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Acolhendo a gestante em todas as suas vertentes


O que passa na cabeça de quem é barriga solidária? Grávida detalha processo

Gabriela Gavioli, grávida de seis meses de um bebê que não é seu Imagem: Arquivo Pessoal

Beatriz Zogaib

06/12/2024 05h30

A resposta para a pergunta "você está grávida?" é diferente para Gabriela Gavioli, 31. "Estou sim, mas o bebê não é meu", diz. Ex-doula e mãe de dois meninos (Bernardo, 10, e Miguel 8), ela está no sexto mês da sua terceira gestação - não tão sua assim. Gabriela está no processo de barriga solidária, que de um jeito simples, é dizer que ela está gestando o bebê de outra pessoa em sua barriga, já que essa pessoa não pode engravidar.

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Embora a barriga solidária (ou útero de substituição) seja uma opção de reprodução assistida legal, regulamentada pelo Conselho Regional de Medicina (CRM), quase não escutamos falar sobre. Uma pena, pois é uma escolha não apenas permitida, como admirável.

Grabriela conta que há quem perceba a gentileza no gesto de imediato, com reações cheias de afeto, especialmente quando descobrem que a mãe da criança está na fila de adoção, tentou engravidar por 16 anos sem sucesso, e esse bebê era seu último embrião.

Gabriela Gavioli, seus filhos, Miguel e Bernardo, e sua parceira, Thaís Olardi - grande incentivadora dessa gestação Imagem: Arquivo Pessoal

Gabi não está sozinha na empreitada: sua companheira, Thaís Olardi, é a maior apoiadora desde a ideia inicial. "Jamais teria topado se não tivesse ela ao meu lado me incentivando, cuidando e aceitando lidar com uma grávida, mesmo sem querer ter filhos", conta a gestante. Detalhe: Thaís saiu de um quadro recente de burnout. E foi ela que, sem querer, colocou a mãe do bebê na vida da companheira, por meio de outra amiga, que perguntou para Gabi: 'Você engravidaria para outra pessoa?'.

Gabriela não titubeou. "Disse: claro que sim. Sempre falei que seria barriga solidária, desde adolescente", conta. Thais confirma. "Ela já falava pra mim em conversas aleatórias que faria numa boa. E a mãe dela quase foi barriga solidária há uns nove anos."

História da família nem tão convencional

A cumplicidade do casal é daquelas onde uma completa a frase da outra, se chamando pelo apelido e não para por aí. Juntas desde 2019, quando se conheceram atuando como doulas em São Paulo, elas têm uma história fora da caixa. Por conta do burnout de Thaís, mudaram para o Ceará, onde seu irmão está em seminário para ser padre.

Abriram um restaurante como sócias do ex-marido de Gabi, que veio morar com elas. "A Thaís não foi responsável por quebrar uma família tradicional brasileira. Eu já tinha um relacionamento aberto e falei para o pai dos meus filhos que encontrei o amor da minha vida. Ele falou que se fosse o que me faria feliz, ficaria feliz por mim".

O relacionamento delas não é aberto e a dinâmica familiar funciona numa boa com os filhos de Gabi e com os pais do bebê - que participam de muitas coisas. O casal tem até um perfil de Instagram "Das Nenas" onde compartilham não só o novo estilo de vida com liberdade geográfica, como a experiência da barriga solidária.

"A gente queria falar sobre a gestação, que ela fosse acompanhada em tempo real, mas esperei um pouco porque, além de mexer com a gente, mexemos com o sentimento da família da criança. Mas a mãe falou que acha demais eu mostrar tudo, ela quer que mais mulheres tenham acesso a essa possibilidade", conta Gabi.

Entre solidariedade, regras e muita empatia

Gabi curte cada segundo da gestação, que não é só sua dessa vez Imagem: Arquivo Pessoal

A motivação de Gabriela para emprestar sua barriga veio de um conjunto de fatores, entre eles, a experiência como mãe. "Queria gestar e passar pelo parto de novo. E só ia conseguir ter meu sonho realizado se gestasse para outra pessoa, porque jamais seria capaz de engravidar e colocar um filho para adoção. Juntei o útil ao agradável", explica.

Conhecer a jornada da mãe que a procurou foi a gota que transbordou a vontade de carregar um novo bebê. "Você vê o quanto a vida inteira dela foi em relação a ser mãe, sabe? O quanto ela tá esperando isso, quer viver isso, não vê a hora."

Mas, vivenciar uma gravidez que não é só sua tem seus desafios: há um contrato, e combinados que vão surgindo ao longo das semanas. "Algumas coisas são minha obrigação como, por exemplo, passar repelente. Outras que a mãe já sabe que faço, como cuidar da alimentação. E outras que são vontade dela, como eu dormir com o ar condicionado ligado à noite, o que eu não tinha... Ela instalou e paga a diferença da conta de luz", revela Gabi.

A gestante praticava exercício em casa, mas a mãe do bebê fez questão que fosse acompanhada por profissionais de Educação Física, e também arca com isso. A responsabilidade dela é prover o que é necessário para a gestação, mas nunca pagar pela barriga solidária - o que é proibido no Brasil.

A cessão temporária do útero para um bebê gerado por outra pessoa não pode ter qualquer tipo de recompensa financeira. Há outras regras, como a gestante ter pelo menos um filho, autorização do cônjuge, e ter parentesco com um dos pais da criança - o que não é o caso.

Nessa situação, é preciso fazer um pedido ao Conselho Regional de Medicina (CRM), que verifica se a doação não tem caráter comercial. "A gente passou por esse processo, tive que escrever uma carta a próprio punho, falando que eu queria, que eu conhecia a mãe, que eu já tinha filhos, e tive que mandar o RG da Thaís também".

Gabi ajudando a mãe do bebê a acreditar que o sonho está se realizando Imagem: Arquivo Pessoal

Algo que não está em contrato: Gabi dá toda a atenção para a mãe do bebê, se solidarizando não só através do empréstimo do ventre, mas de pequenas atitudes de carinho. Elas se encontram toda semana, seja para uma massagem ou compras de enxoval, viajam juntas, e as famílias interagem o tempo todo. Gabi faz questão de ajudar a nova mamãe a se conectar com o bebê.

Até hoje a gente vai em ultrassom e ela não acredita que é verdade. Não coloca a mão na minha barriga, tem uma certa gastura e respeito para não invadir meu corpo. Tem uma relação sendo construída para além da gestação, sabe? Gabriela Gavioli, mãe de Bernardo, 10, Miguel, 8, e barriga solidária de seis meses

Thaís participa e curte junto cada passo, estará presente no parto, mas continua sem vontade de ter filhos. "Acho que é porque tenho contato direto com grávida, quando acompanho alguns partos. Então, não me bate esse sonho romântico. E agora, com o Bernardo e com o Miguel, sei a responsabilidade de criar uma criança. Eles falam que têm duas mães", diz.

Os seus e os meus, mas não nossos

Os filhos de Gabi, apesar de conversarem com a barriga e terem expectativas de conhecer o bebê, entenderam que não terão um irmãozinho ou irmãzinha - e toparam ganhar um gatinho adotado. Ao contrário de um recém-nascido, que demora anos para brincar, o animalzinho já chegou brincando - e era essa a ideia.

"Conversei com os meninos, perguntando o que achavam se a mamãe tivesse um bebê de outra família na barriga. O Miguel perguntou se não iríamos mesmo poder ficar com a criança. E o Bernardo, que é o mais velho, disse que acharia legal", narra Gabi.

Os meninos tiram todas as dúvidas possíveis com a mãe da criança, perguntando coisas como "por que você não pode ter filho?". E, assim, vão lidando com a realidade, sem problemas. "Não tenho medo deles se apegarem, até porque não consigo sentir que eles têm alguma ligação. Na escola já falam 'minha mãe tá grávida, mas não é meu irmão', mesmo que todo mundo não entenda nada", lembra a gestante.

Um dos desejos deles é ver um ultrassom e o parto: acompanhar o exame deve acontecer nas próximas semanas, já o parto é algo que as duas famílias discutem a respeito. Gabi conta que conversou com sua psicóloga e que entendeu que há coisas que só vai saber como agir quando chegar a hora - depois de vivenciar os nove meses e receber a enxurrada de hormônios no puerpério.

A gestante teve duas depressões pós-parto, e se sente preparada para o que vier. "Estou muito tranquila, justamente por estar certa do que estou fazendo, e ser acompanhada por obstetra e psicóloga."

Algumas questões já estão bem definidas, como induzir o parto assim que completar 40 semanas, para evitar o sofrimento da mãe, que nunca pariu, sente muita ansiedade e tem medo de algo ruim acontecer. Gabi também faz questão de ter fotos, por achar uma "lembrança linda" - mas ainda tem dúvidas sobre amamentação, cogita a colostroterapia (técnica de tirar o colostro e oferecer ao bebê), e talvez doar leite. "Não temos nada combinado sobre, mas com o estresse que passei com os meus por conta da minha displasia mamária, amamentar não está nos planos", explica.

A equipe do parto está sendo escolhida em conjunto, assim como detalhes da hora dourada (primeira hora do recém-nascido). A ideia é que o bebê seja retirado pela gestante (que deseja um parto natural) e entregue para a mãe, ainda sem cortar o cordão umbilical.

O pai da criança queria pegar o bebê no lugar de Gabi, mas isso ela já negou, mesmo ciente de que o plano de parto pode não acontecer como desejado. "Tem coisa que só vamos saber na hora. Pode ser que eu precise ficar um pouco sozinha com a Thaís, por exemplo", supõe.

Gabi compartilha as descobertas da barriga solidária diariamente nas redes sociais Imagem: Arquivo Pessoal

Thaís lembra que o casal recebe muitas dúvidas pelas redes sociais, inclusive de algumas barrigas solidárias - que encontram pouca informação no país. Ambas estão descobrindo muitas coisas juntas, e isso as permite ajudar outras mulheres que podem viver essa realidade, como mães ou gestantes.

"Gabi acompanha barrigas solidárias dos Estados Unidos, porque aqui no Brasil não tem nenhuma referência. É meio tabu, a gente não fala. Uma menina perguntou se vai ter licença-maternidade, e a verdade é que não sabemos ainda. Porque precisaria da certidão de nascimento do bebê, só que na certidão não vai estar o nome dela. A gente não tem todas as respostas, mas vamos atrás", conta.

Outra dúvida é se será possível colocar só o nome da mãe na pulseirinha da maternidade, mas até agora nada está certo. O que se sabe é que a gestante terá alta o mais rápido possível, e que a mãe deve permanecer no hospital, para lidar com a papelada e sair com o bebê. Os meninos querem vê-lo, mas sabem que tudo depende de como a mãe do recém-nascido estará se sentindo.

Ela já me perguntou algumas vezes: 'será que o bebê vai sentir saudade de você, gostar de você e não de mim?' E eu falei não. Mesmo que a hora dourada não saia como planejado, é super possível recriar esse momento, doulas pós-parto ajudam. Não é isso que vai dizer se o filho vai ter ou não conexão com a mãe. Mas vamos respeitar o que ela sentir.Gabriela Gavioli, mãe de Bernardo, 10, Miguel, 8, e barriga solidária de seis meses

Se a gestante, os filhos e Thaís terão contato com o bebê é outra indefinição, mas tudo indica que a relação construída será duradoura. A própria mãe brinca que ambas vão ter depressão pós-parto pelo fato de não ficarem mais se falando tanto quanto agora. "Uma coisa muito bonitinha é, desde que engravidei, ela não consegue mais beber, fica enjoada, tem desejos", revela Gabi.

Algumas pessoas questionam a gestante sobre carregar o DNA da criança para sempre. A retórica? "Qual é o problema? Que bom que vou carregar o DNA do bebê de uma família legal. Sinto um amor de tia". E como garantir que não vai rolar apego? Nada é garantido, mas por isso todos os passos junto ao CRM, uma boa terapia e, claro, o diálogo constante com a família do bebê e, especialmente, consigo mesma. "Acho que é forçado amar desde a barriga. Quando estava grávida dos meus, não sentia amor pela barriga. Pra mim é um relacionamento construído, como qualquer outro", conclui Gabi.

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