É bem verdade que a Residência Joseph Strick, na cidade de Santa Monica, California, não foi construída para ser tudo que Oscar Niemeyer originalmente pensou. Mas ele não foi o culpado - e muito menos seu cliente e amigo, cujo nome intitulou o projeto. O fato é que as cartas trocadas entre os dois, o vai-e-vem de desenhos técnicos, as sucessivas refações da ideia inicial e o resultado final da obra evidenciam e confirmam que o projeto é de Niemeyer, a despeito do que dizem alguns críticos de arquitetura.
A própria Fundação Oscar Niemeyer afasta a polêmica. Ela mantém em seu acervo uma cópia de reportagem publicada na revista norte-americana Arts Architectures, em setembro de 1964, em que o autor apresenta a evolução do projeto e os estudos desenvolvidos pelo arquiteto brasileiro, assim como trechos das cartas que trocava com Strick.
O ano do projeto, 1964, é atribuído com base em uma dessas cartas, em que Niemeyer menciona estar às vésperas de uma viagem a Gana, programada para março-abril daquele ano. Na conversa, ele adverte o amigo que, em função das várias modificações exigidas para o projeto, seria necessário alterar estruturalmente os esboços para a Joseph Strick House.
A matéria da revista Arts Architectures afirma que o grande problema em torno do projeto foi sua aprovação pelos órgãos públicos de Santa Monica, onde leis rigorosas engessavam e tolhiam o desenho de Niemeyer.
Implantação
O terreno, sobre uma espécie de costa íngreme ou falésia, com vista para um clube de campo, fica próximo às colinas de Santa Monica e essa ambientação foi ponto de partida para o desenvolvimento de um “layout” em dois patamares: um social, de estares e convivência, no próprio nível do terreno, e outro mais baixo, reservado e voltado para a costa, onde estariam os dormitórios.
A primeira solução arquitetônica colocava o jardim e o estar sob uma marquise de concreto flutuante e sustentada por delgados pilares – elementos típicos do modernismo brasileiro. Uma segunda proposta instalava uma alongada sala de estar limitada por vidros, como em uma caixa, que se estendia por todo o terreno e acompanhava o mesmo desenho anterior para área íntima.
Por razões que o autor da reportagem denominou “incompreensíveis”, o código de obras de Santa Monica proibiu dormitórios abaixo do nível principal do terreno – provavelmente tentando impedir que viessem a se tornar, mais tarde, pequenas unidades residenciais de locação, numa área nobre da Califórnia e onde estão parte das mais salgadas cotações imobiliárias dos Estados Unidos.
Uma terceira versão para o projeto (também de Niemeyer) jogou os quartos para o mesmo nível do jardim e área social envidraçada, mantendo apenas o dormitório maior, do proprietário, voltado à vista do clube de campo - mas essa proposta foi considerada inexecutável, desta vez, com veto do próprio cliente Joseph Strick.
Oscar Niemeyer sugeriu, por fim, que os vidros da área social ficassem “pendurados” em balanço, por um sistema de duas grandes colunas principais e vigas de concreto. O projeto final para a Joseph Strick House trouxe, também, todos os cômodos para o mesmo nível do terreno.
Projeto final
“De acordo com a reportagem da revista, Niemeyer pretendia criar um projeto simples e construtivo, econômico e maravilhoso”, relata o atual proprietário da casa, o designer americano Michael Boyd.
“O esquema final distribui a casa em ‘T’ e é bastante funcionalista. Partindo do princípio de que cortinas de vidro no living estariam penduradas em grandes vigas suspensas, ele deslocou todas as janelas piso-teto para o lado das montanhas, com folhas de vidro que chegam a cinco metros de altura na sala principal”, descreve o morador.
Para Boyd, morar numa casa projetada por Niemeyer é uma oportunidade única. Sua arquitetura cria um delicado equilíbrio de oposições que delineiam a essência do modernismo brasileiro: mecânico x orgânico, curvilíneo x retilíneo, funcionalismo clássico x biomorfismo abstrato, prático x exótico, sensorial x intelectual, sonho x realidade.
Assim, "a relação entre sistema estrutural, arquitetura e paisagismo – e seu contraste com a paisagem acidentada do entorno, tornam suas formas fluidas ainda mais evidentes”, finaliza o designer.