'Meu filho foi sequestrado pelo pai e virei muçulmana para salvá-lo'
Com um dinossauro de pelúcia apertado contra o peito, Karin Toledo, 44, respira fundo antes de começar a contar sua história.
O brinquedo, escolhido pelo filho Adam, de 5 anos, tornou-se um amuleto —foi com ele que ela falou com o filho pela última vez há três anos por chamada de vídeo da Inglaterra para o Brasil.
"Ele sempre foi louco por dinossauros. Prometi levar esse para ele quando nos reencontrássemos. Ainda carrego comigo porque tenho certeza de que um dia vou entregá-lo."
A promessa marca a busca por um reencontro que parece cada vez mais distante, desde o dia em que o menino foi levado pelo pai, Ahmed Tarek Mohamed Fayz Abdelkalek, em 2022.
Hoje, Ahmed, 28, está no Egito e na lista vermelha da Interpol.
Namoro e gravidez
Karin e Ahmed se conheceram no Egito em 2018. Ela, brasileira, estava viajando; ele era um jovem egípcio que lutava judô.
O relacionamento parecia promissor, mas rapidamente mostrou sinais de instabilidade. À época, ele se ofereceu para voltar com ela para o Brasil, alegando que gostaria de trabalhar no país, de acordo com Karin.
De volta a terras brasileiras, Karin engravidou e, por conselho do companheiro, decidiu ir para os Estados Unidos para o nascimento do filho, garantindo a cidadania americana de Adam.
"Ele sempre dizia que queria que ele tivesse essa oportunidade. Fiquei na casa de um amigo dele. O Adam nasceu prematuro, ficou 13 dias na UTI, mas conseguimos voltar para o Brasil depois de um mês."
A vida no Brasil foi marcada por dificuldades financeiras, agravadas pela pandemia de covid-19. Em 2021, a relação tornou-se ainda mais complicada.
Apesar disso, ela continuou no relacionamento, tentando manter a estabilidade por causa do filho. "É o medo, a vulnerabilidade. Eu pensava: quem vai cuidar dele se eu me separar? Como será a vida?", conta.
'Roubou meus documentos'
Em 2022, com a promessa de melhorar a situação financeira da família, Karin decidiu ir para a Inglaterra para trabalhar como doméstica, em uma rede de amigos conhecidos do casal, enquanto Ahmed ficava no Brasil cuidando de Adam.
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De volta ao Brasil, Karin aguardava que Ahmed a buscasse no aeroporto, mas, ao chegar lá, não havia ninguém. Quando ela chegou em casa, notou que estava tudo revirado e que as contas bancárias foram esvaziadas.
No computador, segundo ela, ele deixou apenas uma mensagem: "vai tomar no c* bebê".
Ele planejou tudo. Roubou meus documentos, zerou minha conta bancária e fugiu com meu filho para o Egito.
Karin Toledo
"Até quando este país vai ignorar o fato de o meu filho ter sido sequestrado e levado para outro país?", resumiu Karin em uma publicação no Instagram, onde pede ajuda às autoridades para solucionar o caso.
Segundo Karin, ele conseguiu a cidadania brasileira e saiu clandestinamente pela Ponte da Amizade. "Não há registros da saída dele ou da criança pelas fronteiras aéreas ou terrestres oficiais", afirma Rafael Paiva, advogado criminalista que atende Karin no processo.
A busca internacional e a conversão
Desde a fuga, Adam está incluído na Difusão Amarela da Interpol, um sistema de alerta internacional para localizar crianças desaparecidas.
"Descobrimos que ele saiu do Brasil por terra, passou pelo Paraguai, de lá foi para Madri e, por fim, chegou ao Egito. Não há registro oficial da saída dele daqui, mas a Interpol rastreou esse trajeto", explica Karin.
Paiva afirma que essa é a sequência apontada pela investigação: "Ele seguiu esse trajeto após cruzar para o Paraguai de forma clandestina."
Karin ficou os últimos cinco meses no Egito lutando por Adam na Justiça local. Mas, logo na primeira audiência, em uma espécie de "tribunal de família", foi marcada por uma pergunta que a deixou perplexa.
"O juiz me perguntou se eu era muçulmana. O que isso tem a ver com meu filho?"
Decidida a usar todos os recursos disponíveis, Karin se converteu ao islamismo, garantindo um documento oficial que comprova sua nova religião. "Virei muçulmana para salvar meu filho, ajudar no processo. Tive aulas de islamismo na embaixada brasileira, aprendi a rezar e seguir os preceitos", conta.
O caso se torna mais complicado porque o Egito não é signatário da Convenção de Haia, que regula repatriações de crianças. Também não tem tratado de extradição com o Brasil, explica Paiva.
A Convenção de Haia define como sequestro internacional a remoção de uma criança ou adolescente menor de 16 anos de sua residência habitual sem a autorização de um dos genitores.
Atualmente, no Brasil, a guarda unilateral de Adam está garantida à mãe, e a Justiça Federal decretou a prisão preventiva de Ahmed, com sua inclusão na lista vermelha da Interpol.
No Egito, porém, o tribunal decidiu que a criança deve ficar com a avó paterna temporariamente, de acordo com o advogado.
"A diplomacia brasileira tem sido bastante tímida nesse caso, o que prejudica as negociações para trazer o menino de volta ao Brasil", diz Paiva.
O que diz o Itamaraty
Em nota ao UOL, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que tem prestado assistência consular à brasileira, incluindo interlocução com autoridades locais, fornecimento de documentação e outras ações aplicáveis em casos de subtração internacional de menores. A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Ahmed —o espaço segue aberto.
Já o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria Nacional de Justiça, explicou que o Egito não é signatário da Convenção da Haia sobre os aspectos civis da subtração internacional e, portanto, não há Autoridade Central designada para o tema naquele país.
"Os esforços do Estado brasileiro têm se concentrado na tramitação diplomática dos pedidos para o Egito, na tentativa da resolução desse caso", afirma.
O golpe do noivo
O caso também expõe uma prática comum descrita pelo Itamaraty em 2022 como "golpe do noivo". Segundo o comunicado, é frequente que estrangeiros estabeleçam relações rápidas com brasileiras visando a obtenção de nacionalidade brasileira.
"Esse é um caso clássico," afirma Paiva. "Há muitos relatos de estrangeiros que buscam cidadania brasileira por meio de casamento, e, infelizmente, Karin se tornou mais uma vítima desse golpe."
Karin está de volta ao Brasil há pouco mais de uma semana. E, enquanto seu filho permanece distante de seus olhos, o dinossauro de pelúcia continua sendo uma companhia inseparável.
Levo ele para todos os países por onde passo. Um dia, Adam vai tê-lo.
Karin Toledo
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