Mensagem de uma CEO chinesa

Joyci Lin, da GO Eyewear, maior produtora de óculos de luxo, teve bazar xing ling e hoje lidera 600 pessoas

Paulo Gratão Colaboração para Universa Simon Plestenjak/UOL

De hora em hora, mais ou menos, o celular de Joyci Lin, a mulher tida como a mais poderosas da indústria ótica do país, dispara um alarme para lembrá-la de ter "cuidado com a precipitação". E o aviso vale para o trabalho e para a vida pessoal. "Quero resolver tudo rápido. Às vezes, começo a ouvir um áudio de dois minutos, e já vou pedindo informações, antes de ele acabar, sendo que a resposta para elas estava na segunda parte da mensagem. Isso acontece comigo o tempo todo; e no ambiente de trabalho, principalmente, é extremamente prejudicial".

Nascida em Wenzhou, a chinesa Joyci Lin, CEO da GO Eyewear, empresa que fabrica os óculos vendidos em 12 mil óticas do Brasil, entre eles, os gigantes Cartier Lunettes, Gucci, Bottega Venetta, Puma, Alexander McQueen/McQ, Stella McCartney, Speedo e Ana Hickmann, conta que, há alguns anos, o mesmo alarme era programado para desviá-la da distração, problema já superado, segundo ela.

A empresária de 43 anos veio para o Brasil aos sete, com os pais, e, desde o começo, já os ajudava no Bazar Ling Ling, lojinha de produtos variados que tinham no Rio de Janeiro. "O sonho de todo chinês da parte oriental era se mudar para uma terra que tivesse liberdade", diz ela, explicando a migração. Fluente em um dos 100 dialetos chineses, mas evidentemente sem falar português, ela entrou em um colégio público e rapidamente virou a tradutora dos pais. Com a experiência de fazer de um tudo no bazar - contas, telefonemas, pagamentos e muito mais - aos 20 anos, abriu seu primeiro bazar de traquitanas chinesas. Rapidinho, eles viraram quatro. Mas quebraram.

Joyci resolveu vir para São Paulo com o marido e as duas filhas. E estudar mais. Formada em Administração de Empresas, fez um MBA Executivo. Aos 29 anos, começou a trabalhar na GO Eyewear, na equipe que conduzia a transição familiar da empresa. Em quatro anos, se tornou a primeira mulher CEO no segmento ótico brasileiro.

Hoje, a empresa é nove vezes maior desde que ela se tornou presidente. O negócio cresceu, em média, 30% todos os anos. Em 2014, a CEO investiu R$ 30 milhões em uma fábrica, localizada em Palmas, no Tocantins, para acabar com a dependência de produtos importados. Suas primeiras férias --da vida --ocorreram só em 2009. "Não sou uma líder democrática", diz ela. "Líder que é democrático demais se isenta da responsabilidade e se ampara no 'venceu a maioria'". Conselhos de uma CEO chinesa bem conhecida.

3 dicas para quem quer ser chefe

Não sou uma líder democrática. Tomo decisões, e isso envolve riscos. Líder que é democrático demais se isenta da responsabilidade e se ampara no "venceu a maioria".

Joyci Lin

Os membros da corporação têm sentimentos, pensamentos e problemas. Não se pode dragar o indivíduo como profissional e o cuspir como pessoa.

Joyci Lin

Ouço os conselheiros, um advogado de fora, uma coaching e um reverendo da igreja anglicana. A multidão de conselhos dá a sabedoria de reter o que é bom, entender o que é ruim e ponderar.

Joyci Lin

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Como foi, ainda pequena e sem falar a língua local, morar e trabalhar no Brasil?
Eu cheguei com sete anos e me dividia entre as aulas de manhã, onde aprendi o português, e o bazar dos meus pais à tarde. Fazia tudo para eles que, claro, não entendiam a língua. Eu era a tradutora deles. Atendi ao telefone, ia aos bancos, preenchia cheques e também cuidava das importações, preenchendo papéis ou escrevendo as notas fiscais na máquina de escrever.

O que aprendeu trabalhando no varejo que trouxe para sua vida profissional?
A maioria dos profissionais que trabalha em empresas têm uma área específica: financeira, RH, estoque, compras, por exemplo; então, a área de abrangência desses profissionais é restrita. No varejo, é preciso tratar com todos os aspectos da "corporação". Temos que que lidar com pessoas - não só clientes, mas colaboradores; e tivemos, por exemplo, quem nos roubou e cometeu fraudes --, funcionar sob os aspectos da política e economia brasileira --ambiente altamente hostis ao empresário --- e trabalhar de domingo a domingo: não tem férias, não tem feriado e perde todos os aniversários. Eu trabalhei todos os dias até às 23h; e isso só parou depois que me tornei mãe pela segunda vez (eu tinha duas babás e não acompanhava a vida das meninas) e migrei para a indústria. Nesse ambiente, o trabalho é de segunda a sexta-feira. Quando há viagens, elas são mais programadas. Consigo ter respiros e mais qualidade de tempo com minhas filhas.

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Como começou na empresa e, em apenas quatro anos, e aos 33, virou sua CEO?
Quando cheguei a São Paulo, o CEO da GO precisava de alguém que entendesse de importação, de finanças e que conversasse com os chineses. Fui então chamada para ser a diretora financeira da empresa. Um ano depois de virar executiva, me inscrevi num MBA do Insper e, nos outros quatro, participei de quase todas as áreas da GO, logística, RH, financeiro e administrativo, por exemplo. Meu então chefe foi para outra empresa e o conselho da empresa entendeu que eu poderia ficar interinamente no cargo. Quando era nova, eu era medrosa, mas a vida nos empurra. Como imigrante, você não tem muita opção. Tive que encarar.

Quais foram os primeiros desafios na função?
O primeiro foi me ver chefe dos meus antigos pares. Toda medida requer respeito para não causar nenhum tipo de melindre. Comecei fazendo a redefinição da missão, visão e valores da empresa e, depois, um plano de integração com cada diretoria. Os que não se sentiram alinhados tiveram a liberdade de se manifestar para tentarmos fazer substituições. Nesse período, precisei aprender bastante sobre relacionamento com pessoas. No início, por exemplo, eu tinha dificuldade de decorar nomes. E as pessoas sabiam o meu, por ser mulher, o que era incomum para elas, e por ser oriental, o que marca mais ainda. Além disso, levou um tempo até eu não me intimidar por ser jovem. Na época, eu tinha 33 anos e um homem de 50 falava, facilmente: "vem cá, minha filha".

Como você se posicionava?
Aprendi isso tendo que diminuir meu lado maternal. O ambiente de trabalho tem que ser construtivo --não hostil - e eu tinha medo de deixar o lado mãezona atrapalhar quando queria ser firme ou passar a impressão de que eu era amiga deles e, por isso, podiam faltar e não cumprir as obrigações. Tive e tenho que trabalhar um equilíbrio. Ao mesmo tempo, não se pode ignorar que os membros da corporação têm sentimentos, pensamentos e problemas. Não se pode dragar o indivíduo como profissional e o cuspir como pessoa.

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Em poucas palavras, como você se caracteriza como CEO?
Eu falo que não sou uma líder democrática. Tomo decisões, e isso envolve riscos. Líder que é democrático demais se isenta da responsabilidade; se ampara no "venceu a maioria". Eu prefiro tomar a responsabilidade a me eximir. Mesmo em uma eleição, após o término, o governante tem que tomar as decisões mais sábias e não consultar o povo a todo momento. A democracia, às vezes, é burra.

Você participa das seleções para cargos de chefia?
Sim. Demanda tempo, mas não tem problema. Quero saber, primeiro, se a pessoa tem caráter. Esse tipo de problema não se conserta em ambiente de trabalho. Se gostamos, mas a pessoa precisa de alguma qualificação, treinamos. Eu me apresento como a CEO, tenho uma conversa tranquila e clara para ver se os resultados dos testes de comportamento que o entrevistado fez previamente são congruentes com o que estou vendo.

Qual é o seu carimbo no jeito de mandar?
É o combinado não sai caro. Desde o primeiro dia de trabalho, eu já falo: "olha meu querido, vamos combinar como vai ser". Os primeiros 90 dias são fundamentais para fortalecermos esse acordo. Também sempre deixo claro que não estamos reprovando a pessoa e sim a qualidade do trabalho dela. A liderança não foi feita para mandar, foi feita para conduzir, dar o norte.

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Ao que atribui o crescimento da GO Eyewear em nove vezes desde que você virou a CEO da empresa?
Estratégias acertadas, como a termos aberto o leque. Compramos marcas, investimos numa fábrica em 2014 (R$ 30 milhões, em Palmas, no Tocantins), capacitamos a mão de obra da região, demos aula de comportamento e planejamento familiar e financeiro. Enquanto muitas empresas concorrentes enxugaram e passaram a vender apenas on-line, nós adotamos a tática da presença: estávamos na porta do cliente. O olho no olho traz confiança e, acreditamos, fideliza. Enviamos representantes para todos os pontos de venda, fazemos visitas, levamos catálogos e apresentamos os lançamentos. Este ano, devemos crescer mais de 15%. E o mercado ótico, como um todo, 10. Quando assumi, a empresa tinha 120 funcionários. Hoje são cerca de 600.

Quais foram os maiores erros que cometeu como chefe e o que aprendeu com eles?
Errei no que se referia a notícias ruins, por exemplo. E aprendi que elas devem ser passadas apenas para seu time de líderes --ele possui estômago para digeri-las e pode tomar medidas corretivas. Para os demais, especialmente, os operacionais, que não foram treinados para situações de crise, devemos passar que aquela questão é necessária para manter a cooperação, por exemplo. O auxiliar de uma planta de fábrica não precisa saber que vai faltar óleo para o motor da máquina na semana seguinte. Ele nada pode contribuir para modificar a situação e a notícia pode desequilibrar a produtividade e o bem-estar dos colaboradores.

Quem são as pessoas que você ouve na hora de tomar decisões delicadas?
Os conselheiros, que na maioria são mais maduras e têm experiências diversas, um advogado de fora da empresa, uma coaching e um reverendo da minha igreja, a anglicana. A multidão de conselhos dá a sabedoria de reter o que é bom, entender o que é ruim e ponderar.

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Na sua área, é vantagem ser uma chefe mulher?
Não, especificamente. Mas, internamente, as mulheres contribuem muito quando pensamos em eventos, campanhas e lançamentos. Nos testes de inteligência emocional que aplicamos nas equipes de liderança, vemos que as mulheres se colocam mais facilmente no lugar do outro. Talvez por isso, elas consigam se colocar melhor no lugar do cliente e pensar em boas estratégias para essas campanhas e lançamentos. Nossa equipe de diretores é formada por cinco mulheres e sete homens. Os homens, na minha observação, são mais analíticos. O equilíbrio e diferentes mentes trabalhando juntas geram decisões e ações mais plenas.

Em que outros lugares da empresa, vê diferenciação por gênero nas funções?
Na nossa área comercial, 95% dos representantes de campo são homens. Eles viajam muito, e a sociedade exige menos a presença dele em casa do que da mulher. Também acredita que a mulher, por ser mãe, tem menos tempo disponível.

Na sua experiência, mostrar fraqueza ajuda ou atrapalha?
A pessoa que tem medo de demonstrar fraqueza é insegura e, por isso, teme perder sua posição. Eu não tenho vergonha alguma de perguntar o que não sei. O administrador tem que ter uma fotografia macro das coisas, mas é impossível ter a micro. Preciso das pessoas. Além disso, se eu tentar esconder minhas falhas, minha equipe também vai fazer isso. Pior fim, a energia que se gasta para fingir algo é muito alta e gera desgastes. É muito mais verdadeiro dizer para o chefe que faz o trabalho em menos tempo do que o expediente. Hoje tem câmera em todos os lugares, os chefes fingem que não veem, e isso não gera um ambiente construtivo.

Qual você considera ter sido seu principal feito como líder?
Construir um time leal e engajado. Até brinco com eles que no dia que mudarmos de empresa, vamos todos juntos. Não é com salário que se troca as pessoas. Tive gente do time que recebeu proposta para ganhar 50% a mais em outros lugares, não foi e não usou isso para me pedir promoção. Simplesmente porque nem me contou. Fui saber do caso só depois. Mas essas pessoas, ao longo do tempo, cresceram tanto aqui, que triplicaram seus ganhos.

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