DONA DO SET

Simone Oliveira, executiva da Globo Filmes, quer audiovisual com olhar mais feminino e relembra Paulo Gustavo

Cláudia de Castro Lima Colaboração para Universa Lucas Seixas/UOL

Simone Oliveira perdeu as contas dos filmes que viu na vida. Só em seu currículo de mais de 20 anos na indústria audiovisual, a atual head da Globo Filmes contabiliza a promoção ou produção de pelo menos 400 longas-metragens. Estão aí grandes sucessos como "Homem-Aranha", "Men in Black", "Minha Mãe é Uma Peça", "2 Filhos de Francisco" e "O Auto da Compadecida".

Sobre estes três últimos, Simone fala com especial carinho. "O Paulo Gustavo era genial, entendia do roteiro até o figurino. De '2 Filhos' participei de todas as fases do projeto, foi um marco", diz ela, sentada justamente em frente a um pôster do longa que conta a história dos músicos Zezé di Camargo e Luciano. "E 'Auto' foi o filme que mais vi na vida, umas 20 vezes. Falo junto com os personagens", ela ri.

Cinéfila, Simone passou a infância toda em Curitiba (PR) dizendo que seria médica — queria agradar o pai, cujo maior lamento foi não ter estudado medicina. Mas os testes vocacionais que fazia teimavam em contrariá-la. "Todos apontam para a comunicação", conta. Acabou se rendendo ao talento e fez publicidade na USP (Universidade de São Paulo). O país pode ter perdido uma profissional de saúde, mas a Globo ganhou uma expert em conteúdo audiovisual.

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Três lições para quem deseja ser líder

O importante é trabalhar com paixão, gostar do que você faz. Para mim, assistir a um filme não é só trabalho, é diversão também

Sobre escolher bem a área

Ouça muito sua equipe, aprenda com quem você trabalha, de todos os ângulos que as pessoas estejam: acima, abaixo, do lado

Sobre desenvolver uma escuta ativa

Leia tudo sobre tudo. Isso vale para qualquer coisa, qualquer carreira, mas especialmente para a área de comunicação

Sobre sempre procurar aprender

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Pela primeira vez, só mulheres no comando

Em 2020, ao lado de outras três profissionais mulheres — a saber: Carolina Rapp (gerente de produção), Cristiana Cunha (gerente de marketing) e Maria Carneiro da Cunha (gerente de planejamento) —, Simone foi convidada a formar uma inédita equipe de liderança feminina na Globo Filmes.

A executiva conta que, como um reflexo da própria sociedade, o universo audiovisual ainda é bem masculino — e machista. "O mercado de cinema tem muitas produtoras e donas de produtoras mulheres, mas poucas distribuidoras, por exemplo", conta. "Em uma reunião só com homens, a mulher de vez em quando era considerada quase como a secretária, alguém que estava lá para fazer a ata."

Segundo ela, esse movimento da Globo Filmes de busca por diversidade ajuda na transformação do mercado como um todo.

Esse time feminino tem um olhar no qual eu vejo muita diferença. É um olhar muito 'ganha-ganha'. Não entramos em uma negociação daquele jeito que me parece muito masculino, em que um lado precisa sair ganhando e o outro, perdendo.

Ela afirma que, especialmente neste momento de pandemia, ter essa visão foi essencial. "Não adianta pensar que é preciso resolver só para a gente, enquanto o mercado passa pelas dificuldades dos cinemas fechados e de não estar produzindo", diz. "Não é que a negociação seria mais fácil para o lado de lá porque somos mulheres, mas a gente não busca só o nosso lado. E os homens parceiros foram entendendo isso."

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"Meu pai era de família pobre e ensinou importância de buscar conhecimento"

A educação formal teve bastante peso para Simone, que se diz "muito CDF". "Meu pai veio de uma família bem pobre, já a da minha mãe é de classe média baixa. Mas teve algo que eles sempre fizeram questão: eu e meus dois irmãos tínhamos que estudar no melhor colégio da cidade", diz.

"Se meu pai, que não teve nada do que tive, foi muito bem profissionalmente, eu, que tinha esse suporte, precisava me dedicar." Mais tarde, ela investiu em uma especialização na New York Film Academy, nos Estados Unidos, e em um MBA no Ibmec,. "Senti falta de ter essa educação na área de gestão, porque a universidade de comunicação não traz isso."

Enquanto estudava, Simone fez um estágio curto na "Folha de S.Paulo" e um mais longo, na Credicard. "Foi lá que comecei a trabalhar com marketing." Quando acabou a universidade, voltou para Curitiba, onde ficou "meio sem rumo por uns meses". Lembrou-se então de uma executiva da Sony com quem tinha conversado rapidamente certa vez, em um almoço com uma amiga da faculdade que trabalhava lá.

"Ela tinha comentado que a empresa contava com pessoas em várias partes do Brasil para fazer as campanhas locais de promoção dos filmes. Fiz um estudo do tamanho do mercado de Curitiba e resolvi ligar para ela e sugerir que fizesse isso por lá." Deu certo. "Fiz os lançamentos de alguns filmes internacionais e do 'Castelo Rá-Tim-Bum', meu primeiro nacional. E então fui convidada para uma vaga que tinha sido aberta no Rio de Janeiro de supervisão de promoção à imprensa."

Ela se mudou para o Rio e começava aí uma extensa carreira na produção de longas nacionais.

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Para ver os projetos na telona, aprendeu a correr atrás do dinheiro

Ela conta que uma das melhores coisas em se trabalhar com produções originais, além da parte criativa, é não ter que prestar contas aos gringos. "A gente tem muito mais liberdade ao trabalhar porque os talentos estão ali, não vem tudo pronto, cheio de regras."

Ao perceber que fazer cinema era sua paixão, direcionou a carreira para grandes produtoras nacionais como a Conspiração — foi lá que ajudou a botar de pé o filme "2 Filhos de Francisco", de Breno Silveira, entre outros projetos. "Lá, meio que por necessidade, comecei a atuar também na área comercial, e isso me deu uma visão um pouco diferente de buscar patrocínios, de estar mais dentro das empresas atrás dessas ideias."

Em 2009, ela entrou para a Globo Filmes. "Vim como gerente de produção, porque era a vaga que tinha. Passei realmente a analisar roteiros, trabalhar com os diretores antes de o filme estar pronto, o que era novidade." Aquilo ajudou Simone a entender que ela também tinha afinidade com a área artística.

Na Globo, ela ainda se envolveu com gestão, o que acrescentou novas competências a seu currículo. Tanto que, quando o gestor dela saiu da empresa, no começo de 2020, Simone já estava pronta para assumir seu lugar. "Foi um passo novo. Assumi em janeiro, fiz todo um novo planejamento do que a gente pretendia nos próximos anos. E, em março, veio a pandemia."

Com a covid-19, os cinemas foram fechados — e os planos da executiva tiveram que ser adaptados

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"Pandemia tirou o sono: tínhamos 60 filmes para lançar"

A Globo Filmes tinha uma série de longas prontos para serem lançados antes da pandemia. "São 150 projetos já contratados, em todas as fases. Em produção mesmo, para serem lançados, são uns 60 filmes", diz. "Quanto sono o fechamento dos cinemas nos custou."

Com os consumidores em casa, mas com a maior parte do faturamento vinda dos cinemas, Simone e sua equipe tiveram que pensar em novas estratégias de negócio. "A concorrência sempre fez muita oferta pelos nossos filmes. Isso não era uma coisa com a qual a gente tinha se preocupado antes. Tínhamos preferência em contrato e tudo bem, mas, de repente, isso passou a ser uma questão."

Foram muitas reuniões de renegociação para manter as produções da Globo Filmes no próprio Grupo Globo, para serem disponibilizadas pelo serviço de streaming Globoplay ou em canais como Telecine. Agora, com a reabertura das salas, há uma fila de filmes para serem lançados. "Acreditamos que essa janela do cinema é muito importante para o resultado do filme, para o diretor e para criar uma carreira da produção."

O atual momento do audiovisual no país, com a falta de incentivo do governo federal, deixa a situação mais desafiadora. "Pegamos realmente uma tempestade perfeita", conta Simone. "A Ancine [Agência Nacional do Cinema] diminuiu o ritmo, o FSA [Fundo Setorial do Audiovisual] já estava parado desde 2018. Temos dificuldade para liberar a verba dos projetos."

A solução encontrada foi buscar financiamento dentro da própria empresa. "Com uma só Globo [projeto que unificou todas as empresas do Grupo Globo], temos parceiros muito fortes tanto na TV aberta quanto no Globoplay, no Telecine e no canal Brasil querendo investir em cinema", diz. "Estamos fazendo novos modelos de produção. Não é o ideal, mas ao menos a roda continua a girar."

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Uma mina puxa a outra

  • Em sua trajetória, quais mulheres serviram de inspiração?

    Minha primeira chefe, a Telma Gadioli, diretora de marketing da Sony, era uma pessoa que tinha entrado na empresa como secretária e crescido muito, feito uma carreira. E conhecer essa história no início da minha trajetória foi inspirador. No estágio na Credicard também tive chefes mulheres que eram executivas superfortes no mercado financeiro.

  • Como líder, o que você faz aí para puxar outras mulheres?

    Somos um time só de executivas mulheres que se preocupa com a evolução de outras e com diversidade, inclusive nos filmes. E não apenas para a equipe de filmagem ser diversa, mas também para entender se as produções não estão reproduzindo estereótipos. Vimos que estávamos fazendo muito filme de diretor homem, sob a ótica masculina, e pensei: 'epa, tem algo errado aqui'.

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