Dois dias após descobrir que sua filha, então com 10 anos, estava grávida depois de sofrer um estupro, a mãe da criança a levou ao hospital em busca de um aborto. O hospital se negou a realizar o procedimento, argumentando que, de acordo com suas normas, só poderia fazê-lo até a 20ª semana. A menina já havia passado da 22ª semana. A regra não consta no Código Penal, que permite o aborto em caso de estupro sem impor tempo de gravidez nem autorização judicial.
O caso foi parar na Justiça. A juíza Joana Ribeiro Zimmer induziu a criança a desistir do procedimento, sugerindo que ela mantivesse a gravidez por mais "uma ou duas semanas", para aumentar a chance de sobrevida do feto. Atualmente a menina está com 29 semanas de gestação. "Você suportaria ficar mais um pouquinho?"
O episódio, que dominou o noticiário nesta semana, mostra como as leis que regulamentam o aborto são essenciais, mas não suficientes. Enquanto no Brasil a discussão não avança há uma década, na América Latina o direito a interromper uma gravidez já foi garantido por lei na Argentina, no Uruguai, em Cuba, na Guiana e na Guiana Francesa, na Colômbia e em algumas regiões do México.
"Não podemos diminuir a importância da lei. Ela cria possibilidades e protege o acesso ao aborto seguro, principalmente às mulheres mais vulneráveis", afirma Débora Diniz, coordenadora da Pesquisa Nacional do Aborto. É preciso, no entanto, que ela venha acompanhada de políticas públicas que garantam sua implementação.
Mesmo em países em que a interrupção da gestação é permitida sem restrições como estupro ou risco à vida da mãe, mulheres ainda travam batalhas nos órgãos públicos e precisam enfrentar valores pessoais de profissionais da saúde e juízes na contramão da lei.
Universa ouviu quatro mulheres que passaram pelo procedimento em Buenos Aires, em Bogotá, em Montevidéu e na Cidade do México para entender como a experiência do aborto legalizado se dá em cada um desses países —e como deve ser idealmente, respeitando as orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde), que prega um procedimento seguro, acessível, não-discriminatório e respeitoso.