Mulher-maravilha, eu?

Diretora de marketing da Moove, Mara Pezzotti rejeita a ideia de perfeição e quer humanizar a liderança

Marcelle Souza Colaboração para Universa, em São Paulo Fernando Moraes/UOL

Diretora de marketing da Moove, uma das maiores produtoras e distribuidoras de lubrificantes e óleos do mundo, pertencente ao grupo Cosan, a paulistana Mara Pezzotti se prepara para cada reunião como se fosse encarar uma corrida de 42 quilômetros. "Eu valorizo muito o esforço e isso me ajuda a diminuir a sensação da Síndrome da Impostora. É como em uma maratona: eu treino muito e, quando chega o dia, penso 'fiz 200 km por mês, mereço ir bem'", diz.

Com mais de 25 anos de carreira (e treinos de corrida quase diários), ostenta um longo currículo no mundo corporativo. Já passou por empresas como Kimberly-Clark, Bunge Alimentos, além da Weleda no Brasil, onde ocupou a cadeira de diretora geral. Na Unilever, trabalhou em marcas como Dove, Lux e Comfort, além de ter liderado o lançamento do primeiro shampoo para cabelos cacheados do Brasil em Seda.

Experiente em produtos de uso pessoal, a executiva assumiu, desde 2017, as estratégias de marketing voltadas a um setor completamente diferente — e predominantemente masculino. A virada foi encarada como uma oportunidade de expandir o conhecimento. "Antes da pandemia, estava planejando uma viagem na boleia de um caminhão. Imagina o aprendizado!", revela.

Além do dia a dia na empresa, Mara também é mentora de jovens em início de carreira pelo Instituto Semear e é associada a WCD (Women Corporate Directors), fundação que fomenta o aumento da participação feminina em conselhos de administração.

Em entrevista a Universa, a executiva conta que luta contra a ideia de que tem que dar conta de tudo para construir uma liderança humanizada — e viver os momentos fora do escritório, em família, sem culpa. "O que me enche de vontade de trabalhar, além de aprender, é ver as pessoas ao meu redor prosperando e se desenvolvendo na carreira, como quando um estagiário é contratado ou um gerente é promovido", afirma.

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"Nunca almejei ser capa de revista"

Quando começou a carreira, nos anos 1990, a paulistana Mara Pezzotti não tinha a ambição de ocupar uma cadeira de diretoria ou qualquer outro cargo importante em uma grande empresa. Muito menos estampar uma capa de revista ou publicação do gênero que a chamasse de "poderosa". A ascensão profissional foi suave, passo a passo, depois da graduação em Literatura e pós-graduação em Marketing, ambas concluídas em universidades particulares de São Paulo.

Comecei como estagiária, depois me tornei analista. Segui como gerente júnior, gerente de marketing até assumir a diretoria. Sempre acreditei muito na transpiração, no esforço, no trabalho e no aprendizado, porque o meu pai falava que o que importa é o que você faz e o quanto é reconhecido

À época, conta, havia o estereótipo da mulher de terninho, toda arrumada, e ela não se via neste lugar. Precisou encontrar as próprias maneiras e referências na profissão. O primeiro emprego foi na Kimberly-Clark, dedicada às marcas Klenexx e Huggies. Ficou por quatro anos até seguir para a Unilever, onde chegou em 1996 e ficou por mais de 11 anos.

Ao longo desta década, líderou os negócios relacionados à criação do posicionamento de marcas gigantes, como Close-up, Comfort, Lux e Dove. Na Seda, foi responsável por coordenar o lançamento do primeiro shampoo para cabelos cacheados, o Seda Hidraloe, depois de várias imersões com grupos de mulheres. "Foi uma satisfação, porque até então só as mulheres loiras, lisas, apareciam na televisão. As brasileiras não se viam retratadas. Era um horror", relembra.

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"Ainda vou viajar na boleia de um caminhão"

Em 2007, deixou a Unilever e seguiu para a Weleda, multinacional suíça especializada em cosmética sustentável e medicamentos antroposóficos. Por lá, chegou a liderar a operação brasileira, cuidando, inclusive dos setores além do marketing, como vendas e finanças. Foram quatro anos até que fez a primeira passagem pela Cosan, focada na comunicação do portfólio de açúcares — como as marcas União, Da Barra, Neve, entre outras. Seguiu então, em 2014, para a Bunge Alimentos, e liderou áreas de marketing para marcas como Soya, Delícia, Salada e Salsaretti.

Três anos depois, chegou para a segunda temporada na Cosan. Hoje, atua no setor de lubrificantes automotivos. "A Moove foi a minha primeira experiência em um mundo mais masculino, porque eu trabalhei muito tempo com produtos pessoais, áreas com mais mulheres envolvidas. Hoje, lido com um grupo de caminhoneiros, motociclistas, mecânicos. Entretanto, nas pesquisas que faço, não tenho relatos de preconceito desse público; ao contrário, vejo uma abertura grande para educação", argumenta.

Mara também é adepta do exercício da alteridade. Relata que gosta de assimilar como é a vida do consumidor dos produtos que administra.

Eu podia até conhecer muito de marketing, de gestão, mas não dos produtos. Tenho uma meta pessoal de aprender uma coisa nova por ano, então a Moove chegou como um desafio interessante. Tive que entender como as máquinas funcionam, fazer parte de uma agenda ambiental para poluir menos. Antes da pandemia, estava planejando realizar uma viagem na boleia do caminhão. Imagina o aprendizado! Quando tudo voltar ao normal, ainda quero fazer esse trajeto para aprender

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O poder do "não" e as novas lideranças

Engana-se quem acredita que uma trajetória como a de Mara, sólida e ascendente, se dá sem curvas ou alguns passos para trás. "Um momento de grande reflexão na minha carreira foi quando eu trabalhava em uma grande multinacional e, para eu ser promovida, o requisito era assumir um posto em que havia muitas viagens. Só que, desde que eu resolvi ter filhos, entendi que um trabalho só seria bom para mim se eu conseguisse pegá-los na escola; não queria perder nada", relata.

Mãe de Marina e Gabriel, hoje com 22 e 19 anos, respectivamente, ela relata que a "época era outra" e houve forte pressão para que ignorasse o desejo pessoal e topasse a promoção.

Pegava mal querer ser mãe, porque todo mundo era workaholic. Me incentivaram a aceitar o posto, mas eu simplesmente disse 'não'. Ouvi que eu estava colocando uma barreira na minha carreira, mas vejo que era uma escolha. E que, como todas elas, tinha coisas boas e ruins.

Para ela, talvez o cenário fosse outro hoje, uma vez que características e exigências para a liderança estão em transformação. "Vejo que muita coisa mudou. O debate está mais aberto e há mais espaço de fala para as mulheres e para a diversidade, em geral. Os homens também querem buscar os filhos na escola", argumenta.

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"Não quero ser Mulher-Maravilha, nem acredito na cultura do herói"

Para ela, a construção de novas formas de liderança passa por uma reavaliação do que foi colocado até hoje sobre os ombros das mulheres.

Detesto o rótulo da mulher que é cheia de tarefas. Isso é uma sacanagem que inventaram para a mulherada. Eu nunca me cobrei para ser perfeita em nada. Sei que sempre terá gente melhor que eu, igual, então serei apenas o melhor de mim, como mãe e como profissional. Não quero o título de workaholic, de Mulher-Maravilha. Eu sou o que eu consigo ser e essa ideia me conforta. Não vai dar para fazer tudo perfeito, então seja a melhor versão de você, do jeito que puder. Isso traz paz

A visão de time e criação de um ambiente propício ao crescimento de todos também são pilares fundamentais do que acredita enquanto gestora.

Eu não sou a 'velha sábia', não gosto de trabalhar com gente que fala que 'eu já fiz e aconteci'. Admiro as pessoas que querem aprender e que sabem escutar. Não acredito na cultura do herói. Ninguém faz nada sozinho. Eu nunca fiz, muito menos agora. Se é um time, é preciso trabalhar de uma forma em que você fique feliz com o sucesso do outro, e não queira desqualificá-lo

Além disso, equipe que ganha é equipe diversa. "A participação de mulheres na liderança e em conselhos administrativos no Brasil ainda é pequena. Mas como um conselho pode ser efetivo, se não tem um intelectual diverso? Acho que até pega mal e imagino que, no futuro, teremos um maior número de mulheres, pessoas negras e pessoas LGBTQIA+ nos cargos de decisão, porque já está provado que diversidade traz resultado", aposta.

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Sinal vermelho para a Síndrome da Impostora

Maratonista há 25 anos, Mara Pezzotti coleciona ensinamentos do esporte e os coloca em prática no escritório. "A corrida me faz racionalizar melhor os problemas. Com endorfina, eu consigo ver as coisas do tamanho que elas realmente têm. Percebo que sou um grão de areia no universo e isso me ajuda muito. Em todas as dificuldades que eu passei, pessoais e profissionais, o esporte teve um papel importante de me reequilibrar. É uma atividade mental, quase a minha meditação", conta. Para ela, treino vale mais do que pódio.

Valorizo o esforço, porque isso me ajuda a diminuir a sensação da síndrome de impostora. É como na maratona: eu treino muito e, quando chega o dia, penso 'fiz 200 km por mês, mereço ir bem'. Da mesma forma, não vou para uma reunião sem ler, não faço nada sem me preparar antes. Eu cobro o esforço, não o resultado, e isso vale também para a maneira com que educo os meus filhos

A maternidade também melhorou as práticas do dia a dia. "Sou mais organizada desde então. Reprogramei o horário de almoço, o momento em que leio e-mails, criei a minha metodologia para poder fazer as coisas", conta.

E, mesmo para alguém que vive em movimento, o descanso é sagrado. "Também é importante saber que é preciso parar. As mulheres da minha equipe dizem que eu falo muito 'vamos dormir com isso'. Tem coisa que a gente não vai resolver na hora e, às vezes, precisa de uma noite de sono. No outro dia, o problema já virou outro, Você já respirou, eu já corri", finaliza.

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