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'Paraíso' dentro e fora de casa: por que Finlândia é adorada pelas mulheres

Jane já está em sua terceira "passagem" pela Finlândia; ela destaca que viver no país mudou sua visão sobre família Imagem: Arquivo Pessoal

de Universa, em São Paulo

21/11/2024 05h30

A Finlândia foi eleita o segundo país com mais igualdade entre homens e mulheres, segundo o "Relatório Global de Desigualdade de Gênero" produzido pelo Fórum Econômico Mundial, que leva em conta a inclusão e o respeito à diversidade.

Universa conversou com mulheres que vivem no país para entender alguns dos motivos que fizeram dele um "paraíso feminino", atrás apenas da Islândia quando o assunto é equilíbrio entre os gêneros.

Apesar de ainda apontar defeitos, elas destacam a forte participação dos homens na criação dos filhos e a aceitação das mulheres no mercado de trabalho. Hoje, 49% dos postos são ocupados por elas, segundo o próprio governo.

O ranking do FOM leva em conta a igualdade entre homens e mulheres em quatro critérios: oportunidades econômicas, educação, saúde e liderança política.

A partir disso, foi criada uma pontuação que vai de 0 a 1, da menor a maior nota. A Finlândia tem "nota" 0,875. A líder Islândia, 0,935.

"Na Finlândia, minha posição dentro da família mudou"

A designer brasileira Jane Vita, 45, está em sua terceira "temporada" na Finlândia. Natural de Curitiba, ela se mudou pela 1ª vez em 2008 para acompanhar o então marido, transferido para uma empresa de lá.

Segundo ela, a vida no país mudou completamente sua visão do papel da mulher na família, o que influenciou, inclusive, a decisão de terminar o primeiro casamento.

Ainda no Brasil, Jane já convivia com líderes femininas no trabalho, mas acabou colocando a carreira em segundo plano para seguir o ex, que recebia ofertas de trabalho cada vez melhores.

Ao conviver com a cultura finlandesa, ela passou a valorizar mais a própria trajetória e, no segundo casamento, os papéis até se inverteram.

Jane destaca que vida como imigrante não é perfeita, mas acesso a educação e saúde é fácil Imagem: Arquivo Pessoal

A minha posição como mulher dentro da família mudou. Antes, eu seguia meu ex-marido por onde ele fosse, a gente se mudou para quatro lugares em 3 anos e eu pensava: 'ele conseguindo um bom emprego, eu me viro'. Vir pra Finlândia mudou minha cabeça totalmente. Acho que até por isso acabei me divorciando. Meu marido atual me apoia muito nisso.
Jane Vita, designer

Depois de se separar, Jane ficou na Finlândia, enquanto o ex, pai de sua filha, voltou ao Brasil. Ela conta que, apesar de ter migrado por causa do companheiro, não enfrentou dificuldades para se manter sozinha.

A designer voltou à terra natal em 2010, apenas por ter recebido uma oferta de trabalho em Manaus, e ficou por aqui até 2012, quando ela e o segundo marido - também brasileiro - decidiram ir para o país nórdico.

No processo para organizar a mudança, uma novidade mudou a história da família: Jane engravidou do segundo filho, um menino. Mas isso não interrompeu os planos da designer, que teve apoio para seguir com um mestrado no país europeu.

"Eu estudei com um bebê. Logo que o meu filho pôde ir para a creche, foi o governo que pagou, e recebi um auxílio de 100 euros por mês, que existe independentemente da sua renda. Terminei minha tese já trabalhando, e isso com criança pequena."

Em outro depoimento à Universa, a economista finlandesa Heidi Virta, 46, também destaca a facilidade para estudar como um dos pontos altos de viver na Finlândia - no caso dela, sem os desafios do imigração.

"Você pode trabalhar um pouco, mas eu tive um pequeno salário de estudante e apoio para manter um apartamento. Mas ainda não é perfeito (para as mulheres), precisamos de exemplos e incentivos."

A finlandesa Heidi Virta mora no Brasil há três anos Imagem: Arquivo Pessoal

Licença 50/50: cultura finlandesa exalta criação compartilhada

Na Finlândia, todos os bebês — independentemente de onde nascem e da renda da família - têm direito a um kit completo de cama e banho.

Além disso, os pais tem um total de 320 dias úteis de licença após o nascimento, que podem ser divididos meio a meio ou com um cedendo alguns dias para o outro, segundo a Comissão Europeia. Jane conta que muitos homens na Finlândia têm o costume de sair mais tempo do trabalho que as mulheres.

"Aqui, o pai cuida das crianças. Por exemplo: quem vai na reunião de escola? Não é sempre a mãe que vai. Morando em outros lugares, como o Canadá, eu senti que não era assim", afirma a brasileira.

Já Heidi, decidiu por conta própria abrir mão de alguns dias de licença para retomar a vida profissional.

"Eu tenho uma filha de 15 anos. Quando ela nasceu tive a oportunidade de estar com ela 11 meses, mas quis voltar a trabalhar mais cedo. Além disso, quem tem filho recebe um pacote bastante completo com itens pro bebê, e um pequeno benefício em dinheiro", detalhou a finlandesa sobre sua experiência.

Mas como é ser mulher imigrante?

Em sua segunda temporada na Finlândia, Jane e o marido ficaram seis anos no país. Até que, em 2018, ela recebeu uma oferta para trabalhar como designer no Canadá.

Dessa vez, foi o marido que a acompanhou. Apesar de ter liderado a mudança da família, a brasileira conta que enfrentou perguntas desconfortáveis de alguns canadenses - que seriam incomuns na Finlândia, destaca.

"Uma moça chegou pra mim e falou: 'seu marido foi transferido aqui para Vancouver?'. E eu tive que explicar que na verdade fui eu. Foi interessante isso."

Jane tinha um contrato de três anos de trabalho no Canadá. No final, a pandemia da covid-19 começou e a sede de sua empresa pediu que todos os expatriados voltassem para a Finlândia.

A empresa em que a brasileira está hoje, finlandesa, é focada em tecnologias sustentáveis e serviços para a construção civil. Em uma área comumente dominada por homens, eles têm programas de liderança feminina.

Mas, apesar de se sentir compreendida como mulher e profissional, a brasileira não pinta um cenário de conto de fadas: ela admite que seu status como imigrante ainda traz um certo desconforto.

"Tem um pouco de preconceito por não entenderem muito sua cultura, seus estudos. Ninguém sabe onde eu estudei no Brasil, a qualidade do estudo. Com certeza o background de não ser europeu afeta. O imigrante em todo lugar tem que fazer mais."

Jane ainda reflete sobre a realidade da filha mais velha, que já tem 20 anos e viveu boa parte da vida na Finlândia. A brasileira elogia os incentivos do governo aos jovens, afirmando que a primogênita é muito independente.

"Ela nasceu no Brasil, mas fala finlandês, inglês, e mora sozinha. Ela decide, não pergunta. Faz parte da cultura deles. E é engraçado porque o incentivo que eles dão é exatamente pra isso, pra independência. Quando eles fazem 18 anos, podem pedir um auxílio para aluguel, de 450 euros."

O valor do auxílio chega ao máximo quando a pessoa inscrita demonstra estar procurando um trabalho ou estudando - e pode diminuir caso o beneficiário não faça algum dos dois.

Jane elogia o modo igualitário que a Finlândia trata seus cidadãos durante toda a vida, mas destaca um defeito que foi um desafio em sua rotina no país - especialmente em sua primeira passagem por lá.

"Você não vê o Sol direito em uma parte do ano. Acho que não dá pra se acostumar, você aceita. Mas existe qualidade de vida no geral, nada para (por causa do frio)."

E a religião? Como influencia?

Ao comentar sobre como o fator religioso influencia na vida das mulheres na Finlândia, Heidi conta que a maioria da população é luterana, mas isso não afeta, por exemplo, os direitos reprodutivos das finlandesas.

Uma gravidez de até 12 semanas pode ser interrompida sem restrições, em um procedimento geralmente feito em casa. Para isso, é necessário apenas entrar em contato com um ginecologista ou uma clínica de planejamento familiar.

Em gestações mais avançadas, o aborto depende da autorização das autoridades de saúde, mas os papéis necessários para o requerimento também estão acessíveis em clínicas.

O que os finlandeses podem aprender com os latinos?

Ao comentar o que falta para as mulheres na Finlândia, Heidi afirma que, apesar da evolução nas últimas décadas — com uma primeira-ministra entre 2019 e 2023 — a divisão entre os gêneros em cargos de liderança ainda não é 50/50.

À esquerda, a ex-primeira-ministra da Finlândia, Sanna Marin, em encontro com a ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern Imagem: DIEGO OPATOWSKI/AFP

Hoje, a finlandesa é uma das que "luta" contra a estatística: ela é diretora sênior da Business Finland - que intermedia contatos entre empresas do país com negócios na América Latina.

Há três anos em São Paulo, após uma temporada no México, ela opina que os europeus também têm coisas a aprender com os latino-americanos.

"Na Finlândia, o governo garante que todo mundo se sinta integrado no país, mas eu importaria a cultura latina de os parceiros de trabalho virarem amigos, quase como uma família. Aqui tem muita generosidade e muita intimidade entre as pessoas. Nisso a América Latina está muito acima, acho que poderíamos ser a combinação perfeita."

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