Tem muitos gestores que alegam ser difícil contratar negros porque, até por causa da falta de oportunidades, não encontram perfis qualificados no mercado. O que você pensa em relação a isso?
Em resumo, posso dizer que eu já contratei pelo menos quatro pessoas negras no Google, que é uma empresa supercriteriosa com seleção de candidatos. Essa narrativa de que não existe gente qualificada ou que precisamos descer a barra para contratar profissionais negros é uma questão, na verdade, de investimento do gestor e de quem contrata.
A gente pode ir pelo caminho fácil: quero contratar agora e vou contratar pessoas que são parecidas comigo. Ou você pode fazer um investimento de tentar entender se existem outros profissionais que podem trazer um benefício para a sua organização.
Recentemente, fiz um mestrado em Psicologia Organizacional na Universidade de Columbia, em Nova York, uma das mais renomadas do mundo e onde o Obama estudou. Uma coisa superimportante foi entender mais sobre diversidade: de raça, de gênero. Estudamos vários livros e artigos e vi que, na verdade, a diversidade traz conflito para a dinâmica de um time. E esse conflito é bom porque quando todo mundo pensa igual a capacidade de inovar é menor.
A gente continua fazendo a mesma coisa do mesmo jeito porque não vê outra alternativa. Já os conflitos fazem com que as pessoas cresçam porque favorece o feedback. As pessoas começam a questionar também a própria atuação delas, a performance. E isso dá a elas a ansiedade de continuar se especializando, de continuar aprendendo mais. E, claro, traz uma grande vantagem competitiva para a empresa, para o próprio time.
As empresas precisam ter políticas de inclusão?
Sim, absolutamente. A gente tem uma história de opressão no Brasil que é uma coisa que todo mundo precisa entender. A gente fala bastante sobre a meritocracia - que, trabalhando muito duro, as pessoas conseguem. Com certeza trabalhando muito duro elas conseguem, mas elas precisam ter a oportunidade para conseguir trabalhar duro. Elas precisam ter mentoria, ter pessoas que possam ajudar elas a crescer e a entender como vão trabalhar duro para chegar lá.
Se uma pessoa cresceu num ambiente em que o pai, mãe ou familiares sempre tiveram trabalhos menos valorizados, vai ser muito difícil ela ter até aspiração de um dia construir uma carreira de sucesso. As empresas e os gestores precisam entender isso. Não é questão de baixar a barra. É questão de ter uma dívida histórica com os negros do Brasil por causa de quase quatro séculos de escravidão que a gente sofreu e de termos sido o último país a eliminar a escravidão no mundo.
Você fica cansada de explicar isso ou de lutar o tempo todo para conquistar espaços?
Cansa bastante. Aqui nos Estados Unidos, e no Brasil também, já estamos numa narrativa de que é importante que a sociedade em geral - e os brancos, principalmente - se eduquem com relação a isso. Muita gente está fazendo esse trabalho de educação aí no Brasil, de graça até nas redes sociais. E tem livros importantíssimos como o recente da Djamila Ribeiro, O Pequeno Manual Antirracista, superdidático, simples de ler.
É um trabalho cansativo porque, na verdade, o problema da situação dos negros no Brasil hoje, que é consequência da escravidão, não é um problema dos negros - é um problema dos brancos. Isso tudo começou a partir da colonização que escravizou os negros africanos e os locais indígenas. Então, é um problema de toda a sociedade. Cansa e eu acho que é importante que as pessoas tenham vontade de tentar entender isso para que a gente tenha uma sociedade mais harmônica. No fim das contas, ninguém está querendo guerra.
Me incomoda, aliás, ser chamada de guerreira. Eu estou aqui trabalhando, tenho que me esforçar o dobro, o triplo para poder conseguir vitórias na minha carreira. E a gente não pode dizer: "Olha, a Bibiana conseguiu, todo mundo que tem o mesmo perfil vai conseguir". Primeiro porque nem todo mundo tem a mesma aspiração. Segundo porque cada um tem suas próprias lutas, sua própria história. Na verdade, as pessoas precisam de oportunidades, e não de precisar trabalhar duro como a Bibiana para que elas consigam ser alguém na vida. É preciso menos mulheres como eu que dão duro, porque isso tem aos montes, e mais pessoas que dão oportunidades.
Qual a importância, para meninas negras no Brasil, de você ter chegado onde chegou?
Sei que tenho uma responsabilidade muito grande em continuar inspirando essas pessoas, em ser um modelo. Um dos meus sonhos é um dia ter uma organização para que eu possa capacitar meninas para serem líderes e oferecer a elas aulas, mentoria, para elas se espelharem não só no meu trabalho, mas no de outras mulheres também, negras ou não. Para elas verem que, sim, é possível. Quero continuar inspirando principalmente meninas negras, meninas que não tiveram uma estrutura familiar, que não tiveram exemplos, para que elas vejam que é possível galgar uma carreira profissional dentro de grandes empresas.
Acho que faço um trabalho também dentro da empresa de tentar conscientizar outros gerentes com relação a isso. Antes eu era calada, mas hoje, nas reuniões, eu falo, trago essa questão, questiono, pergunto por que está sendo feito daquele jeito, por que não está tendo inclusão, por que a gente não está criando oportunidades para outras pessoas. Minha responsabilidade também é de usar o meu lugar na mesa para trazer esses questionamentos.