Treino em escravizadas: médico controverso é considerado pai da ginecologia

Uma estátua de James Marion Sims, que estava desde 1934 em frente à Faculdade de Medicina de Nova York, foi retirada ao som de comemoração de moradores da cidade em 2018. O considerado 'pai da ginecologia' aperfeiçoava suas técnicas no século 19 em mulheres escravizadas.

O lugar nobre da exposição de sua estátua não era à toa. Em 1845, após o parto de uma escravizada de 17 anos, chamada Anarcha, no Alabama, que durou 72 horas, o médico percebeu que a mãe, por causa da força e do tamanho do feto, ficou com um "rasgo" entre a vagina e a bexiga, causando uma fístula vesicovaginal. O problema fazia com que a urina saísse pela vagina e não pela uretra.

J. M. Sims
J. M. Sims Imagem: Universal History Archive/Universal Images Group via Getty

Com ardor e dores constantes, J. M. Sims, que acompanhou o parto, foi chamado para tratar de Anarcha. Primeiramente, ele se negou. Odiava, como ele mesmo escreveu seus diários, "investigar a pélvis feminina". Mais duas escravizadas com o mesmo problema passaram por sua avaliação, e ele declarou o problema como incurável.

Pesquisa para a branca

Quando uma mulher branca foi até seu consultório pedindo ajuda para o mesmo problema que ele já tinha visto nas escravizadas, a postura de Sims mudou. Ele resolveu estudar e investigar a fundo a doença e testar como resolvê-la, claro, nas mulheres negras.

Ele negociava com os donos das escravizadas e prometia não colocar a vida delas em risco, de acordo com sua autobiografia.

"Fiz esta proposta aos donos dos negros: Se vocês me derem Anarcha e Betsey [uma jovem de 18 anos] para experimentos, concordo em não realizar nenhum experimento ou operação nelas que coloque suas vidas em perigo e não cobrarei um centavo por mantê-las, mas vocês devem pagar seus impostos e vesti-las."

O que poderia ser resolvido com uma simples cirurgia, custou a Anarcha, por exemplo, 30 procedimentos cirúrgicos, enquanto o médico "aperfeiçoava sua técnica" com algo que nunca tinha visto antes.

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Protesto diante da estátua de J. Marion Sims, retirada em 2018
Protesto diante da estátua de J. Marion Sims, retirada em 2018 Imagem: Howard Simmons/NY Daily News Archive via Getty Images

As duas não foram as únicas cobaias vivas do médico, que fazia as cirurgias sem anestesia. Em sua biografia, há relatos de outras 10 mulheres negras e escravizadas que passaram pelo procedimento nas mãos de J. M. Sims.

Foram anos de testes - pelo menos mais do que três, de acordo com registros -, até que ele, de fato, conseguisse fechar a fístula e resolver o problema. E como o resultado positivo era muito impactante na vida das mulheres, ele foi aclamado e chamado de "pai da ginecologia".

Fama abalada

De acordo com um artigo publicado na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, a ética médica de J. M. Sims começou a ser contestada na metade do século 20. Tanto o uso de mulheres negras escravizadas como cobaias quanto a ausência de anestesia durante seus testes - mulheres brancas, veja, eram anestesiadas -, fez com que ele perdesse a admiração de muitos.

Materiais publicados criticavam o fato de J. M. Sims ter ficado rico fazendo uso de "resultado de experimentação antiética com mulheres negras indefesas". Outros chamavam Sims de misógino, frio e calculista.

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