"Medo a gente sente todo dia, a vida é dolorida. Eu já soube o que é não ter casa. Só nunca morei na rua porque tive pessoas que me acolheram. Agora é minha vez de contribuir com outras pessoas", diz ela, que é figura conhecida na região.
Dos comerciantes aos dependentes químicos, que vivem no "fluxo" da Cracolândia, quase todo mundo a conhece. Isso porque, desde 2013, quando se mudou para lá, vem realizando trabalhos de assistência.
Nascida em São Miguel Paulista, na Grande São Paulo, Carmen passou a infância e a adolescência no interior, onde trabalhava no campo com a família. Decidiu vir para a capital "em busca de liberdade", aos 19 anos.
Aqui, passou a viver nas casas onde trabalhava como empregada doméstica. Também contou com o acolhimento de amigos, nos períodos em que esteve sem trabalho. Até que, atendendo aos desejos da mãe, decidiu se matricular em uma faculdade aos 40 anos. Fez dois anos de enfermagem, mas teve de mudar de curso porque a mensalidade era mais barata. Em 2015, se formou como assistente social.
Dois anos antes, porém, já trabalhava na área. Conseguiu emprego na prefeitura municipal de São Paulo, justamente para atuar no programa de atendimento a dependentes de crack Braços Abertos, da gestão do prefeito Fernando Haddad (PT). "Eu ainda lembro da primeira vez em que pisei aqui. Eu sentia ansiedade, medo de morrer, não me aguentava sobre minhas pernas", diz.
Os sentimentos intensos ainda persistem, mas Carmen foi se acostumando com o lugar. E com as pessoas. "No início, a gente tem a imagem do senso comum, de um amontoado de gente perigosa passando por você. Mas, aos poucos, a gente vê que são pessoas e suas dores. E todo mundo tem alguma dor. Então a gente se reconhece".
O emprego na prefeitura permitiu que Carmen pudesse alugar uma quitinete para morar, pela primeira vez, sozinha, na alameda Glete, a três quarteirões do fluxo, onde ainda vive.