Na dúvida, seja a CEO

Como Natalia Dias superou a síndrome da impostora e virou presidente do maior banco africano no Brasil

Deborah Bresser Colaboração para Universa Keiny Andrade/UOL

Uma feminista tardia. Assim se define a executiva Natalia Dias, CEO do Standard Bank Brasil, filial brasileira do maior banco da África, com operação em 25 países. Com passagem em diversos bancos nacionais e internacionais, Natalia conta que ao longo de sua trajetória só teve homens ao seu lado. "Achava normal", conta. "Me considero uma feminista tardia, só percebi as diferenças de tratamento de gênero conforme fui crescendo na carreira. Homens menos preparados ficam com vagas que poderiam ser ocupadas por mulheres."

Mas a competição no masculinizado mercado financeiro começou cedo para Natalia. Quando terminou a faculdade de administração pública na Fundação Getulio Vargas, participou de um programa de trainee no Chase Manhattan Bank (atual JPMorgan Chase). Eram 60 candidatos para duas vagas. Uma ficou com ela, deixando vários homens no campo de batalha.

Aos 23 anos, foi morar em Nova York por seis meses e se aventurar em Wall Street, maior distrito financeiro do mundo. "Era mulher, latina, a última pessoa depois de ninguém", brinca a executiva. Lá, o cenário era claro: ou se sobressaia no grupo de trainees ou perderia a chance de trabalhar no banco. Foi contratada.

Caçula de três filhos, com os dois irmãos advogados como os pais, Natalia, hoje com 48 anos, não sofreu pressão para escolher sua carreira e não teve dificuldade em identificar que o mercado financeiro também era lugar para ela.

3 lições para a mulher que quer liderar

Estudar sempre. Se dedique à faculdade e se aperfeiçoe sempre que tiver oportunidade

Sobre não deixar de aprender

Falar fluentemente outros idiomas (notadamente o inglês) é fundamental

Sobre ferramentas para desenvolver

Leia muito, amplie perspectivas sobre ciências sociais, filosofia, política e correntes econômicas

Sobre construir repertório próprio

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"Na dúvida, me candidatei para a vaga de CEO"

Casada há dez anos e sem filhos, Natalia demorou a perceber as dificuldades de ser mulher num universo tão masculino. As estatísticas mostram que apenas 13% das empresas brasileiras têm CEOs mulheres. Levantamento feito pelo Insper em parceria com a consultoria Talenses, divulgado em 2019, aponta de, se consideramos outros altos postos gerenciais, como diretorias e conselhos, as mulheres não atingem 30% do total.

Ao enfrentar esse ambiente pouco igualitário, Natalia conta que chegou a se retrair. Por mais de uma vez, desistiu da concorrência por achar que não iria ganhar. Era a síndrome de impostora, aquela voz interna que sabota muitas mulheres, desafiando suas capacidades de ocupar funções ou cargos superiores, dando as caras em sua carreira.

Natalia buscou um programa de coach e terapia para se conhecer melhor, se trabalhar e enfrentar as inseguranças. Desde então, percebeu que era preciso sair do discurso para a prática. Viu ao seu lado outras mulheres que deixavam de ser promovidas porque os gestores tinham medo de que engravidassem e priorizassem a família.

Quando surgiu a vaga de CEO no Standard Bank, Natalia imaginou que seria uma sucessão natural, ela era diretora comercial, a segunda na hierarquia do banco, plenamente capaz de assumir o posto.

Quando vi que a promoção não estava tão clara, disse que queria me candidatar

O banco abriu um processo de seleção externo e ela teve de disputar a vaga com nove homens. Natalia acabou sendo selecionada. "Naquela situação, superei a síndrome de impostora. Quando você se conhece, sabe seus pontos fortes, você conquista autoconfiança", diz.

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Para liderar, emocional também importa

Como CEO do Standard Bank Brasil, a executiva comanda as operações do banco africano no país, com foco em fomentar os negócios entre empresas brasileiras e as do continente africano, atuando em várias áreas, entre elas fusões e aquisições. Tudo com firmeza e muita empatia.

Hoje, Natalia faz sua parte para minimizar o impacto das questões de gênero. Integra o comitê executivo no banco e atua no pilar de diversidade e inclusão. "No nosso universo, há uma orientação para trazer mais mulheres para o time de business", explica. "Se não conseguimos, é porque não fizemos todo esforço. Dizer que não tem oferta não é desculpa."

Em outra frente, ela participa do 30% Club, movimento criado no Reino Unido em 2010 com o objetivo de elevar a participação feminina nos conselhos de administração. A meta para o Brasil é elevar a participação feminina nas 100 maiores companhias dos atuais 10% para os 30% até 2025. Outra meta é zerar já em 2021 as empresas sem ao menos uma mulher no conselho.

Ter mulheres no conselho é fundamental. Pode parecer muito longe das metas, mas é preciso mudar o topo para mudar a base

Ela confessa um frio na barriga agora que está se preparando para ocupar cargos em conselhos de administração. "Volta e meia quase caio na nossa velha armadilha de não me sentir preparada. Mas venci a barreira e tenho me candidatado."

Ela avalia que os estereótipos sobre lideranças femininas e masculinas só prejudicam, inclusive os homens, que, pressionados pelos pares, se veem obrigados a seguir sempre uma forma mais assertiva e diretiva de atuação. "Não acho que é uma questão de ser homem ou mulher. A teoria moderna mostra que quanto maior a conexão emocional com as equipes, melhor para motivar as pessoas. Líderes mais empáticos têm mais chance de sucesso."

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Solidariedade fez equipe produzir mais

A pandemia da Covid-19 deixou ainda mais clara a necessidade de os chefes se solidarizarem, se colocarem no lugar do outro, buscando envolver as pessoas.

Natalia criou um momento nas reuniões semanais para cada um dizer o que estava sentindo. "O principal benefício foi me reconectar com o propósito de liderança e refazer as conexões com o time. As pessoas falavam das prioridades da semana, mas no final davam dicas para a quarentena", conta.

Segundo ela, a produtividade cresceu, o trabalho fluiu, a relação se fortaleceu. "As pessoas precisavam de contato. O banco tem sede aqui e em outros 25 países. Antes via o time global quatro vezes por ano, agora são duas vezes por semana." Natália não acredita que após a pandemia as pessoas vão ficar em home office o tempo todo.

A evolução natural da pandemia vai ser um modelo com flexibilidade, algo híbrido. As pessoas precisam se relacionar pessoalmente

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Uma mina puxa a outra

  • 1

    Uma mulher para se inspirar

    Para Natália, é impossível não mencionar a empresária Luiza Helena Trajano, pela trajetória e por sempre estar à frente do seu tempo. "Foi uma das pioneiras na luta pela diversidade de gênero e agora colocou a questão racial, muito negligenciada no Brasil, no centro do debate", diz.

  • 2

    Uma ação para transformar

    Ela coordena o grupo de Financial Ecosystem do 30% Club - uma campanha global que visa zerar o número de "conselhos totalmente masculinos" nas 100 maiores empresas até o fim deste ano e atingir pelo menos 30% de mulheres nestes conselhos até 2025. Além disso, trabalha para estimular a igualdade de gênero e participação feminina no mercado financeiro. "Para 2021, temos a meta de ter 30% de mulheres candidatas para todos os cargos de liderança da empresa."

  • 3

    Uma atitude para seguir

    "Para além de defender a maior diversidade no mundo corporativo, como cidadã, luto por melhorar a condição de trabalho de todas as mulheres - uma iniciativa simples e, ao alcance de todas nós, é remunerar adequadamente as trabalhadoras domesticas - sem a dedicação delas, muitas de nós não poderiam ter desenvolvido nossas carreiras." Ela diz que a remuneração precisa ser compatível com o trabalho e dar condições para elas criarem suas famílias. "O trabalho doméstico estrutura nossa sociedade e não podemos esquecer que o reconhecimento dos direitos é muito recente."

Quem sou eu no LinkedIn

Com mais de 3.000 seguidores, o perfil de Natlia Dias na rede social LinkedIn traz uma apresentação em inglês. Nela, ela destaca mais de 20 anos de experiência no mercado financeiro e destaca suas habilidades e competências.

Natalia trabalha há 9 anos do Standard Bank, onde ingressou em maio de 2011 como diretora de mercado de capitais e teve outros dois cargos até atingir o topo. Antes disso, ela foi analista no Chase Manhattan Bank e trabalhou no Bank of America, Banif Investiment Banking, ING Bank e Cibrasec (Companhia Brasileira de Securitização), da qual foi superintendente.

Ela se formou pela Fundação Getulio Vargas em 1994 e passou por aperfeiçoamentos na Fundação Dom Cabral e na Universidade de Cape Town. Ela destaca que é fluente em inglês e em francês. "Fiz em média um curso por ano desde que me formei, tanto nas empresas multinacionais por onde passei quanto em universidades internacionais", indica.

Recentemente, fiz um curso sobre liderança que abriu muito meus olhos sobre como liderar por valor e criar conexão emocional com seu time

Nas últimas leituras, ela indica: "Bury My Heart At Conference Room B: The Unbeatable Impact of Truly Commited Managers" e "Under the Hood: Fire Up and Fine -Tune Your Employee". "Os dois do Stan Slap, um dos 'gurus' do Vale do Silício", diz.

Keiny Andrade/UOL Keiny Andrade/UOL

O céu não é o limite

Mesmo quem chega lá quer ir mais longe. No comando das operações brasileiras do Standard Bank, Natalia Dias agora sonha em poder usar sua experiência e posição para causar um impacto positivo na vida das pessoas. "Tenho dedicado meu tempo extra para estudar e me conectar com pessoas ligadas aos negócios de impacto, incluindo microcrédito, habitação social e educação. E também políticas públicas inclusivas", explica.

O Brasil jamais sairá da armadilha da renda média se não endereçar as questões sociais que impedem o nosso real florescimento como nação

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