Espanha: "lei trans" pode autorizar autodeterminação de gênero a partir dos 16 anos
A proposta preliminar de uma nova lei que visa a promover os direitos das pessoas transexuais está causando polêmica na Espanha. A chamada "lei trans", cujo rascunho foi distribuído pelo Ministério da Igualdade no começo deste mês, prevê a autodeterminação de gênero a partir dos 16 anos. Porém, divide opiniões dentro da própria coalizão de governo e enfrenta a resistência de parte do movimento feminista e de partidos conservadores.
Denise Menchen, correspondente da RFI em Madri
O rascunho da chamada "Lei para a igualdade real e efetiva das pessoas trans" traz mudanças importantes em relação à legislação atual. A principal é que as pessoas que não se identifiquem com o gênero atribuído a elas no nascimento possam solicitar a mudança de nome e sexo em seus documentos oficiais sem necessidade de um informe médico ou psicológico, algo que hoje é exigido.
Além disso, se o texto for aprovado, não será preciso passar por nenhum tipo de tratamento hormonal ou cirúrgico para a mudança nos registros. Desde 2007, a Espanha já dispensa a realização de cirurgias de mudança de sexo para esse trâmite, mas exige ao menos dois anos de tratamento hormonal prévio. Com a nova regra, bastará a livre declaração do interessado, desde que tenha ao menos 16 anos.
Essa também é a idade mínima para que a pessoa possa decidir sobre a realização de tratamentos hormonais cruzados, sem necessidade de consentimento dos pais. Antes dos 16 anos, pode ser feito um tratamento de bloqueio hormonal com a concordância da família.
Outro ponto importante é a possibilidade de eliminar totalmente a menção ao sexo dos documentos das pessoas com identidades não binárias, ou seja, que não se identificam nem como homem, nem como mulher ? ou então têm gênero fluido.
O texto prevê ainda uma série de medidas para a maior inserção das pessoas trans na sociedade, como incentivos à contratação e o respeito à expressão da identidade de gênero em escolas e outras instituições educativas.
Permite, também, que participem em competições esportivas e cumpram penas de restrição de liberdade de acordo com seu sexo de registro ? a não ser, no caso dos detentos, que considerem que isso possa colocar sua integridade em risco. Por fim, a proposta também inclui a garantia de acesso a tratamentos reprodutivos aos integrantes do coletivo trans que tenham capacidade de gestar.
Polêmica sobre a autodeterminação do gênero
No entanto, o projeto tem gerado polêmica. Um dos pontos de maior controvérsia é o da autodeterminação do gênero. O tema divide inclusive os dois partidos que governam em coalizão na Espanha: o Podemos, para quem a lei corrige uma dívida histórica, e o PSOE, do primeiro-ministro Pedro Sánchez, que teme efeitos negativos sobre os direitos das mulheres cisgêneros (aquelas que se identificam com o gênero atribuído ao nascer).
Há um temor de parte do movimento feminista de que as mudanças afetem conquistas históricas das mulheres. Pela nova lei, qualquer pessoa que se declare mulher passará a poder exercer os direitos inerentes a essa nova condição. Na visão de alguns setores, isso pode afetar políticas públicas que visam a corrigir a desigualdade de gênero, tirar os pódios de atletas mulheres cisgênero e levar a um mal uso da lei em benefício próprio.
Outro aspecto que gera críticas é o que diz respeito aos menores de idade. A partir de 16 anos, o adolescente terá a palavra final sobre como quer ser reconhecido. Na verdade, desde 2019 o Tribunal Constitucional já prevê a dispensa da autorização da família para a mudanças nos registros nos casos em que o adolescente apresente "maturidade" e "uma situação estável de transexualidade", mas agora isso estaria previsto de forma geral na legislação.
Além disso, menores de 12 a 15 que não contem com o apoio de seus representantes legais para fazer a transição poderão receber o assessoramento de um defensor judicial.
Etapas para a aprovação da lei
A tramitação da nova lei deve ser difícil. O primeiro passo é a aprovação da proposta pelo Conselho de Ministros, algo que o Ministério da Igualdade quer obter ainda neste mês de fevereiro. Representantes de outros setores do governo, porém, preveem uma demora maior nos pareceres e nas negociações de bastidores devido às discordâncias em torno do rascunho. Apenas depois da aprovação pelo Conselho é que o texto segue para votação no Congresso.
É interessante notar, porém, que oito comunidades autônomas da Espanha já reconhecem o direito à autodeterminação de gênero, entre elas Madri. Na Europa, são seis os países com legislação nesse sentido.
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