'Ninguém se recupera da dor de perder 2 filhos, nora e neto em Brumadinho'

Dizem que perder um filho é a maior dor que há, e Helena Taliberti confirma, contando ter sentido uma dor inimaginável ao perder seus dois filhos, a nora e seu neto no rompimento da barragem de Brumadinho(MG) - tragédia que completou seis anos no dia 25 de janeiro. A perda devastadora se transformou em uma missão por memória e justiça com a criação do Instituto Camila e Luiz Taliberti.

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Essa tragédia é acima de tudo um trauma. Tudo foi interrompido de forma abrupta, cruel, e o modo como eles morreram não podia ser mais avassalador. Eles foram minerados.Helena Taliberti, presidente do Instituto Camila e Luiz Taliberti

Foram os amigos de seus filhos que propuseram à Helena criar uma instituição que perpetuasse o legado que Camila e Luiz deixaram, que fosse voz para conscientizar a sociedade do que aconteceu. A ideia é não deixar que a tragédia seja esquecida, para que não se repita. "Só assim a morte deles e de todas as demais vítimas não terá sido em vão", diz Helena.

Camila tinha 33 anos, morava em São Paulo e era advogada especialista em direito digital: engajada em causas sociais e ambientais, trabalhou voluntariamente em comunidades de São Paulo, prestando orientação jurídica. "Soubemos depois de sua morte que, nesse trabalho, Camila atendia mulheres em situação de violência doméstica", conta a mãe.

Luiz tinha 31 anos, morava na Austrália e era arquiteto e urbanista. Com uma carreira profissional meteórica, premiado por dois anos consecutivos, chegou à posição de diretor em um escritório em Sydney. Apaixonado pela vida ao ar livre, praticava surfe e skate, dava muito valor à preservação do meio ambiente, trazendo para seus projetos os princípios de arquitetura sustentável. Ele veio ao Brasil com Fernanda, sua esposa que também morreu em Brumadinho, e estava grávida de cinco meses de Lorenzo. As férias eram muito esperadas pelos irmãos, que não se viam há dois anos.

A certeza da morte de Camila, Luiz e Fernanda só veio três dias depois do rompimento, quando a família soube que a pousada onde estavam hospedados foi destruída e levada pela lama. "Até então não sabíamos ao certo o que tinha acontecido. Foi um baque, uma ruptura, um trauma muito profundo, difícil de acreditar e até hoje ainda é dolorido realizar. Não há recuperação da dor de perder os dois filhos, nora e neto, ninguém se recupera. É imensa a saudade, não tem fim", desabafa Helena.

'Não há estrutura emocional que dê conta'

Helena Taliberti fez da sua dor particular uma luta coletiva para ajudar outras famílias
Helena Taliberti fez da sua dor particular uma luta coletiva para ajudar outras famílias Imagem: Arquivo pessoal

O Instituto honra as vidas perdidas na tragédia, mas não apaga a tristeza de Helena, muito menos os desafios como mãe enlutada. "São muitos. Começo falando da dor, do vazio, do silêncio que se abateram sobre nós e sobre nossa casa. Não há mais conversas, não há mais mensagens no celular, não há mais encontros, nada. Não há estrutura emocional que dê conta desse buraco, dessa ruptura", desabafa Helena.

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A psicóloga existencial e filósofa Maria Silvia Logatti concorda. "Superação não é uma palavra que cabe aqui", diz. Segundo a especialista, mães que passam pela perda dos filhos precisam falar dessa perda dentro de um processo terapêutico e, se possível, em grupos de pais enlutados. O luto compartilhado, ou seja, compartilhar a dor com quem vive algo semelhante, pode ajudar a passar por essa fase e chegar do outro lado.

A perda de um filho é um processo de crise intensa e profunda. E a crise, por mais grave que ela possa ser, também é um momento de ressignificação da vida.Maria Silvia Logatti, psicóloga existencial e filósofa, doutora em saúde coletiva

"Eles poderiam estar aqui conosco, vivendo suas vidas, felizes, realizando seus sonhos," diz Helena. As investigações comprovaram que o rompimento da barragem poderia ter sido evitado, e a ideia, portanto, é evitar que isso aconteça novamente.

As ações que Helena promove apontam para a mineração responsável que priorize a vida acima de tudo, e para o engajamento da sociedade rumo a um viver sustentável - sem devastar a natureza, entendendo que somos parte dela. "Nós não temos um planeta B", salienta a presidente.

Da ruptura à união

Camila e Luiz Taliberti, vítimas de Brumadinho
Camila e Luiz Taliberti, vítimas de Brumadinho Imagem: Arquivo Pessoal

Além desse novo significado para a perda, Helena conta que a terapia ajuda a conviver e a lidar com a desorganização emocional que uma perda desse tamanho traz, e a se levantar quando a dor fica insuportável. Família e amigos também são imprescindíveis.

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"Vagner é um marido maravilhoso e juntos conseguimos viver nosso luto com muito amor", conta. Viver o presente e um dia de cada vez também estão entre as ferramentas para se manter em pé. "Não tenho planos para o futuro. Os dias são muito desafiadores pela saudade, pelo vazio, pelo silêncio. Procuro me equilibrar com terapia, meditação, exercícios físicos, leitura e o trabalho no Instituto", revela a mãe de Camila e Luiz.

Segundo ela, não há segredo para passar pelo luto e, na verdade, ele não acaba. "A todo momento eu tomo consciência de que eles não estão mais aqui, o luto faz parte da vida cotidiana, principalmente porque não é um luto normal. Saber que meus filhos morreram de forma tão cruel e que a vida não tem valor para alguns, impede o fim de qualquer dor."

O luto de Helena e de sua família é fruto de uma tragédia que impactou uma grande quantidade de pessoas: foram 272 vidas perdidas. É um luto coletivo.

Apesar da dor ser única, sabemos que cada um está vivendo a perda de alguém querido, e o sentimento de que não estamos sozinhos fortalece a luta para que os familiares sejam ouvidos, para que sejam encontradas soluções para as consequências na vida de cada um e principalmente, na luta por justiça.Helena Taliberti, presidente do Instituto Camila e Luiz Taliberti

A atuação do Instituto vai no sentido de trazer à memória a tragédia e deixar a mensagem de que juntos conseguimos enfrentar a perda, mas Helena é cautelosa ao deixar qualquer mensagem para mães que perderam seus filhos. "Quem sou eu para dizer alguma coisa? O luto precisa ser vivido, apesar de ser uma dor única, muito própria de cada uma, é preciso procurar ajuda de pessoas que sejam capazes de nos acolher, mas também entender que nem todas têm capacidade para compreender o que estamos passando."

Ainda que focada em Brumadinho, o trabalho da mãe de Camila e Luiz acaba sendo uma forma de abraçar familiares de qualquer tragédia. Talvez seja uma luz para tantas outras famílias que ainda vivem o luto, especialmente as que também sofreram com tragédias que poderiam ter sido evitadas. Segundo ela, por mais clichê que seja, juntos somos melhores e mais fortes.

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"Cada um de nós é uma semente poderosa de amor, mas também de justiça e desistir não é uma opção porque estamos juntos. Chamo a todos para se juntarem a nós nessa luta e repito que isso poderia ter acontecido com qualquer um. Meus filhos estavam lá a passeio, foram passar o final de semana em Brumadinho para conhecer Inhotim", revela.

A luta de Helena ainda é longa, mas, para ela, a impunidade é a porta para que novas tragédias aconteçam. "Confio na justiça brasileira. Ela pode até demorar, mas não pode falhar. Acredito que não há como os envolvidos não serem responsabilizados", diz.

7 comentários

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Dirce Maria de Jesus Barbosa

Minha solidariedade, Helena.  Que algum dia, em algum lugar do Universo, sejamos capazes de encontrar algim sentido nessa tragédia absurda.  Sinta-se abraçada.

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Afonso Jorge Ferreira Cardoso

Ninguém consegue imaginar a dor que ela está sentindo. Eu jamais quero sentir. Que Deus possa confortá-la da melhor forma possível.

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Daniel Romagnolo

Linda família. Eterna. Sigam firme nesse legado, corações aqui irmanados aos de vocês. 

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