Ela sofreu abuso na infância e virou policial: 'Fiz questão de prendê-lo'

Jéssica Martinelli, 33, era apenas uma criança falante e que amava brincar com suas bonecas quando os abusos começaram. Dos nove aos 11 anos e meio, teve seu corpo invadido por um homem que dizia ser amigo da família.

"Eu gostava dele e demorei muito tempo até perceber que o que ele fazia era errado", disse a Universa.

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Foi só por volta dos 10 anos que ela entendeu o que estava passando. "Ele não me ameaçava, mas me fazia sentir pequena, e eu tinha medo de contar para os meus pais e ser castigada."

Os abusos só pararam após sua família se afastar do criminoso. Anos depois, o caso veio à tona: o processo criminal demorou 10 anos e culminou na prisão do agressor pela própria vítima.

'Contar foi extremamente doloroso'

Jéssica teve coragem de contar o que viveu para colegas da escola durante sua adolescência.

A história chegou aos ouvidos da mãe de uma de suas amigas, que a convenceu a contar para os pais.

A irmã mais velha de Jéssica, a pessoa em quem mais confiava, foi a escolhida para a revelação. Chocada com o que havia ouvido, a levou imediatamente à delegacia para fazer um boletim de ocorrência.

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"Contar para a minha irmã foi extremamente doloroso", disse Jéssica. A mais velha sentiu muito pelo que aconteceu com a caçula.

Processo longo

O caminho para que o agressor fosse finalmente responsabilizado foi longo.

Após ter seu depoimento colhido em uma delegacia de Chapecó (SC), o processo foi arquivado. Anos depois, sua irmã passou a trabalhar no Ministério Público e pediu para que o caso fosse novamente verificado.

Foi então que Jéssica descobriu que o homem tinha feito uma nova vítima. A partir dessa nova denúncia, o caso deslanchou e ele foi levado a julgamento.

Fechando a cela

Jéssica tinha 24 anos em 2016, ano do julgamento. Sem provas palpáveis do ocorrido, ela sabia que poderia ser muito difícil levar o abusador à prisão.

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Graças ao depoimento fiel ao primeiro —feito 10 anos antes—, o homem foi condenado a sete anos e seis meses de prisão em regime fechado. O juiz compreendeu que o criminoso tinha um histórico de abusos.

Jéssica no momento em que fechava a cela na prisão do abusador
Jéssica no momento em que fechava a cela na prisão do abusador Imagem: Arquivo pessoal

A única coisa em que o sistema foi feliz foi no juiz. Ele fez o trabalho dele e, diante de todo o descaso no processo, ele foi fundamental.
Jéssica Martinelli

Nesse momento, Jéssica já havia se formado em direito e prestado o concurso para se tornar agente de segurança pública. Ela conseguiu passar na Polícia Civil, órgão que cumpre mandados de prisão.

Foi assim que, em 22 de dezembro de 2016, quando foi emitido o mandado de prisão de seu abusador, ela e um grupo policiais foram até uma chácara onde o criminoso estava escondido.

"Ele estava podre de bêbado. Eu descobri que ele já estava sofrendo com alcoolismo desde que tomou ciência de que o processo estava correndo", disse a policial.

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Jéssica fez questão de fechar a cela da prisão para, de alguma forma, dar fim àquele ciclo.

"Meus colegas entraram, fizeram a revista e o prenderam, mas eu fiz questão de prendê-lo na cela. Eu bati a porta da cela."

Apenas um ano depois, o homem foi solto por bom comportamento e por suas horas de trabalho na horta e na cozinha do presídio.

Mas, para ela, a soltura não foi uma grande crise: Jéssica já imaginava que isso pudesse acontecer. A questão não era a quantidade de anos que ele ficaria preso, mas que a Justiça reconhecesse o abuso e fosse feita.

'Queria me proteger'

A prisão não trouxe cura a Jéssica. Ela diz que sua dificuldade em se relacionar, a luta contra o peso e outras questões estão ligadas ao trauma sofrido na infância —e a todo o processo até a prisão do abusador.

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Tornar-se policial civil foi justamente uma tentativa de autoproteção.

Sempre admirei a polícia. É um cargo que transmite força, imponência e proteção. Eu queria sentir que eu podia me proteger, e não foi o que aconteceu.
Jéssica Martinelli

Um ano após se tornar policial, Jéssica também foi vítima de mais um abuso. Desta vez, em forma de violência doméstica, mas ela conta que rapidamente conseguiu se livrar.

Hoje, como policial civil, é capaz de ajudar outras mulheres a denunciarem seus abusos, sejam eles sexuais ou psicológicos, e presta o melhor atendimento que pode. "Sou a policial que queria encontrar quando fui à delegacia denunciar o meu caso", diz.

Ela também escreveu um livro, lançado no ano passado, "A Calha". Na obra, relata o que sentia e tenta ajudar outras mulheres a terem coragem de enfrentar o fantasma do abuso.

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A primeira coisa que eu diria para elas [mulheres vítimas de abuso sexual] é que elas não têm culpa nenhuma, nenhuma, nenhuma
Jéssica Martinelli

Como procurar ajuda

Mulheres que passaram ou estejam passando por situação de violência, seja física, psicológica ou sexual, podem ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia.

29 comentários

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Fernando

Mas um exemplo que a Justica no Brasil NAO existe, as leis, os processos são ridículos, o abusador pega 7 anos, sai em 1 ano, e já deve estar por aí abusando de mais uma criança... o judiciário brasileiro e as leis são uma piada,  as sentenças NUNCA fazem justiça, são apenas um agradinho, um cala a boca, isso quando o processado não tem recursos, pois se tiver os crimes cometidos prescreverao de tantos recursos ou algum juiz iluminado dará causa ao réu amparando se na lei, e sem qualquer peso na consciência ou arrependimento o magistrado irá para sua casa saborear seu 18 anos puro malte, pois cumpriu seu papel na engrenagem da Justiça brasileira .... 

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Monica Minacapelli

M A R A V I L H O S A!!! Quisera todos fossem.....

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Victor Hugo Dunstan

Excelente.  Parabéns!!

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