para começarem as buscas por clínicas de reprodução assistida, e no começo tudo correu bem. "Saímos da primeira consulta com um planejamento familiar organizado em nossas mentes e o tratamento de fertilização alinhado, nos sentimos muito acolhidas e seguras", conta.

Mas o processo de fertilização requer resiliência, pois o caminho trilhado é desconhecido e cheio de incertezas. Por isso a importância de encontrar uma equipe médica que transborde empatia e confiança. Mesmo assim, há obstáculos. O primeiro deles, algumas vezes, é a frustração.

"Na primeira tentativa não obtivemos sucesso, não conseguimos embriões aptos para transferência. Foi preciso nos reorganizarmos emocionalmente para a próxima. A segunda nos deixou mais inseguras e ansiosas, mas em nenhum momento perdemos a esperança", detalha Luana.

A alegria surgiu quando o tão sonhado embrião, apto para transferência, deu certo, mas era preciso esperar a natureza agir. A ansiedade, ao contrário do que se pode supor, não diminuía, e sim aumentava - inclusive em cada fase que as coisas davam certo. Mas a transferência do embrião para o útero foi finalmente realizada e, após 15 dias, veio o positivo: Luana e Carina seriam mães de um menino. Ben nasceu em maio de 2024, saudável, cheio de vida - e dobrinhas.

O nascimento dele é a certeza de que o amor é capaz de vencer muitas barreiras. Em um país extremamente homofóbico, viver a dupla maternidade é um ato de coragem. Nos alegramos em poder contribuir com um mundo novo, cheio de amor e possibilidades, mostrando que a maternidade e paternidade é plural e diversa.Luana, 40 anos, uma das mães de Ben

O tratamento requer diálogo

Dia 29 de agosto foi o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, data que ajuda a lembrar que a sociedade está em constante mudança - e que o conceito de família também. Apesar da grande quantidade de preconceito que ainda nos envolve, é inspirador ver cada vez mais famílias não convencionais conquistando seus direitos.

Até a gestação pode ser compartilhada Imagem: iStock

"A reprodução assistida de casais homoafetivos é legal no Brasil desde 2015, graças a uma resolução do Conselho Federal de Medicina. E, devido à burocracia no processo de adoção, a busca desse público por clínicas de reprodução humana tem aumentado muito nos últimos anos", explica Rodrigo Rosa, especialista em reprodução humana, diretor clínico da Clínica Mater Prime, em São Paulo.

O médico foi quem acompanhou as mães de Ben durante todo o tratamento e lembra que, apesar dessa realidade estar se tornando mais comum, a discussão sobre fertilidade em casais homoafetivos ainda é cercada de tabus e informações incorretas. Segundo ele, é importante diferenciar o que acontece quando são dois homens ou duas mulheres.

No caso de casais homoafetivos do sexo feminino, o processo de reprodução assistida é mais simples do que o de casais masculinos, visto que é apenas necessária a doação do sêmen, que, assim como a doação do óvulo, é feita de forma anônima por meio de bancos do material.Rodrigo Rosa, especialista em reprodução humana, diretor clínico da Clínica Mater Prime, em São Paulo.

Com o sêmen, o casal pode optar por dois métodos: a Fertilização In Vitro (FIV) ou a Inseminação Intrauterina (IU). "Na FIV, o óvulo é fecundado em laboratório e inserido no interior do útero de uma das integrantes do casal, que vai gestar a criança. Após cerca de 15 dias já é possível verificar o sucesso do procedimento", diz o especialista.

Além disso, o casal homoafetivo feminino que optar pela fertilização in vitro ainda pode realizar uma gestação compartilhada, processo no qual uma das mulheres cede o óvulo enquanto a outra é a responsável por gestar o bebê.

A outra opção é a inseminação intrauterina, popularmente conhecida como inseminação artificial. "O procedimento consiste, basicamente, na inserção do espermatozoide doado na cavidade do útero durante o período de ovulação da mulher para que a fecundação ocorra naturalmente, sendo que, em alguns casos, é necessário que a ovulação seja previamente estimulada por meio de tratamento medicamentoso."

Preconceitos existem, opções também, assim como os medos comuns nesse trajeto - vencidos com a coragem que Luana comentou. Para alguns casais, outros caminhos podem funcionar melhor, e está tudo bem também. Afinal, é importante salientar que a decisão pela reprodução assistida e a escolha do procedimento cabem apenas ao casal, que deve alinhar desejos e expectativas e, por fim, conversar abertamente com um especialista. "Elas devem discutir profundamente todas as questões que envolvem o tratamento com o médico", finaliza Rodrigo Rosa.

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