'Meu filho nasceu na mesma data e hospital que meu irmão morreu há 20 anos'

A influenciadora digital Mariana Queiroz, 31, perdeu o irmão Círio vítima de leucemia quando ele tinha apenas 7 anos. A morte precoce do caçula abriu uma ferida na família, principalmente no relacionamento de Mariana com seu pai, Hilton de Andrade, 56.

Mariana conta que o pai se tornou uma pessoa mais fechada e se distanciou para lidar com a enxurrada de emoções após enterrar o filho. O cenário mudou quando, 20 anos depois, ela engravidou.

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Desde que dividiu a novidade com o pai, eles nunca mais pararam de se falar. Dom, hoje com 1 ano e 9 meses, nasceu no mesmo dia que Círio morreu. E veio ao mundo no hospital em que a vida de Círio se encerrou, em Divinópolis (MG).

A Universa, Mariana conta sua história.

'Tudo ia bem, até que ele adoeceu'

"Éramos uma família tradicional, como qualquer outra. Na época, minha irmã tinha 11 anos, eu tinha 9 e meu irmão, 7. Eu era muito apegada a ele pela nossa diferença de idade ser pequena.

Tudo ia bem até que ele adoeceu. Começou a ter febre, dor na barriga e, com o tempo, passou a ter sinais de fraqueza. Minha mãe o levou à Unidade de Pronto Atendimento em Pará de Minas duas vezes e o médico falou que era virose.

Hilton e os filhos; família acabou se distanciando após a morte do caçula e a separação dos pais
Hilton e os filhos; família acabou se distanciando após a morte do caçula e a separação dos pais Imagem: Arquivo pessoal
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Até que, um dia, eu e meu irmão estávamos tomando banho e ele desmaiou na minha frente. Chamei minha mãe, ela veio correndo e o levou para o hospital às pressas. Quando os médicos fizeram os exames de sangue, viram que o caso dele era leucemia.

Minha avó paterna conseguiu uma vaga para ele no Complexo São João de Deus [em Divinópolis, cidade próxima de onde moravam].

Tenho a lembrança de os meus pais passarem bem rápido em casa [antes de ir ao hospital], com meus tios, tias e primos. Minha mãe chorava muito e eles tentavam acalmá-la. Foi horrível. Eu não sabia o que estava acontecendo, não tinha noção [da gravidade da situação].

Meu irmão também veio em casa, só que de ambulância, e já estava no soro. Fui até ele, o abracei e foi a última vez que nos vimos pessoalmente, porque eu não podia entrar no hospital por ser menor.
Mariana Queiroz

Minha mãe e meu pai foram com ele na ambulância para Divinópolis. E eu e minha irmã fomos com meu tio, de carro, logo atrás. Tenho pavor de sirene de ambulância, porque me lembro de todo o trajeto como se fosse hoje.

Família mora no interior de Minas Gerais
Família mora no interior de Minas Gerais Imagem: Arquivo pessoal
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'Foi o dia mais triste da minha vida'

Eu e minha irmã ficamos na cada da minha avó enquanto meus pais se revezavam para ficar com meu irmão. Lembro de vê-los tristes, mas, para mim, embora Círio estivesse doente, logo ficaria bem e iríamos embora.

Até que um dia meu pai tentou me levar ao hospital, mas não teve jeito. Só vi meu irmão do lado de fora. Ele chegou na janela, acenou para mim e foi a última que o vi. No dia seguinte, ele faleceu. Foi o dia mais triste da minha vida.
Mariana Queiroz

Desde que meus pais o levaram ao hospital pela primeira vez até a morte dele foram dez dias. A doença agiu de forma muito rápida.

Minha mãe ficou detonada: tenho muitas lembranças dela no chão do quarto do meu irmão, chorando. Já meu pai... sinto que ele teve de esconder suas emoções para manter a família em ordem.

'Ele pensou que perdeu a família'

Dois anos após a morte do meu irmão, meus pais se separaram. Foi um rompimento tranquilo, com uma separação de bens madura. Só que eu e minha irmã ficamos com minha mãe e, consequentemente, perdi um pouco do contato com meu pai.

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Eu acredito que ele ficou com a sensação de que a família acabou. Primeiro, passou pela perda de um filho. Depois, a separação e, automaticamente, o afastamento de mim e da minha irmã.

Mesmo nas datas comemorativas, como formatura, meus aniversários, quando passei na federal, meu pai nunca estava presente. Ele mal mandava uma mensagem.

Eu o julgava por isso e fiquei muito sentida em todos esses anos porque sentia a falta dele e o queria comigo, mas meu pai não dava conta. Ele ficou destruído com esse tanto de acontecimento na vida dele.

'Nunca mais paramos de nos falar'

Meu sonho sempre foi ser mãe e pedia para Deus um menino. Engravidei no fim de 2022, mas não foi uma gestação planejada por mim, só por Deus.

Levei um susto quando descobri e a primeira pessoa para quem eu quis contar foi meu pai porque eu sabia que ele ficaria muito feliz. Mariana Queiroz

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Nós nunca mais perdemos o contato desde o dia em que eu fui até a casa dele e falei que estava grávida. Ele demonstrava o amor da forma dele.

'Vi a data que nunca quis lembrar'

Com 12 semanas de gestação, senti uma dor na barriga e fui ao hospital. Fiz o ultrassom e veio o diagnóstico de apendicite. Operei e, no dia seguinte, os médicos me deram alta para não correr o risco de pegar infecção hospitalar.

Mariana e o marido; parto estava programado para maio, mas aconteceu antes
Mariana e o marido; parto estava programado para maio, mas aconteceu antes Imagem: Arquivo pessoal

Foi uma cirurgia tranquila, sem complicação, mas eu sabia que um dos riscos que corríamos era o de Dom nascer prematuro por causa da anestesia geral que tomei no procedimento.

Perto do final da minha gestação, minha mãe mandou reformar o túmulo do meu irmão e compartilhou uma foto de como ficou. Quando olhei a imagem, estava a data de morte dele que eu nunca quis lembrar: 14 de abril.
Mariana Queiroz

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A data prevista do meu parto era 6 de maio. Lembro que falei para meu noivo que não era possível que o Dom nasceria no dia em que meu irmão faleceu. Ele me tranquilizou e falei que era para esquecermos o que tínhamos visto, porque não queria ficar com aquilo na cabeça.

'Achava que era coisa da minha cabeça'

No dia 13 de abril, comecei a ter um corrimento, fui ao hospital e fiquei o dia inteiro lá, mas falaram que era candidíase. Fizeram ultrassom e a médica disse que eu podia ficar tranquila porque o colo do meu útero estava fechadinho.

Voltei para casa à tarde e cheguei a dormir porque estava exausta. Às 23h, comecei a sentir contração e à meia-noite a situação desandou por completo: as contrações já estavam de três em três minutos.

Fiquei sentindo dor em casa até 5 horas da manhã, porque, para mim, era coisa da minha cabeça por ser dia 14 de abril. Fui ao quarto do Dom, acendi minhas velas, reuni meus santos e coloquei um louvor. Pedi um sinal para Deus porque não estava mais suportando, já estava perdendo as forças.
Mariana Queiroz

Na hora, a música tocou: 'Deus mandou te dizer que vai acontecer, Deus mandou te falar que tudo vai passar'. Foi quando entendi que o Dom ia chegar e essa data seria ressignificada.

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'A sala ficou em silêncio'

Mariana com Dom na UTI neonatal
Mariana com Dom na UTI neonatal Imagem: Arquivo pessoal

Ao chegar ao hospital, já estava com cinco centímetros de dilatação. Em questão de minutos, foi para sete. Só que o parto teria de ser cesárea porque o Dom ficou a gestação inteira em posição pélvica e teve o cordão umbilical enrolado no pescoço duas vezes.

Fui para a sala de cirurgia e me deram anestesia. Quando foram tirar o Dom, o médico disse que eu escutaria o choro dele, mas a sala ficou em silêncio. Ao passarem com meu filho do meu lado, ele estava roxo, desfalecido.

Pai de Mariana com o neto
Pai de Mariana com o neto Imagem: Arquivo pessoal

Lembro da pediatra fazendo massagem no coração dele. Comecei a delirar porque não ouvia choro nenhum. Minha mãe começou a gritar e bater no vidro [por onde dá para ver a cirurgia] e precisou ser retirada.

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Foram sete minutos de reanimação do Dom até que ouvi a pediatra pedindo uma vaga na UTI e que o recém-nascido estava sem sinais. Entrei em pânico.
Mariana Queiroz

O Dom ficou na UTI durante seis dias e um na pediatria. Ele foi um bebê prematuro, de 36 semanas.

O avô e o neto Dom
O avô e o neto Dom Imagem: Arquivo pessoal

Foram os piores dias da minha vida e da minha família, principalmente porque estávamos lidando com essa situação em uma data muito marcante para nós, mas ganhamos alta depois de sete dias.

Meu filho nasceu na data de morte do meu irmão e no mesmo hospital em que ele se foi.

Hoje, o Dom está bem, não teve sequelas.

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Desde então, meu pai nunca mais desgrudou do Dom. Ele me ajudou muito no início: ia até em casa, trocava a fralda do neto, dava banho, passeava com ele. O maior amor do mundo.

Mariana, Hilton e Dom: pai e filha se aproximaram após notícia da gravidez
Mariana, Hilton e Dom: pai e filha se aproximaram após notícia da gravidez Imagem: Arquivo pessoal

Quando o Dom estava para completar um ano, decidi voltar para Pará de Minas, cidade onde nasci e onde estava minha mãe e irmã. Mas, uma vez por mês, eu passo o fim de semana em Divinópolis, com o meu pai, e temos contato quase todos os dias por telefone.

Dom é a cara do tio dele e amo isso profundamente."

5 comentários

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Tiago Arlan Abreu Pirriello

Que história belíssima, Deus abençoe sempre essa família! 

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Matheus Teodoro da Silva Filho

Que lindo bebê! Que ele tenha muita saúde e traga muitas alegrias à família.

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Marcel Antonio de Souza Ramin

Realmente emocionante. É Deus agindo, só não enxerga quem não quer ou ainda não consegue. 

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