Brasileira está entre lideranças de grupo de mulheres pela paz em Israel
No dia em que seu primeiro neto nasceu, em 2014, a brasileira Tânia Harvaki, 69 anos, não conseguiu evitar o mesmo sentimento da época em que teve o seu primeiro filho, décadas antes. O de que seu neto, assim como a grande maioria dos jovens em Israel, teria que servir no exército israelense em 18 anos, e talvez tivesse que enfrentar uma guerra no fronte de batalha.
O temor de que algo aconteça com os filhos, principalmente homens que se alistam em unidades de combate, é comum entre as mães israelenses. Foi essa preocupação que fez com que a psicoterapeuta carioca buscasse uma maneira de tentar mudar essa realidade em Israel, quando recebeu a notícia de que seria avó pouco tempo depois de mais uma série de combates entre Israel e o grupo islâmico palestino Hamas, da Faixa de Gaza, há sete anos.
Ela buscou três palavras na internet: "mulheres", "política" e "paz". A busca a levou a um recém-criado movimento chamado "Mulheres Agem pela Paz", ou "Women Wage Peace", em inglês. Tânia, que vive em Israel desde 1970 e tem dois filhos, e atualmente três netos, decidiu que era a hora de se engajar.
O primeiro passo foi participar do evento de lançamento do movimento: uma viagem de trem com milhares de mulheres vestidas de branco até a cidade de Sderot, no sul de Israel, uma das mais afetadas pelos conflitos contra o Hamas.
"Eu entrei nesse trem e queria ouvir o que elas tinham para dizer", conta Tânia. "Achei que tinha muito a ver com o que eu estava procurando e resolvi me inscrever. E desde então eu sou ativa nesse movimento".
Hoje, Tânia é uma das maiores ativistas do "Mulheres Agem pela Paz", um movimento que começou com um grupo de mulheres, algumas com filhos soldados, que não conseguiam ver um futuro melhor para as novas gerações no Oriente Médio. Mas a ideia não era criar apenas mais um grupo pacifista, era a de estabelecer um movimento de mulheres diversas, com ideologias, extratos sociais e níveis de religiosidade distintos, para trabalharem juntas pela paz.
Elas foram influenciadas por alguns movimentos nacionais e internacionais criados por mulheres. Internamente, elas se inspiraram no grupo "Arba Imaot" ("Quatro Mães", em português), que, nos anos 1990, conseguiu influenciar a opinião pública pela retirada do exército israelense do sul Líbano após 18 anos de presença no país vizinho.
Internacionalmente, elas foram inspiradas pela ex-presidente de Libéria e ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 2011, Leymah Gbowee, que inclusive esteve em Israel em 2016, para ampliar a luta do "Mulheres Agem pela Paz"
"Nos ajudou muito saber que em uma guerra sanguinária, como foi a Guerra da Libéria, as mulheres conseguiram fazer um movimento que foi capaz de trazer a paz e novas eleições para o país, e que uma mulher foi eleita como presidente", conta a carioca. "Achamos que temos que fazer alguma coisa para modificar o que que está acontecendo aqui, porque já não é possível continuar com paradigma que violência traz violência. Violência se trata com violência maior."
O movimento em que Tânia ingressou acredita que mulheres têm um ponto de vista mais conciliador, mas que, apesar de serem 51% da população do planeta, suas vozes nem sempre são ouvidas nas tomadas de decisão. Elas seguem a Resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU, adotada no ano 2000, que reconhece o impacto desproporcional de conflitos armados nas mulheres e exige a adoção de uma perspectiva de gênero no que tange esses conflitos.
A ideia do "Mulheres Agem pela Paz" é incluir mulheres no governo e, especificamente, nos fóruns de tomada de decisão em momentos de tensão, sugerindo alternativas à guerra. O objetivo maior é ajudar Israel e os palestinos a chegarem a um acordo de paz que seja viável e respeitado pelos dois lados.
Hoje, o movimento tem mais de 47 mil inscritos, 90% deles mulheres, sendo que pelo menos 500 atuam ativamente. Tânia faz parte do chamado "Grupo das 100", com as líderes. Atualmente, a psicoterapeuta integra um comitê interno chamado "Equipe de relacionamento com palestinos", que justamente busca laços e diálogo com mulheres palestinas.
"Elas (as mulheres palestinas) querem as mesmas coisas que nós queremos: uma vida, um futuro para os filhos, que eles possam viver e estudar, dar uma boa vida para os netos. Elas querem fazer o que gostam, sair nas ruas. Tudo o que a gente gosta de fazer aqui", compara Tânia. "Elas querem uma vida como nós queremos, poder ir para a praia com os filhos, poder ir ao cinema e não ficar se preocupando com bombas e com guerras e com mortes de filhos, com soldados entrando na suas casas. Elas querem uma vida como qualquer mulher no mundo."
Em sete anos, o "Mulheres Agem pela Paz" já realizou diversos eventos impactantes, de passeatas a greve de fome, esta em 2015, em frente à residência do ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, em Jerusalém. Tânia Harkavi participou, fazendo greve de fome por três dias (não consecutivos) dos 54 dias do protesto. Isso mesmo estando em cadeira de rodas na época, porque havia passado por uma cirurgia na perna.
O próximo passo para o grupo é uma lei chamada "Alternativas políticas primeiro", que o movimento quer aprovar no Knesset, o parlamento israelense. A lei prevê a formação de uma espécie de comitê de notáveis, que teria como objetivo pensar em alternativas a situações de conflito, como o que aconteceu em maio deste ano novamente entre Israel e o Hamas. A ideia é que, antes de uma próxima guerra, esse comitê seja acionado para apresentar soluções, antes de qualquer passo em direção ao uso de armas.
"É como se nós tivéssemos feito um acordo tácito entre as famílias e o governo em que a gente, os pais, dizemos: 'olha, estamos mandando nossos filhos para o exército, mas temos certeza de que vocês vão fazer o possível para que não tenha guerra'", explica a brasileira. "Essa lei vai ajudar muito a não resolver rapidamente, na última hora, o que fazer. Ao invés disso, se sentar e pensar no que tem que ser feito e quais as alternativas que existem antes de entrar numa guerra".
Para Tânia, o "Mulheres Agem pela Paz" se tornou sua bandeira. Ela acredita na possibilidade de uma paz com a participação e a liderança de mulheres: "Sou uma pessoa otimista. Tenho às vezes os meus pensamentos, os meus medos, mas, no final das contas, eu acredito que isso possa acontecer. Já aconteceu em outros países, por que não vai acontecer aqui?".
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.