Após uma semana de via-sacra, a menina de 10 anos que foi estuprada pelo tio em São Mateus, no norte do Espírito Santo, pôde, enfim, realizar o abortamento legal. Para acessar esse direito, garantido há 80 anos pelo Código Penal Brasileiro, precisou ser levada para Recife, no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), após o procedimento ter sido negado no Hospital Universitário de Vitória. Durante o abortamento, grupos religiosos fundamentalistas protestaram ao lado de fora contra a garantia do direito.
Foi preciso articular uma ação de guerra para que a vítima, acompanhada de sua avó, chegasse com segurança e tranquilidade ao hospital neste domingo (16). O itinerário foi mantido em sigilo para salvaguardar o direito da criança, como relata a enfermeira obstetra Paula Viana, coordenadora do grupo Curumim — Gestação e Parto.
Durante o percurso, a equipe técnica responsável pelo acompanhamento foi informada da mobilização do grupo fundamentalista que se organizava para constrangê-la. "Tivemos que lançar mão de estratégias bem delicadas, como colocar a avó e a menina no porta-malas do carro que as levou para o hospital, porque fomos informadas pela diretoria do Cisam que existia uma movimentação muito hostil em frente à maternidade. Uma situação constrangedora e humilhante", revelou Paula, que integrou a equipe junto à uma assistente social do Estado do Espírito Santo.
A entrada ocorreu pelo portão dos fundos da maternidade para que a menina fosse atendida com rapidez pela equipe de enfermagem. "A primeira etapa do procedimento ocorreu prontamente. A menina foi muito bem acolhida pela equipe e seguiu para uma área reservada. A avó acompanhou e foi ouvida pela equipe, que explicou todos os procedimentos que seriam feitos para a criança", relata a coordenadora do Grupo Curumim.
"Ela, uma criança calada e com um olhar muito triste, mas com um depoimento muito bonito: 'Eu tô bem, quero voltar logo, porque quero jogar futebol'. O tempo todo ela ficou agarrada a uma girafa de pelúcia e isso comoveu bastante toda a equipe, porque a gente viu o quanto de inocência e sofrimento aquela criança tinha passado", descreve Paula.
Todo o procedimento foi acompanhado por gritos de "assassina", vindos do lado de fora.