A treta da teta

As vantagens do leite materno são imbatíveis, mas amamentar está longe de ser atividade fácil para muitas mães

Adriana Küchler Colaboração para Universa

Deitada na maca, de máscara, era a terceira vez em que eu via meu leite saindo não pelo bico do peito, mas pela lateral superior da mama esquerda —extraído por uma seringa e com uma cor esverdeada. Foi isso mesmo que você leu: leite verde. Urgh! Ainda assim, o médico comemorou: "Desta vez, foram só 18 mililitros". Das outras, ele tinha aspirado 80 ml e 50 ml de líquido purulento da minha mama. "Vamos torcer para esta ser a última vez. Se não, você pode ter que fazer uma cirurgia. Ou desmamar."

Depois de sentir dor, muuuita dor, eu chegava à minha segunda mastite com um abscesso que insistia em não ir embora. Mas minha bebê só tinha três meses e, apesar de estar ralando nessa tarefa desde o início, não passava pela minha cabeça parar. Por sorte, o terceiro procedimento fez efeito, o abscesso se escafedeu e pude me concentrar, enfim, nos outros tantos perrengues do 'panderpério' (um puerpério em meio à pandemia do coronavírus). Nina está com 1 ano e 8 meses e seguimos firmes na amamentação —e, agora, curtindo.

As vantagens do leite materno são imbatíveis. Ele protege contra infecções e alergias e reduz o risco de mortalidade infantil. Estudos indicam que mamar no peito pode aumentar, ainda que de forma modesta, o QI da criança. Para a mãe, diminui o risco de câncer de mama e de ovário e ajuda a superar a depressão pós-parto. Para a dupla, ajuda a criar um vínculo entre mãe e bebê que nem sempre é automático. A Organização Mundial de Saúde recomenda o aleitamento materno exclusivo até os seis meses. E que o leite da mãe siga como alimento complementar até a criança completar dois anos.

Tudo lindo na teoria. Mas o que a OMS, a sua avó e a maioria das suas amigas não te contam é que, na prática, amamentar, além de um direito, é também um esforço que vai muito além de acertar a pega do bebê.

"Colocaram a amamentação como uma responsabilidade exclusiva da mulher, quando não deveria ser", diz a psicóloga perinatal Carla Mantovani. Para algumas mães, dar de mamar pode ser fácil, divino, maravilhoso. Mas, para muitas, envolve uma sequência de sufocos —físicos, psicológicos e até financeiros— ainda maior do que a minha.

O principal desafio foi o tempo destinado ao aleitamento, que não é pouco, e também dois princípios de mastite. Em ambos, recebi tratamento adequado da minha obstetriz em vez das inúmeras sugestões de pessoas próximas. Os quadros não agravaram e houve melhora. O difícil, naquele momento, era amamentar apesar da dor.

Caroline Lima, 35 anos, mãe do Bento Caetano, 2 anos e 5 meses

Nem tão natural assim

"A gente romantiza tudo o que diz respeito à mulher. Amamentar é só mais uma dessas coisas", diz a consultora de amamentação Kely Carvalho, que também é fonoaudióloga e comanda há quatro anos um grupo, gratuito e hoje virtual, de acolhimento para mães que amamentam.

Para o bebê, peito não é só comida, mas "comida, diversão e arte", diz Kely. Tudo, claro, fornecido pela mãe, que se vê atropelada pelo caminhão do puerpério: exausta, por ter de acordar diversas vezes à noite para dar de mamar, muitas vezes também sobrecarregada com as tarefas domésticas, e equilibrando todos esses pratinhos com um sorriso amarelo enquanto lida com o baby blues ou até com uma depressão pós-parto.

No grupo, muitas queixas têm a ver com essa exaustão e com o fato de que a sociedade não vê com bons olhos uma mulher que reclama da maternidade. "Você tem que achar tudo maravilhoso. Mesmo se estiver caindo um pedaço do seu peito, você tem que falar: 'Que delícia acordar às três da manhã para amamentar'. E não é uma delícia", diz Kely.

Outra coisa que não ajuda em nada é aquela velha ideia de que dar de mamar é instintivo. Mamar é uma função aprendida, tanto por quem amamenta quanto por quem é amamentado. E decretar que isso é muito natural só serve para botar mais culpa na mulher.

"Aí, essa mulher que tem dificuldades começa a achar que veio com defeito. Atendo pessoas com o peito destroçado, com mastite. Elas se culpam muito. Dizem: 'Como todo o mundo amamenta sem problemas?' E eu respondo: 'Todo o mundo quem? Só se for na propaganda ou na novela'."

Amamentar trouxe muita pressão para ser a mãe perfeita --é a livre demanda, estar sempre disponível, não dar bicos ou leite artificial. Quando a amamentação passou a fluir sem dor, realmente se tornou um momento de conexão com meu filho, mas hoje vejo que foi uma pressão exacerbada e não precisava ter passado por isso em meio a uma depressão pós-parto.

Marina dos Anjos, 30 anos, mãe de Martim, 2 anos e 9 meses

A mãe também é protagonista da amamentação

Chamar a atenção para a mãe no puerpério —e as dificuldades que ela enfrenta, principalmente para amamentar— é uma tarefa difícil. "As pessoas se preocupam com a grávida. Mas, depois do parto, todos os olhos se voltam para sua majestade, o bebê, e ninguém lembra que aquela mulher existe", diz a psicóloga Carla Mantovani, uma das mediadoras do grupo de mães virtual Powerpério, do espaço Lumos Cultural, em São Paulo.

"Essa mãe, muitas vezes, está sozinha, esquecida, fragilizada. A mãe não nasce no parto, ela vai se constituindo. Não é um ser mitológico que sabe fazer tudo."

Mas, se a mãe não nasce sabendo, como resolver essa lacuna? Com a ajuda dos profissionais de saúde, sugere o pediatra Luciano Borges Santiago, presidente do departamento científico de aleitamento materno da Sociedade Brasileira de Pediatria. "É compreensível a mulher não ter informação sobre a amamentação, mas não é aceitável o profissional não ter esse conhecimento para oferecer", diz ele, que está criando um curso a distância sobre amamentação para pediatras.

"Muitas mulheres desistem de amamentar por falta de apoio. É preciso ver se essa mulher está dormindo bem, se alimentando bem. O médico precisa orientar a mãe para vencer as dificuldades, para que amamentar não traga tanto estresse para a vida dela."

Não foi o que aconteceu com a advogada Ana Carolina Dermendjian, mãe de Liz, 5, e de Lana, 1, logo que a primeira filha nasceu. "Achava, na minha humilde inocência, que era botar o bebê no peito e pronto. Mas esse passe de mágica não aconteceu. Colocaram ela no meu peito e... Nada."

Liz foi separada de Carol sem razão que justificasse. Na volta, a bebê não conseguia mamar e acabou internada na UTI neonatal. Em meio ao caos inesperado, a mãe não se sentia nem um pouco apoiada para fazer o aleitamento. "Preferiam dar fórmula em vez do meu leite ordenhado para ela. Assim, percebi que estava sozinha contra o sistema, na vontade de amamentar minha filha."

Depois de buscar ajuda especializada e conseguir estabelecer a amamentação, ela passou a apoiar outras mães que enfrentavam inseguranças e desafios parecidos com os dela em um grupo de apoio ao aleitamento materno. "Hoje, minha visão é de incentivo, mas também de perguntar para a outra mãe qual é a vontade dela. Querer nem sempre é poder na amamentação."

De graça para quem?

Para conseguir amamentar, muitas mães precisam contar com a ajuda da família e também do acompanhamento de médicos e consultoras de amamentação, sessões de laser, bombinhas de extração de leite e complementação com fórmula. O que traz à tona uma pergunta incômoda: amamentar é mesmo de graça como dizem por aí?

"Só diz que amamentar é de graça quem acha que o tempo da mulher não vale nada", diz Kely, ampliando as contas para além dos gastos materiais.

Você estar disponível 24 horas por dia para uma criança, com seu corpo produzindo leite, tendo que se alimentar bem e descansar, com uma entrega enorme de energia física e mental, também tem um preço.

Nessa conta, entram ainda as dificuldades de seguir amamentando na hora de voltar ao trabalho, após a licença-maternidade, que no Brasil é de 120 dias (isso sem contar as autônomas e informais que não têm direito à licença e acabam voltando à labuta, por necessidade, bem antes desse prazo). Muita gente diz que é só ordenhar. Quem dera fosse simples assim.

É preciso ter um trabalho que permita à mulher tempo, espaço e privacidade para tirar o leite. Kely ainda ressalta que essa alternativa costuma ser restrita a mulheres de classes mais altas, já que envolve ter, pelo menos, uma bomba, uma bolsa térmica e potinhos.

Amamentação negra

As questões financeiras se tornam ainda mais urgentes para as mulheres negras, que têm menos acesso a assistência e a rede de apoio, segundo a pediatra e consultora de amamentação Tiacuã Fazendeiro, cocriadora da Semana de Apoio à Amamentação Negra, lançada em 2020. Tiacuã diz que, além de enfrentar mitos racistas, como o de que as mulheres negras seria mais resistentes à dor, elas demoram mais para procurar ajuda quando enfrentam problemas para amamentar.

"Eu vejo os bebês brancos com três, quatro dias de vida. E os negros, com mais de sete", diz a pediatra. "Além disso, entre as mães solo, as mães negras são a maioria. Muitas mulheres não têm rede de apoio para ajudá-las a dar de mamar, mas conseguem pagar por ela. As negras, em geral, não conseguem. Mas serão a rede de apoio para outras mulheres que podem."

Em fóruns de mães negras, diz Tiacuã, muitas dizem ter a chance de, pela primeira vez, ser mães dos próprios filhos —e não babás ou amas de leite dos bebês alheios. E seu grupo batalha pela visibilidade dessas mães, que ainda não se veem retratadas nos manuais e em material de divulgação sobre amamentação.

O que foi mais difícil e continua sendo é o cansaço. Amamentar cansa o corpo, muito! A sensação é que realmente estou sendo sugada, e fico completamente sem energia. Quando ela era recém-nascida e mamava com mais frequência, era exaustivo demais. Hoje já está mais tranquilo.

Cleo Marting, 24 anos, mãe de Lyra, de 8 meses

Toda escolha será julgada

quem pare de amamentar por problemas físicos. Há quem grite "chega" por pura exaustão. Mas o peso da palavra "desistir" atrai ainda mais culpa para as mães que enfrentam problemas e, eventualmente, se veem confrontadas por causa da decisão de parar.

Uma pesquisa feita com 13 mil mães de nove países mostrou que as brasileiras estão no topo da lista das mulheres que se sentiriam culpadas se não pudessem amamentar —93% delas disseram carregar esse peso. Por isso, Kely diz que passou a usar o termo "recalcular a rota". E, também por isso, ela faz questão de lembrar o conceito que toda mãe deveria conhecer, da "mãe suficientemente boa" —criado pelo pediatra e psicanalista britânico Donald Winnicott. "Em primeiro lugar, vem a saúde mental de quem tem um bebê nos braços."

Na sala da casa em que Bárbara dos Anjos Lima, editora de Universa, cresceu, uma foto em que ela aparece mamando no peito da mãe dá a medida da importância do ato naquela família. "Mamei até os dois anos e meio. Era algo muito forte para mim", diz a mãe da Beatriz, 3. Mas Bárbara fez uma cirurgia de redução de mama aos 21 anos e já sabia que poderia enfrentar problemas para amamentar quando engravidou, anos mais tarde.

E, realmente, os problemas pipocaram: a pequena Bia não ganhava peso, a mamada não era efetiva. E lá foi ela chamar o socorro de consultora de amamentação, da pediatra e da enfermeira obstetra. Tentou a relactação (técnica em que uma sonda ligada a um copinho com leite é presa no peito para que o bebê se alimente e estimule a produção ao mesmo tempo). Tomou "chá da mamãe", tintura de algodoeiro e outras promessas líquidas para fazer a produção do leite aumentar. E nada.

Um dia, exausta por passar horas seguidas tentando resolver o problema da amamentação, acabou dando mamadeira para a filha. Aos poucos, com apoio da família, do marido, dos profissionais que a acompanhavam e de outras mães, Bárbara decidiu que a amamentar não era o melhor caminho para ela e que poderia alimentar sua bebê com fórmula e na mamadeira, sem sentir vergonha nenhuma.

"Me disseram que amamentar era muito difícil no começo, mas depois passava. Só que esse momento nunca chegou para mim."

Bia mamou no peito até os quatro meses e meio. E Bárbara tirou um peso das costas. "Foi libertador parar de tentar amamentar. Conseguia curtir mais a minha filha, voltei a ser eu mesma. Que bom que algumas pessoas conseguem. Eu não consegui. Tentei tudo o que podia e não tomei uma decisão radical. Sou bem resolvida com isso."

Assim como Kely —e todos os profissionais ouvidos nessa reportagem—, o pediatra Luciano Santiago destaca os benefícios da amamentação, a importância de as mulheres tomarem decisões conscientes e bem informadas e o papel fundamental da rede de apoio. "Amamentar deve ser um direito da mãe e do bebê, assim como desistir também é um direito quando a mulher já tentou de tudo e não aguenta mais. Em primeiro lugar, vem a vontade dela."

Antes de amamentar, achava que seria uma experiência deliciosa, de conexão, leve, um momento a dois, com hora para começar e acabar. Depois que o bebê nasceu, veio a realidade: muita dor, privação de sono, cansaço, peito machucado, dores insuportáveis! A gente aprende rápido que não é um plugue que você conecta na hora que quer e como quer.

Núbia Cristina, 36 anos, mãe de Nina, 55 dias

Ninguém é mais mãe ou menos mãe

Se a culpa é um sentimento que atinge quase todas as mulheres nessa fase, Carla conta que, até hoje, só encontrou uma mãe que enfrentou o maior tabu sobre o tema: assumir que simplesmente não queria dar de mamar.

"Foi isso que ela fez: 'Não quero saber o que a sociedade diz. O peito é meu e não quero uma criança pendurada nele. Ponto'. Tem um discurso muito bonito do 'meu corpo, minhas regras' que, na prática, não vale para a amamentação. É difícil assumir que nem sempre o que é bom para o bebê também é bom para a mãe."

Depois de encarar muitas dificuldades para conseguir amamentar e também para desmamar a primeira filha, Ana Carolina conta que com a segunda cria tudo foi mais leve. "Quem amamenta sabe, ou deveria saber, que pode ser uma relação de amor e ódio. Tem horas em que você ama e horas em que odeia. Até porque a maternidade também é assim, não?", diz Carol, entornando sentimentos que muitas mães têm vergonha de assumir.

Ela conta que, durante o processo de desmame de Liz, encontrou resistência em grupos de mães que defendem a amamentação a qualquer preço. Para ela, as brigas maternas só enfraquecem as próprias mães. "Não existe mãezímetro. Ninguém é mais mãe ou menos mãe porque fez determinada escolha."

Carol defende que o melhor caminho é propagar informações para que as mães possam fazer escolhas conscientes diante de um sistema que pouco apoia o aleitamento materno e, principalmente, as mães. "Mas sem massacrar as mães com comparações, como se existissem graus de mãe boa ou mãe ruim, dependendo das suas escolhas."

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