Depois do não, tudo é estupro?
Para um grupo de juízes de Brasília, depende.
Ao absolverem um réu contra quem 12 mulheres registraram queixa por violência sexual, os magistrados entenderam que não há estupro caso a vítima não mostre reação física "séria, efetiva" e com "rebeldia" —dizer não, portanto, é insuficiente.
Tampouco consideraram estupro o homem ter esfregado o pênis ereto numa mulher enquanto ela dormia, pois não houve penetração. E um juiz perguntou a uma denunciante se ela dormia nua, de pijama ou de calcinha.
O réu é Gabriel Ferreira Mesquita, 38, dono do bar Bambambã, na Asa Norte da capital federal.
Em janeiro de 2020, uma mulher postou um relato no Facebook: "Faz dois anos, um mês e quinze dias que eu tive uma noite que iria mudar tudo na minha vida." E narrou um episódio de violação sexual sem detalhes nem nome do agressor, identificado apenas como dono do bar que ela frequentava.
Seguiu-se uma enxurrada de comentários de mulheres reconhecendo o modus operandi e dizendo terem passado pelas mesmas situações, entre 2014 e 2018, com a mesma pessoa. Doze delas se juntaram e, em fevereiro de 2020, o denunciaram na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher 1 do Distrito Federal. Sete denúncias prescreveram.
Mesquita foi denunciado pelo Ministério Público do Distrito Federal e virou réu nos outros cinco casos. Desses, dois já tiveram julgamentos, e ele foi absolvido em ambos. O MP-DFT recorreu. Em um, a vítima e suas advogadas foram ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra os desembargadores, por ofensa à dignidade sexual da mulher.
A reportagem procurou, por e-mail, os advogados de Mesquita, Raíssa Isac e Bernardo Fenelon. Eles foram questionados sobre todas as acusações citadas ao longo deste texto e responderam com uma nota afirmando que "o 1º Juizado de Violência Doméstica, bem como a 3ª Turma Criminal do TJ-DF, julgando as provas e os fatos em si, acertadamente reconheceram a absolvição, reconhecendo a atipicidade das acusações, ou seja, que os delitos jamais foram praticados". Dizem ainda que "o Judiciário do Distrito Federal está fazendo justiça".
A defesa também foi questionada sobre os outros três casos em que ele é réu e afirmou que, "por respeito ao Poder Judiciário" não vai se manifestar. Afirmou ainda que ele já sofreu um julgamento nas redes sociais e que as vítimas estão pautadas por "um interesse na condenação de Gabriel", mas não disse que interesse seria esse.
CNJ, TJ-DF e 3ª Turma Criminal foram procurados para comentar as decisões judiciais. O primeiro órgão se limitou a confirmar a tramitação da queixa contra os desembargadores. Ao segundo, foram enviadas seis perguntas sobre os pontos abordados neste texto, mas a resposta foi de que "o magistrado não comenta decisão judicial por vedação legal".
A secretaria da 3ª Turma Criminal recebeu oito perguntas, e disse, por meio de nota, que "no que tange às várias indagações acerca do conteúdo do documento que lhe foi disponibilizado por terceiros, não temos como responder suas dúvidas". "Por se tratar de um documento em segredo de Justiça somente poderíamos confirmar sua veracidade para pessoas regularmente cadastradas no processo", afirma a nota.