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À frente do Pinterest, Mariana Sensini decidiu trabalhar com o futuro para abrir caminho para outras mulheres

Natália Eiras De Universa, em São Paulo Keiny Andrade/UOL

Quando era estagiária de publicidade, Mariana Sensini largou o trabalho em uma agência consolidada para arriscar-se em um novo departamento: o de publicidade na internet. "Na época, meu diretor perguntou se eu realmente queria ir para uma área que ainda estava sendo estruturada. Era eu e meu chefe em uma salinha", fala para Universa. No fim dos anos 1990, ela, mesmo desaconselhada pelos mais experientes, decidiu trabalhar com o futuro. "Temos que ser um pouco visionários." Foi nesse passo, sem medo de seguir sua intuição e correr riscos, que a publicitária de 40 anos se tornou a primeira funcionária brasileira do Google, a conquistar espaço na gigante TV Globo e chegar, por fim, ao cargo de country manager do Pinterest no Brasil e na América Latina.

De acordo com dados estatísticos da FGV (Fundação Getúlio Vargas), metade das mulheres costumam perder o emprego dois anos após o nascimento dos filhos. Mariana viveu algo diferente. Tinha voltado havia uma semana da licença-maternidade quando foi promovida à líder do escritório do Pinterest no Brasil. Pouco tempo depois, assumiu também a gerência de toda a América Latina. O Brasil é o segundo maior mercado da plataforma em crescimento de usuários — mensalmente, a rede é acessada por 300 milhões de pessoas no mundo, sendo 38 milhões delas brasileiras.

Por entender que é papel das empresas fortalecer as mulheres de sua equipe que se tornaram mães, ela deixa claro para os funcionários qual é sua prioridade: seu filho de dois anos. "Todo mundo aqui sabe que dá o meu horário e eu vou para casa, porque preciso dar o jantar para ele", diz. Mariana sabe que tem sorte, mas acredita que mulheres podem conquistar direitos no meio corporativo e crescer mais, se seguirem o caminho mais tortuoso e arriscado que é o de estar em uma startup. "São empresas que ainda estão criando suas culturas e você pode contribuir efetivamente para fazer a diferença."

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Três dicas de Mariana para a mulher que quer ascender

Aposte em oportunidades de trabalho em áreas que não estejam tão estruturadas, mas que tenham potencial

Mariana Sensini

Arrisque-se. Nem todo mundo pode, mas quando tiver a chance, assuma alguns riscos, porque esse é o melhor jeito de inovar

Mariana Sensini

Comunique-se. É preciso trocar ideias com áreas diversas, aprender e estar disposta a mudar de opinião

Mariana Sensini

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Você começou a trabalhar no mercado digital no fim dos anos 1990, uma época em que a internet estava se popularizando, mas era vista como "o futuro". Por que você decidiu se arriscar?
Tecnologia é uma área que sempre me interessou. Em 1999, eu trabalhava como estagiária em uma agência, na área de merchandising. Surgiu uma oportunidade de trabalhar no departamento de mídia interativa, na antiga DM9, que era, na verdade, o futuro departamento de internet. Na época, meu diretor falou: "como assim você vai sair de uma área super estruturada, a menina dos olhos da publicidade, e vai trabalhar com internet?". Tomei esse risco. Naquele ano, aconteceu o primeiro Cyber Lion [prêmio de publicidade] em Cannes e nós ganhamos.

Por mais que houvesse uma incerteza, você precisa ser um pouco visionário, prever para onde isso está caminhando. Se você sempre quiser ter certeza, não correrá riscos e não terá oportunidades. Claro que há oportunidades em empresas mais consolidadas, mas elas são mais comuns no início de uma empresa. Segui um pouco a minha intuição. De fato, logo no começo fui muito desaconselhada por pessoas mais experientes, o que é legítimo. Mas, claramente, os produtos que resolvi trabalhar já tinham muito potencial.

Você saiu do UOL, uma empresa que, em 2004, já era bem consolidada no Brasil, para integrar o primeiro escritório do Google no Brasil. Como conseguiu essa oportunidade?
Em 2003, pensei que eu queria trabalhar no Google. O YouTube ainda não era da corporação, o Orkut ainda não era famoso, era basicamente a busca, mas eu já achava aquele produto fantástico. Por isso, mandei um currículo no LinkedIn para a recrutadora do Google, mas ainda não existia o escritório no Brasil. Ela me respondeu dizendo que ficaria com o meu contato. Dois anos depois, em 2004, ela me ligou, convidando para fazer uma entrevista para integrar a equipe brasileira. Fui a primeira contratada do Google na América Latina. Tinha 25 anos e trabalhava em uma salinha com mais duas ou três pessoas. Fiquei nove anos na empresa quando recebi uma proposta para ir para a Globo.

Você deixou uma empresa cujo modelo era de startup para entrar em uma empresa mais convencional. Foi um baque?
Foi uma quebra de modelos. O Google tinha esse DNA de nativo digital, enquanto a Globo tinha esse legado, mas uma gestão completamente diferente. Na emissora, era diretora de criação de produtos de publicidade digital. Foi muito bacana, sempre me senti muito respeitada na Globo, mas quando cheguei a mesa da diretoria era uma mesa que tinha 25 homens e quatro mulheres.

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Como a mulher pode se impor mais em um ambiente como esse?
Acho que mulher também tem que se expressar e se comunicar. Se ela ficar sempre paralelamente ali na mesa, não tomar a frente, não expressar o que pensa, ela talvez não vá atingir os objetivos dela. Ela precisa ser ambiciosa. As mulheres ainda precisam se posicionar muito mais do que hoje se posicionam, mas o mundo está mudando. As empresas de tecnologia trouxeram essa quebra. Elas trazem muita diversidade, elas aprendem umas com as outras sobre isso.

Por que as empresas de tecnologia têm esse olhar mais voltado para a diversidade?
Pelo que tenho visto em processo de recrutamento, elas estão fazendo um esforço muito grande para recrutar mulheres. Em relação a promoções, 70% das country managers do Pinterest são mulheres. Na época do Google, eu também vi muito essa validação do trabalho feminino. A diversidade favorece também a parte de produtos. Por exemplo, aqui no Pinterest temos a ferramenta de filtro de cor de pele, que surgiu de um projeto embrionário a partir de um estudo das engenheiras, que sabiam que existia uma diversidade de tons de pele. Não existem apenas três ou quatro. Essa diversidade engrandece e enriquece, tanto as discussões como os produtos criados pelas empresas.

Você parece bastante entusiasmada com esse campo. Como surgiu a oportunidade de voltar a trabalhar com tecnologia?
Tive identificação com a Globo, mas sempre direcionei minha carreira para empresas com as quais tinha afinidade total. Eu sentia que o Pinterest era o propósito que estava buscando. Já era usuária do Pinterest, adorava o produto. Foi quando, novamente, saí de uma estrutura com equipe enorme para em uma empresa em que teria mais três pessoas. Gosto desse perfil de startup.

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Por que você acha que uma empresa em desenvolvimento é uma grande oportunidade?
Se eu pudesse dar um conselho, diria que nem sempre você deve ficar com a empresa que terá a maior estrutura naquele momento. Uma startup vai ter dar muito mais um olhar crítico e diverso para outras áreas da empresa. Essa visão de que você pode fazer a diferença na execução de um produto, na definição de uma estratégia de outras áreas, não só do seu trabalho direto, é muito bacana. É uma maneira de você conseguir gerar mais impacto do que ficar muitos, muitos anos em uma mesma função. Você cria uma visão mais ampla sobre o que você está trabalhando.

Teve algum momento muito decisivo em sua carreira?
Quando estava há dois anos no Pinterest, engravidei. Logo que retornei da licença-maternidade, sabia que não poderia viajar tanto quanto eu viajava anteriormente, e meu gestor foi extremamente parceiro nisso, disse que eu poderia definir a minha própria agenda. Na semana seguinte ao meu retorno, fui promovida a country manager do Pinterest no Brasil. Isso me fortaleceu muito para continuar, porque as empresas precisam entender que, quando a mulher retorna da licença-maternidade, não vai ser menos produtiva, vai render igualmente, porém deverá ter alguma flexibilidade para poder se encaixar nisso.

Como você encontrou essa flexibilidade?
Tive um retorno progressivo. Nos primeiros dois meses, trabalhava menos horas. Nosso dia a dia é a interlocução com todos os países, então tenho que viajar. Mas é uma negociação, uma flexibilidade, uma confiança no trabalho que é importante que os gestores tenham em sua equipe.

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Teve algum momento em que você achou que havia chegado ao auge de sua carreira?
Tive alguns momentos de dúvida ou insegurança. Já era country manager do Brasil quando surgiu a oportunidade de liderar as equipes da América Latina. Nesse momento, tive minhas questões. Fiquei pensando em como eu daria conta de todas as viagens tendo um bebê em casa, mencionei essas questões para o meu gestor e o RH. Eles perguntaram o que eu precisava, como eu poderia dar o próximo passo. Em nenhum momento senti que não teria condições.

Como se organizou?
Quem está aqui no escritório sabe: deu o meu horário, eu saio e vou para casa ficar com o meu filho. Enquanto estou com ele, o meu telefone está desligado. Nunca deixei de sair no horário porque o meu compromisso é com o meu bebê. Tenho que estar lá para dar o jantar para ele, então 18h30 tenho que estar em casa. Vou brincar de massinha, não tem telefone nessa hora. Quando coloco ele para dormir, por volta das 22h, volto a trabalhar de casa. Como lido com pessoas em fuso horários diferentes, tenho demanda inclusive à noite, mas faço questão respeitar os horários do meu filho.

Essa abertura para negociar horários é algo que a empresa te dá ou sobre o que as mulheres deveriam falar, conversar com o gestor?
As mulheres precisam falar, demandar, porque algumas empresas não têm isso no DNA. Eles estão começando a criar essa cultura. Existe uma predisposição muito grande para aceitar novas ideias que surgem mas, se não houver uma comunicação clara e estruturada, tem que estar na agenda de todos os gestores essa abertura.

Quais foram os maiores erros que você já cometeu quando era chefe? O que aprendeu?
Você tem que ter certeza que as pessoas entenderam a mensagem que você quis passar, nem que isso signifique que você se comunique mais vezes. Passar mensagem com clareza e garantir que todo mundo que precisa ouvir, ouviu. Pode parecer fácil, mas às vezes é preciso reforçar. Isso pode mudar completamente o entendimento da equipe sobre o que eles precisam fazer. E o caminho inverso também é importante: você precisa escutar o que as pessoas estão te trazendo. Se alguém está expressando uma dificuldade clara em um projeto ou segmento, é preciso dar ouvidos para aquilo e descobrir uma forma de trabalhar. Dificilmente você vai ascender na carreira se você não conseguir expressar e comunicar o que precisa. Tanto para o seu time quanto para a sua empresa.

Qual é o maior desafio de ser uma líder mulher no mercado brasileiro?
Existe um pouco do mansplaining [termo em inglês usado em situações em que o homem tenta explicar algo para uma mulher, supondo que ela não domine o assunto], que eu não sinto tanto nos times de fora, mas que é uma realidade do mercado brasileiro. A mulher se fazer ouvida, como líder, é uma conquista que precisa ser mais diversificada. As mulheres precisam se sentir mais confiantes para falar, fazer perguntas, negociar.

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Com quem uma chefe mulher pode contar dentro de uma empresa?
Ela deveria contar com o seu gestor, desde sempre, mas, principalmente com a equipe. A minha equipe foi incrível quando retornei da licença-maternidade. Eles pegaram fotos do meu filho e trouxeram para minha mesa, e eu não era manager deles. Sempre entenderam que eventualmente não poderia participar de algum evento, e pude delegar sempre que precisei. Delegar e, ao mesmo tempo, ouvir deles o feedback.

Então a mulher, para continuar na empresa após a licença-maternidade, não tem que contar com apenas seus chefes, mas também com seus pares?
Com certeza. Acho que hoje os managers estão estruturados para esse tipo de discussão. O RH da empresa tem que trazer essa questão da importância da mulher no ambiente de trabalho, mas se você não tiver uma equipe que também entenda o seu momento, que possa ter empatia por seu momento, com certeza vai ser um pouco mais difícil.

Em nossa conversa, você fala muitas vezes sobre ser honesta com as pessoas com quem trabalha e que gerencia, no entanto, muita gente considera isso, na realidade, uma fraqueza. Como é isso?
Diria que é transparência, não vejo como uma fraqueza, porque a coisa mais importante do mundo é você poder criar o seu filho. Se a empresa não reconhece isso e vê isso como uma fraqueza, temos um problema como sociedade.

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