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"Sou a contradição da bancada evangélica", diz pastora trans candidata

Até fim do ano, Alexya deve tornar-se primeira reverenda trans da ICM (Igreja Cristã Metropolitana) na América Latina - Isadora Brant/BBC Brasil
Até fim do ano, Alexya deve tornar-se primeira reverenda trans da ICM (Igreja Cristã Metropolitana) na América Latina Imagem: Isadora Brant/BBC Brasil

Laís Martins

26/09/2018 16h56

Pastora evangélica e candidata a deputada estadual, Alexya poderia muito bem sentar-se junto à ala mais conservadora da Assembleia Legislativa de São Paulo se conquistar uma cadeira nas eleições de outubro, não fosse o fato de levantar bandeiras que jamais serão empunhadas pelos membros da bancada mais conservadora e religiosa da Casa.

Mulher transgênero e negra, Alexya é pastora da Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), uma igreja "verdadeiramente inclusiva", segundo ela. Ligada à religião desde criança, Alexya tentará agora se eleger deputada estadual pelo PSOL, partido que apresentou o nome de Guilherme Boulos para concorrer ao Palácio do Planalto.

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"Uma coisa é certa: eu sou a contradição da bancada evangélica, tanto na Alesp quanto em Brasília. Eu sou a oposição", afirma a pastora.

A candidatura não é exatamente a estreia dela na vida política, explica. "Eu dizia que nunca ia me envolver com política, não dessa forma. Hoje eu entendo que, sendo ou não candidata, já sou uma mulher política, a minha vida é um ato político", diz Alexya, referindo-se à sua militância como LGBT e negra.

A pastora, que também é professora da rede municipal, diz sofrer preconceito dentro e fora da religião. Dentro, a discriminação vem inclusive de outras igrejas que se denominam "inclusivas", afirma. "Me dói dizer isso, mas é verdade."

Pelos dados do último censo do IBGE, em 2010 havia no Brasil 42,2 milhões de evangélicos, cerca de 21 por cento da população naquele momento --os católicos eram estimados em 123,2 milhões de pessoas. Mas a diferenças entre os dois grupos vem diminuindo. Números do Datafolha publicados este ano estimam a população evangélica em 32 por cento, contra 53 por cento de católicos.

Alexya conta que iniciou sua caminhada religiosa na Igreja Católica, mas que não acredita que a instituição possa se abrir para pessoas como ela.

Há oito anos, ela e o marido decidiram se unir, o que os motivou a buscar, através do Google, uma igreja que aceitasse o matrimônio entre uma mulher trans e um homem. Foi assim que descobriu a ICM, onde foi ordenada pastora há sete anos.

Fundada na década de 1960 em Los Angeles, a ICM está hoje presente em mais de 50 países. "Surge tendo como carisma principal as ruas, as boates", diz ela. "Somos uma igreja de pessoas."

Questionada sobre a atuação de outros pastores, bispos e líderes religiosos no Congresso Nacional, Alexya se mostra preocupada, já que o que deveria ser uma qualidade, acaba sendo usado para o mal, na opinião dela.

"É preocupante perceber que deputados que são pastores, que teriam tudo para promover de fato aquilo que Jesus nos ensinou, usam das suas candidaturas e de seus cargos para oprimir, tirar direitos e gerar toda uma violência de morte e opressão", diz.

Atualmente, a bancada evangélica na Câmara dos Deputados conta com 100 parlamentares, quase 20 por cento da composição total. No Senado, a presença é bem mais tímida, com apenas 4 senadores pertencentes à bancada.

Nem todos que integram a bancada se declaram evangélicos. Muitos se unem ao grupo em função de suas pautas mais conservadoras, relacionadas à família, por exemplo. O presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Takayama, disse à Reuters que espera que a bancada cresça em até 10 por cento com as eleições de outubro.

Na sua campanha, Alexya escolheu não utilizar o termo pastora. "Eu não vou usar isso ao meu favor... se eu chegar a ser eleita, eu não vou misturar as coisas", diz.

"Sendo uma deputada e sendo uma pastora, é inerente a mim exercer lá dentro justiça, igualdade, lutar por direitos, lutar pela mulher, pelos negros, pelos indígenas, por tudo aquilo que essas pessoas ditas pastores e pastoras, padres e bispos não fazem", afirma a candidata, dizendo que não citará "nomes daqueles que não devem ser citados".

A pastora avalia que a religião não deve orientar a vida de políticos. ?Eles têm todo direito sim de se pronunciar de forma religiosa dentro das suas comunidades de fé e igrejas. Não dentro das Assembleias e da Câmara dos Deputados?, argumenta.

"Eu fico estarrecida quando vejo essas pessoas usando seu poder religioso aliado às suas cátedras políticas para oprimir", afirma.

"Armário político"

A ideia de candidatar-se veio com a chegada de Ana Maria, sua filha adotiva também transgênero, à família, e após uma participação em um evento em Brasília.

"Em 2016, uma juíza de Pernambuco, lendo uma matéria na internet em que eu falava que o meu desejo era adotar uma criança trans, entrou em contato comigo dizendo que essa criança trans possivelmente estava lá, na sua comarca", conta a pastora, que além de Ana Maria, de 11 anos, também é mãe de Gabriel, de 13 anos, com deficiência intelectual.

"Eu quero sim lutar para que em São Paulo e futuramente em outros espaços a gente possa criar leis que defendam de maneira eficaz toda a comunidade LGBT, a comunidade negra, a mulher e as minorias?, afirma Alexya,

"Eu entendo que se nós LGBTs não assumirmos essas cadeiras, esses espaços de poder, as nossas demandas não terão representatividade de uma maneira eficaz?, diz ela, acrescentando que, pela primeira vez, o Brasil terá cerca de 20 candidatas transgênero disputando cadeiras em nível estadual e federal.  

Em 2018, um número recorde de candidaturas de pessoas transgênero concorrerão a vagas no Legislativo. Somando candidatos às Assembleias Legislativas dos Estados e à Câmara dos Deputados, 29 se registraram para concorrer em outubro, segundo um levantamento da Aliança Nacional LGBTI.

No entanto, conquistar a tão almejada representatividade será difícil caso o próprio movimento LGBT não se organize para apoiar essas candidaturas, segundo Alexya. É preciso sair de dentro do "armário político".

"O próprio movimento LGBT não está apoiando. Nós somos mais de 20 milhões de LGBTs, temos o poder de eleger quem a gente quiser, mas isso não acontece porque parece que culturalmente, nos acostumamos a ficar presos dentro do 'armário político'", diz Alexya.