Entre o topless e o burkini, francesas se rendem ao neoconservadorismo
Um novo estudo no Instituto francês de opinião pública (Ifop), publicado no fim de julho, revelou que o número de francesas que fazem topless (ou que usam monokini, em francês) - diminuiu vertiginosamente da década de 1980 (43%) para os dias atuais (19%). As causas são variadas, mas apontam para uma mesma direção: seja sob os efeitos de uma onda conservadora, seja com medo de "pagar peitinho" na era das redes sociais, as francesas vêm desistindo de bronzear os seios como o fizeram, com tanta liberdade, suas mães e avós.
Desde que o biquíni desembarcou nas praias franceses no verão de 1946, o mundo nunca mais foi o mesmo. A invenção do estilista parisiense Jacques Heim se transformou numa verdadeira febre, sempre recheada de polêmicas. Mas se as feministas de Maio de 68 decidiram queimar sutiãs como símbolo da liberação feminina, 50 anos depois a "geração topless" assiste com espanto jovens francesas, suas filhas e netas, que se inibem na hora de tirarem a parte de cima do biquíni com medo dos olhares masculinos ou de fotógrafos amadores munidos com seus smartphones, na era da universalização dos paparazzi. Pelo menos, é isso que atesta a pesquisa Ifop publicada em 23 de julho deste ano, que entrevistou mais de 5.000 mulheres europeias (entre elas, mil francesas) sobre a prática do topless.
Se na década de 1980 elas eram 43% a bronzear seus seios livremente nas praias francesas, em 2019 esse índice cai para 19%, mostra o estudo. Entre os motivos anunciados pelas francesas jovens para manterem a parte de cima do biquíni no corpo, consta, em primeiro lugar, o olhar lascivo masculino (59%); o medo de serem agredidas, verbal ou sexualmente (51%); o medo de críticas negativas a seu corpo (41%) e, finalmente os riscos da exposição ao sol (37%). Para mulheres com mais de 25 anos, o medo do sol vem primeiro (56%), seguido do olhar lascivo masculino (35%) e do medo às críticas (28%).
A vigilância ao corpo feminino parece ser uma máxima na onda neoconservadora que atinge o planeta nos últimos anos, e as redes sociais não ficaram isentas dela. Muito pelo contrário, aplicativos e redes ajudam a disseminar o pavor de ser exposta, o medo do bullying, o isolamento, e a censura a imagens que mostrem, mesmo que disfarçadamente, mamilos femininos (contrariamente ao que acontece com os masculinos). Facebook e Instagram imediatamente retiram de suas páginas fotos - mesmo em forma de desenho - que façam menção aos seios de uma mulher.
A experiência da geração de Maio de 68: um olhar crítico
A jornalista francesa aposentada Suzette Bloch, que mora em Argèles-sur-mer, em plena região balneária quase na fronteira com a Espanha, conta que notou "o quase desaparecimento do topless nas praias francesas que frequento ao longo do ano". Bloch, que fez parte da famosa geração de Maio de 68, ou do "pós-Maio de 68", como ela prefere se definir, conta que ficou "chocada" com a mudança.
"Minha geração fez topless de maneira muito natural durante muito tempo. Nesta época, todas nós fazíamos topless. A mulher que se cobria era olhada de maneira estranha", lembra. "Hoje em dia é muito raro ver uma mulher fazendo topless na praia [na França], apenas algumas nórdicas. É cada vez mais raro. É a expressão de uma tendência política, sociológica e de sociedade que diz bastante sobre a situação das mulheres no espaço público", analisa.
Ela acredita que existe um retorno ao tradicionalismo. "Existe uma ascensão de movimentos que exigem o retorno a valores tadicionais, católicos, pudicos. Essa expressão é importante para a sociedade. Paralelamente, há o movimento #MeToo, contra o assédio sexual na rua e nos espaços públicos. As mulheres ficam mais prudentes e mais desconfortáveis", analisa. "Para as novas gerações, há também toda a campanha sobre as ameaças do sol sobre a pele, que expor os seios ao sol favorece o câncer. Mas se trata, sobretudo, de uma tendência geral da sociedade. Eu acho uma pena, porque somos obrigadas a nos esconder. Essa proibição nada mais faz do criar uma sexualização da sociedade", avalia.
As novas gerações
A francesa Jeanne Bertin, figurinista de 42 anos que mora em Paris, notou "bastante" a diferença de comportamento entre suas amigas. "Hoje em dia, apenas duas pessoas do meu círculo de amizades continuam fazendo. Quando eu era adolescente, fazia topless o tempo inteiro. Mas à medida em que fui me tornando adulta, comecei a perceber a conotação sexual que podem ter os seios femininos e comecei a achar inapropriado mostrá-los na praia, por exemplo", diz.
No entanto, ela não considera que os seios à mostra das ativistas Femen nas ruas de Paris sejam algo erótico. "É completamente outra coisa, outro contexto. Os peitos estão de fora, mas não transmitem nenhuma sensualidade", avalia. "Não que o peito de um homem não possa ser sexy. Mas é diferente", afirma a francesa. "Outro fator que me fez parar de fazer topless foi a saúde, por causa da exposição ao sol. Os seios são afetados de maneira diferente pelos raios solares do que meus braços e meu rosto que estão mais acostumados. Acho que o medo do câncer de pele conta muito também", diz.
Jeanne relata também que este será o primeiro ano em que sua filha pré-adolescente, Stella, 13, irá à praia com seios já proeminentes. "Não vejo nela nenhum desejo de mostrá-los nesse momento", diz. "Existe também a questão do conforto, eu me sinto melhor na praia com o sutiã do biquíni, é mais prático. Tenho a impressão de machucar meus seios quando não uso sutiã".
No Brasil, país do fio dental, a eterna hostilidade com o topless
No Brasil, a experiência do toplessaço deu o que falar em 2013, quando cerca de 9.000 mulheres confirmaram presença nas redes sociais neste evento em Ipanema, no Rio de Janeiro, que exigia a autorização da prática do topless nas praias brasileiras. Segundo relatos de testemunhas, apenas uma dezena de organizadoras do evento teve coragem de tirar o sutiã do biquíni, na frente de uma multidão de curiosos e fotógrafos, majoritariamente homens.
Apesar do topless não ser proibido por lei no Brasil, a mulher que ousar tirar a parte de cima do biquíni pode ser multada, porque, segundo juristas, a definição de "ato obsceno" dá margem a todo tipo de interpretações.
Burkini, o "escândalo" do século 21 na França
Com a parte de cima do biquíni ou não, a roupa com que a mulher vai à praia continua causando polêmica na França: a nova pesquisa Ifop também mostrou que o burkini, traje de banho usado por muçulmanas, incomoda os franceses a ponto de ser o item apontado como o "mais constrangedor" a se ver numa praia (68%) ou numa piscina pública (78%).
A polêmica tomou tal proporção na cidade de Grenoble, no leste da França, que a municipalidade decidiu fechar as piscinas à população em plena onda de calor, que teve picos inéditos de 46° no verão francês, no fim de junho. Segundo informações do canal BFMTV, um grupo de pessoas chegou a prometer nas redes sociais que se banhariam "nus" se as nadadoras em burkini voltassem ao local.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.