Contra onda conservadora, França quer incluir aborto como direito fundamental na União Europeia
A decisão da Suprema Corte norte-americana de retirar a garantia do direito ao aborto nos Estados Unidos acendeu o alerta para a fragilidade dos direitos femininos adquiridos nas últimas décadas no mundo. Em resposta, o governo francês pretende aprovar um projeto para incluir em sua Constituição o direito à escolha sobre a continuidade de uma gravidez. Mas o objetivo de Emmanuel Macron vai além: Paris quer incluir o direito na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia.
Ao assumir a presidência do Conselho da União Europeia, em janeiro, o presidente francês havia anunciado: "espero que possamos atualizar a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, especialmente para que seja mais explícito o reconhecimento do direito ao aborto".
A preocupação naquele momento era a Polônia, onde o Tribunal Constitucional limitou no final de 2020 o direito ao aborto apenas para casos de estupro, de incesto ou em que a vida da mãe estivesse em risco.
No entanto, a mudança da regra nos Estados Unidos escancarou a fragilidade desse direito conquistado. "Quando vemos os retrocessos que temos hoje, inclusive na Europa, com a extrema direita questionando este direito ao aborto, vemos a importância de inscrever este direito como fundamental", insistiu a primeira-ministra francesa, Élisabeth Borne, nesta quarta-feira (29).
O governo Macron deve colocar em pauta na União Europeia o debate sobre a atualização dos direitos fundamentais. Neste final de semana, o ministro francês para Assuntos Europeus, Clément Beaune, defendeu durante uma entrevista à televisão Franceinfo a inclusão do direito ao aborto como fundamental dentro do bloco, mas admitiu que o debate deve levar bastante tempo.
Entre os 27 países-membros do grupo, o direito ao aborto como uma escolha feminina é reconhecido em 23 Estados. Apenas Malta, Andorra e Vaticano proíbem completamente a interrupção da gravidez.
No entanto, o avanço do movimento conservador internacional coloca em risco os direitos femininos não apenas com mudança de leis, mas com decisões jurídicas e com alterações nas práticas.
"Nos Estados Unidos, no Brasil, na União Europeia, vemos movimentos ultra-conservadores se tornando cada vez mais poderosos e mais altos na hierarquia de poderes", destacou a deputada europeia Irene Tolleret (Renew Europe), membro do Comitê Feminino do Parlamento Europeu, em entrevista à revista Challenges.
A Polônia restringiu recentemente o acesso ao aborto em casos de feto com má-formação por decisão jurídica. A Hungria, governada pela extrema direita, tenta a todo custo colocar barreiras para reduzir sua procura, obrigando as candidatas a justificarem a escolha por uma "crise grave" e passarem por entrevistas com assistentes sociais antes de terem o direito garantido.
Direito fundamental
Mesmo na França, onde o direito ao aborto é garantido desde 1975, as mulheres começam a se preocupar. "A França não está isenta de retrocessos", afirma Tolleret.
"Estamos preocupadas com a ascensão do conservadorismo em nosso país, não apenas nos Estados Unidos", acrescenta Clémence Pajot, diretora da Federação Nacional de Centros de Informação sobre os Direitos da Mulher e das Famílias.
O projeto de lei para constitucionalizar o direito ao aborto deve ser apresentado para votação na Assembleia Nacional da França nos próximos dias, e tem apoio dos deputados governistas e de esquerda. Além disso, Marine Le Pen, a chefe do principal partido de extrema direita do país, afirma apoiar o direito.
Em uma entrevista ao jornal Figaro, Le Pen lembrou que o partido Reunião Nacional nunca foi contrário ao direito de escolha das mulheres, mas criticou a discussão apresentada pelo governo de Macron como uma estratégia diversionista diante de outros problemas no país.
No entanto, Marine Le Pen garante que a maior parte de seus 89 deputados deve votar pela constitucionalização do direito ao aborto na França.
Chile também discute o acesso ao aborto
A tentativa de inscrever o direito ao aborto como cláusula da Constituição também é a estratégia usada no Chile. A nova Carta Fundamental, elaborada por uma assembleia constituinte, traz essa proposta.
O texto será submetido a plebiscito no próximo dia 4 de setembro e, se aprovado, colocará o país latinoamericano na vanguarda do direito reprodutivo no mundo.
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