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Ela pedia para demônio sair, pregou cura gay e acabou apaixonada por mulher

Luciana Spacca

Colaboração para Universa

09/12/2024 05h30Atualizada em 11/12/2024 14h00

Por sete anos, a recifense Lanna Holder, 49, foi missionária da igreja evangélica Assembleia de Deus. Após viajar pelo Brasil e pelo exterior para pregar a "cura gay", afirmando ser uma ex-lésbica curada por Deus, ela mudou radicalmente sua trajetória: hoje, Lanna está casada há 14 anos com uma mulher, com quem fundou uma igreja evangélica inclusiva LGBTQIA+, onde é pastora.

Na época em que fui missionária, era movida por essa vontade de falar da minha transformação. Não estava praticando a minha sexualidade, acreditava que quanto mais eu falasse sobre aquilo, mais perto de encontrar esse lugar de cura eu estaria.
Lanna Holder

Lanna se descobriu lésbica no início da adolescência e, desde a infância, sabia que era diferente das outras meninas.

"Eu fui criada pela minha avó até os 10 anos. Então, no início, não havia esse discurso fundamentalista contra a homossexualidade. Eu sabia que era diferente, que era uma menina que não gostava das coisas que normalmente as meninas gostam. Os meus amigos eram quase todos meninos", lembra.

A pastora conta que, no início, sofria preconceito de cunho social, e não religioso.

"Fui ter essa compreensão da minha sexualidade a partir dos 12 anos, quando fui morar com minha mãe, que já tinha duas irmãs lésbicas. Ali já existia uma ameaça velada e ela dizia que preferiria ter uma filha prostituta do que homossexual."

Lanna virou pastora de uma igreja inclusiva Imagem: Arquivo pessoal

Conversão ao evangelismo

Foi por influência da mãe que a recifense teve o primeiro contato com a igreja evangélica.

"Quando tinha 18 anos, saí de casa para viver com uma mulher 12 anos mais velha. Três anos depois, minha mãe se converteu ao evangelismo. E, embora na época eu enfrentasse problemas com drogas e álcool, a base da pregação dela para mim era exatamente a questão da minha sexualidade. Segundo ela, por ser quem eu era, eu iria para o inferno", diz Lanna.

Aos 21 anos, Lanna também virou evangélica em busca de respostas para os conflitos internos que vivia.

Eu tinha total convicção de que não era uma pessoa normal, porque era aquilo que me era dito, que a minha sexualidade era uma influência demoníaca. Eu buscava Deus em oração, com longos períodos de jejum, sublimando os meus desejos, desesperadamente clamando para que aquele demônio saísse de mim.
Lanna Holder

Lanna passou a ser missionária da Assembleia de Deus e a testemunhar sobre sua "cura" para os fiéis. Mas, para a igreja, apenas a palavra dela não era suficiente.

"A igreja cobrava muito. Eu já estava estava há quatro anos dizendo que era ex-lésbica, então havia uma necessidade de provar essa tal libertação. E aí eu me disponho a me casar com um homem, ainda motivada pela busca da cura para a minha sexualidade."

Eu pensava: até agora não aconteceu, quem sabe comigo casando, Deus vai ver o meu esforço e vai me curar.
Lanna Holder

"Era como se esse conflito exigisse sempre mais e mais de mim, porque a cada degrau que eu subia era como se fosse um troféu. Era uma prova da minha mudança, tornando-a verdadeira."

Divórcio e novo casamento

Em 2001, quando já ocupava um lugar de destaque entre os missionários da Assembleia de Deus, Lanna pediu o divórcio ao marido.

Lanna e Rosania Imagem: Arquivo pessoal

"Ele me disse que eu não conseguiria continuar como missionária sendo ex-lésbica, agora divorciada. Que isso iria acabar com o meu ministério. Na época, nós tínhamos muitos problemas financeiros", explica Lanna.

"Eu falei para ele que iria resolver esses problemas e depois me posicionaria com meu divórcio, mesmo que isso me custasse o ministério. Eu preferia um ônus a partir da verdade do que viver um bônus baseado numa mentira."

Nesse meio tempo, Lanna viajou para os Estados Unidos em missão da igreja. Lá, conheceu Rosania Rocha, 51, cantora gospel e também pastora.

"A Rosania era casada com um homem e nunca tinha se relacionado com mulheres, então começou como uma amizade. Ficamos muito amigas mesmo, nos tornamos confidentes uma da outra", lembra Lanna.

Foi só em 2006 que Rosania tomou coragem para se declarar. "A gente estava indo para Nova York, e eu me lembro que senti uma coisa diferente. Eu falei para ela que eu estava começando a vê-la de outra forma", conta Rosania.

Rosania explica que, mesmo o sentimento sendo recíproco, demorou mais alguns anos para que as duas ficassem de fato juntas e assumissem o relacionamento para a igreja.

"Nós já estávamos separadas de nossos maridos e então contamos tudo para nossos pastores e para as pessoas que acompanhavam o nosso trabalho na igreja."

Perdão e igreja inclusiva LGBTQIA+

Hoje, Lanna revela que se arrependeu de ter pregado sobre a cura gay. "Já pedi perdão várias vezes por falar sobre aquela cura que não existia."

"Uso o exemplo de Paulo, que era um perseguidor dos cristãos e depois se tornou perseguido por ser cristão. Eu me dou o direito de mudar de ideia a partir de um empirismo, porque até então o meu desejo de mudança era por aquilo que eu ouvia falar de Deus, e depois a minha autoaceitação veio por uma experiência pessoal com esse Deus."

Junto com a união de Lanna e Rosania nasceu também a Cidade de Refúgio, igreja evangélica inclusiva LGBTQIA+ fundada pelo casal há 14 anos.

"O nome igreja já significa acolhimento a todos. Infelizmente, por causa dessa segregação, dessa exclusão, marginalização, a gente precisa colocar um rótulo que até é redundante, igreja inclusiva, porque a igreja já é inclusiva. Ou pelo menos deveria ser", diz Lanna.

Embora a Cidade de Refúgio seja uma igreja que tenha a missão central focada na comunidade LGBTQIA+, o objetivo é acolher a todos. "O que significa que não é exclusivo para LGBTQIA+, porque senão a gente cometeria o mesmo erro da igreja tradicional."

Ela conta que, desde o início, enfrenta preconceito por parte da sociedade e da própria comunidade evangélica.

"Desde o começo a gente enfrenta muita retaliação. Nas nossas redes sociais tem gente que fala coisas horríveis. Já aconteceu de irem à igreja para nos desafiar no meio do culto."

Mas tanto Lanna quanto Rosania afirmam não se deixarem abalar pelas mensagens de ódio.

"A gente costuma dizer que nós somos uma igreja dentro e fora das quatro paredes. É muito mais do que a religião ali. É uma coisa espiritual-social que sai para fora mesmo, levando a palavra de Deus para confortar quem precisa."

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