Cheerleaders à brasileira

Bem diferente do que vemos nos filmes, a modalidade cresce entre mulheres por aqui e tem atraído também homens

Elisa Soupin Colaboração para Universa, do Rio de Janeiro Ricardo Borges/UOL

Meninas de pompom, com uniformes coloridos e minissaia, cantando gritos de guerra para o time da escola, e superpopulares no ensino médio. Quase todo mundo tem alguma referência assim sobre líderes de torcida, uma cortesia das séries e filmes americanos que vimos a vida toda.

E não é apenas o imaginário coletivo que está repleto de histórias dessas inatas torcedoras: elas existem também na vida real e aqui no Brasil. Universa foi conhecer esse mundo, muito menos glamouroso e mais suado que o da Sessão da Tarde, e entender quem são os praticantes desse esporte em que -- surpresa -- não há só mulheres.

A modalidade é nova no Brasil -- não há consenso, mas estima-se que tenha começado a ser praticada por aqui entre 2006 e 2009, crescido a partir de 2012 e sofrido um boom depois de 2016. Ainda são novos, também, os campeonatos -- pois é, as cheerleaders não são apenas coadjuvantes de esportes tido como maiores, como têm, também, suas próprias competições.

Assim, entender logo de cara todas as vertentes do esporte é difícil, até porque não há regulamento oficial. Nesse panorama de grande crescimento, quem até poucos anos atrás estava começando, hoje pode estar treinando uma equipe.

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A estudante de Medicina da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Mayara Moreira, de 24 anos, é cheerleader. O dia dela começa cedo, com aulas de manhã na faculdade, que fica no Maracanã, na Zona Norte do Rio, e segue até o fim da tarde com atividades acadêmicas. Às 16h30, duas vezes por semana, vai de estudante à líder de torcida e começa a se preparar para a prática de cheerleading, ou só cheer, como se referem ao esporte os seus praticantes.

Em uma quinta-feira de outono em que fazia calor de verão no Rio de Janeiro, Universa acompanhou o treino da equipe da Atlética de Medicina da UERJ, da qual Mayara é integrante. As fotos que compõem essa reportagem foram feitas nessa noite.

Por volta das 17h, os outros atletas de cheer, homens e mulheres, todos estudantes de Medicina, começaram a chegar. Mayara pede que eles ajudem a montar o tablado improvisado onde treinam do lado de fora do ginásio do Hospital Universitário Pedro Ernesto, na Zona Norte do Rio.

Todos ali já assistiram às aulas ou deram plantão naquele dia. Estão cansados, mas trocam de roupa, conversam animados e começam o aquecimento. São 20 pessoas na equipe, todos tem 20 e poucos anos, ninguém pode faltar e eles correm contra o tempo: estavam treinando para Copa Rio Minas, disputa entre instituições de Medicina do Rio e de Minas Gerais, que acontecerá no fim de junho.

"A gente está treinando duas vezes na semana, e é difícil. Temos que sentar e estudar os horários de todos para ver qual é o dia que dá para nos reunirmos. Recentemente, muita gente se formou e teve que sair do time, então, mais ou menos a metade do pessoal chegou agora, e temos competição chegando. Muita gente ainda está se ambientando e tem que aprender a rotina", conta Mayara, abordando um dos maiores desafios do cheerleading universitário: a rotatividade nas equipes. A cada nova turma que ingressa, a atlética passa de sala em sala falando dos esportes e chamando quem tiver interesse para participar.

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Um treino que não tem nada de menininha

Em 2016, primeiro ano em que o cheer virou uma categoria de competição nos jogos universitários, a equipe da Uerj ficou em primeiro lugar. Em 2017, por questões políticas, ficou fora da competição. Em 2018, ficou em quarto lugar. "As equipes evoluíram muito nesses últimos três anos, estão muito melhores e a competição está mais acirrada. Ficamos atrás do terceiro lugar por dois décimos", conta ela, que espera voltar ao pódio esse ano.

Mayara é ex-ginasta da modalidade rítmica e tem voz de comando no grupo. A treinadora oficial não estava no treino que acompanhamos e, então, ela é quem assume o cargo. Pede que a equipe se concentre e comece a fazer a rotina, como é chamada a coreografia no cheer. Repete uma, duas vezes, uma das atletas se desequilibra um pouquinho, três, quatro, um erro na contagem atrapalha, cinco, seis repetições, um atleta erra, sete, oito, saiu tudo certo agora, nove, dez, mais um desequilíbrio. Perde-se a conta de quantas vezes o grupo repassa os detalhes da rotina durante as duas horas de treino. Depois disso, Mayara vai ajudar a mãe, que vende lanches em Botafogo.

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O corpo "padrão" ficou só nos filmes

Ao contrário do que vemos nos filmes e séries americanos, os atletas não são necessariamente magros. "Só as flyers (atletas que ficam em cima ou que são jogados para cima) precisam ser magros, para ficar mais fácil. Na base, os corpos são variados", conta Mayara. Júlia Azevedo, de 23 anos, que é gorda e integra a torcida, conta que, no entanto, nem sempre existem tantas pessoas fora do padrão. "Vejo isso aqui, mas em outras faculdades é difícil ver meninas que não sejam magras", diz.

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Quarto lugar no Mundial e nenhum patrocínio

A treinadora da equipe, que não estava no dia, é Nayara Araújo, de 25 anos, estudante de educação física. Ela começou a praticar em 2012 e hoje ela se sustenta como técnica de cheer. Fora o time da Uerj, ela treina outras dez equipes, em diferentes estados. Ela viaja e treina com equipes de outras partes do país, volta ao Rio, cidade onde mora, e faz o acompanhamento remoto de suas equipes com vídeos enviados pelo Whatsapp. Tem, no bairro do Grajaú, na Zona Norte do Rio, o ginásio Arkhaio All Stars, onde treina cinco times diferentes.

É, também, técnica da equipe brasileira que ficou em quarto lugar no Mundial de 2018, em Orlando. Os atletas, além de mensalidades a partir de R$ 40, pagam as despesas de passagem e hospedagem do próprio bolso, porque eles não têm patrocínio.

"Eu fiz ginástica rítmica por muitos anos. Quando eu estava com 18 anos, entrei num time e gostei. Em 2012, entrei em uma equipe e em 2013, fui para o Chile competir", lembra ela. A virada mesmo veio em 2014, quando Nayara foi fazer um intercâmbio no Canadá. "Lá, as crianças começam a treinar com dois anos", conta ela, que começou a botar em prática aqui o aprendizado de lá.

Nayara percebe que o amadorismo que ela viu no passado vem ficando para trás com uma das palavras de ordem do cheer no Brasil: empenho. "O que mais marca pra mim é o comprometimento, que é imenso. Vejo como um diferencial do esporte. O atleta entende que precisa estar ali porque o time precisa dele", diz ela.

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O amadorismo ficando para trás

Em 2016, o cheerleading passou a fazer parte dos esportes reconhecidos pelo Comitê Olímpico Internacional. Isso não faz com que vire um esporte olímpico, mas que seja reconhecido como um, o que, na prática, pode fazer com que ganhe apoio e visibilidade. "A gente espera que isso ajude no crescimento do esporte, aqui e em outros lugares. E que ele possa, um dia, entrar nas Olimpíadas", diz Nayara.

Apesar dos resultados expressivos -- um quarto lugar é excelente para uma prática tão pouco reconhecida --, o cheer ainda engatinha no país. "Um dos problemas é que a maioria dos atletas hoje é adulta, o que quer dizer que vão envelhecer e parar de praticar. Eu mesma preciso começar a trabalhar mais com crianças, mais um trabalho de base mesmo, para as futuras gerações do cheer", diz ela, que tem alunos entre 14 e 38 anos.

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Da publicidade à torcida

Adriano Branco, de 27 anos, estava cursando Publicidade quando foi apresentado ao cheer universitário, na faculdade Facha, no Rio, onde estudava. Se apaixonou pelo cheer e a faculdade acabou ficando para outra hora. Hoje, sua vida profissional é integralmente voltada ao esporte.

"Todo mundo me chamou de maluco, disseram que isso não ia me dar futuro, que eu tinha que ter um diploma, que ninguém no Brasil fazia cheerleading e blá blá blá. Hoje em dia, a minha mãe é uma das minhas maiores apoiadoras. Ela assiste às rotinas dos meus times pelo celular, dá pitaco, diz a parte que ela mais gostou", conta ele à reportagem. Ele é técnico de onze equipes no Brasil.

Ele diz que, há alguns anos, ouviu algumas "piadas". "Havia um preconceito de que cheer só poderia ser coisa de mulher ou de gay. Uma vez, nos Jogos Universitários de Comunicação Social, fui xingado, mas respondi na hora. Com mais gente se interessando pelo esporte, isso tem melhorado, mais homens têm se interessado", conta ele, que esteve há duas semanas em um acampamento para cheerleaders, uma espécie de intensivo.

"A gente recebeu 12 técnicos internacionais, atletas dos Estados Unidos, que foram da seleção de lá e competiram em times grandes", diz.

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 "A gente vive machucado, é tanto roxo que não sei de onde vem. Quem olha não imagina, mas é bem puxado. Precisa ter muita força"

Nayara Araújo, técnica da equipe brasileira de Cheer

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