“Um mar de morros olhando para o vale”, assim o arquiteto Marcelo Ferraz define a paisagem que se contempla da casa Dom Viçoso. Situada em zona rural, distante apenas três quilômetros de Dom Viçoso, pequeno município no Sul de Minas Gerais, a morada está encravado na Serra da Mantiqueira.
A construção foi implantada em uma área ocupada por uma antiga fazenda de café e no alto do único platô da propriedade, conformado em meio ao terreno muito acidentado. “Dalí se descortina uma vista especial”, ressalta o arquiteto, lembrando que a imensidão permite ver à noite, bem ao longe, as luzes de São Lourenço e Caxambu, cidades próximas. Essas terras, propriedade do avô de Ferraz, estão ligadas à memória afetiva do arquiteto, que nelas passou sua infância.
Implantação
Para que a residência fosse erguida, uma ampla área retangular precisou ser nivelada com o emprego de muros de arrimo feitos de pedra. Enquanto a face leste da residência olha para o amplo vale, através das janelas dos quartos e da varanda da sala, a face oposta se volta, com seus avarandados, ao amplo jardim. “A paisagem manda muito no projeto, é o ponto alto da construção”, ressalta o arquiteto.
O conjunto é resguardado por muros de concreto ciclópico, que também envolvem um terreiro e uma antiga construção de pequeno porte, hoje adaptada como casa de hóspedes.
O desejado aconchego
A casa configura-se de forma moderna em dois blocos volumetricamente diferenciados e funcionalmente distintos: um salão de formato quadrado (8 m²) para os ambientes de convívio e cozinha e outro, retangular onde ficam as três suítes. Dispostos segundo um eixo longitudinal os volumes são interligados por um passadiço envidraçado, articulação que, segundo o arquiteto, corresponde a uma pequena sutileza, a de ligar e distanciar ambientes íntimos e sociais.
Por ser uma casa de fim de semana, está focada na simplicidade – as paredes são em alvenaria comum, caiadas de branco - e nessa paragem, acima de tudo privilegia-se o aconchego. O salão tem recantos muito agradáveis, como a cozinha com o fogão a lenha. É em volta dele que a família e os amigos se reúnem, não só pelos quitutes ali preparados: na zona rural, especialmente na época de frio, o fogão é aceso pela manhã e assim permanece durante todo o dia. Nesta morada, apesar de haver uma lareira – aliás, de grandes dimensões –, é o fogão que comumente aquece a sala.
Outra presença imprescindível ao aconchego do interior é a do forno caipira, instalado na varanda. Nele a família do arquiteto dá vida a uma tradição: “A de assar uma leitoa inteira, um carneirinho... deixar o forno umas três, quatro horas esquentando, sempre com o propósito de agregar as pessoas, sendo a comida o ponto de união”, conta Ferraz.
Princípios construtivos contemporâneos
A obra aconchegante e simples se configura como uma construção contemporânea. Ela foge à “ideia de que uma casa no campo tem que ter telhado”, como observa o autor. Contrária a esse pressuposto, a residência nasceu com laje de concreto armado e vigamento invertido.
Sobre o teto, a utilização de uma pequena camada de água, pedra, areia e terra permitiu o brotar de grama, ou melhor, “uma verdadeira cabeleira”, como diz Ferraz. É importante observar que tal sistema, aparentemente inadequado por dispensar impermeabilização, proporciona alto grau de conforto e não apresenta risco algum de infiltração.
A racionalidade também se apresenta na já citada e deliberada separação entre os dois blocos. Contrastando com as superfícies cegas e maciças desses volumes, o passadiço é ladeado e coberto por vidro e tem piso de pedra, como se fosse “externo”. O acesso, todavia, tem um aspecto lúdico: “quando você sai da sala e vai para os quartos, em dia de chuva, é como se estivesse atravessando a tempestade”, comenta o arquiteto.
Soluções peculiares nas varandas
Áreas de extrema importância no conjunto, as varandas contam também com uma particularidade: suas pequenas lajes (2,5 m de largura), são sustentadas por tirantes ligados à laje principal e estão levemente apoiadas em colunas de eucalipto. Tal solução, pouco usual, mostrou-se eficiente, bastando colocar um pino na base do apoio de pedra, isolando a madeira do chão e assim evitando seu apodrecimento pelo respingo das chuvas. “Trata-se de uma técnica japonesa antiquíssima”, reforça Ferraz.
Na varanda dos dormitórios porem, foram utilizados painéis de elementos vazados de concreto e vidro, de forma a criar um espaço peculiar: um corredor que permite vislumbrar a paisagem.
Rigor x improviso
Desse conjunto de decisões, o arquiteto concluiu que “foi muito importante trabalhar com rigor projetual, mesmo em se tratando de uma obra na zona rural”. Pois tal experiência, no seu juízo, “quebra o preconceito de que, por ser em uma área carente de recursos, a construção dispensa o cuidado formal, cedendo espaço à improvisação”.
E tudo isso foi possível realizar com a mão de obra local, gente que nunca tinha trabalhado com concreto ciclópico e muito menos com o armado. Foram pedreiros que, por assim dizer, se formaram na obra, agregando-lhe um inestimável valor.