O pior não passou

A enfermeira Claudia Laselva coordena a batalha contra a Covid-19 no Hospital Albert Einstein, em São Paulo

Giuliana Bergamo e Camila Brandalise René Cardillo/UOL

25 de fevereiro de 2020. A Covid-19 já se espalhara pelo mundo. Mais de 80 mil casos haviam sido confirmados não só na Ásia, onde a pandemia começou, mas na Europa e nas Américas. Era então a vez do Brasil entrar para o mapa do caos. No Hospital Israelita de Albert Einstein, na zona sul de São Paulo, um paciente de 62 anos, recém-chegado da Itália, dava entrada no pronto atendimento. Ele já apresentava os principais sintomas da doença, mas o diagnóstico positivo seria confirmado no dia seguinte.

René Cardillo/UOL

Foi então que a enfermeira Claudia Laselva, diretora de operações da unidade Morumbi do hospital, e equipe colocaram em prática tudo o que vinha sendo preparado há semanas para dar conta da pandemia. "Começamos a nos organizar em janeiro, pois já prevíamos que os primeiros casos chegariam em hospitais particulares. Precisávamos estar preparados", diz ela, que comanda um time de 3 mil pessoas, sendo 1500 enfermeiras e enfermeiros.

Graças à preparação, o hospital é, ainda hoje, uma ilha no caos da pandemia. Quando o primeiro paciente chegou, a estrutura já incluía 230 leitos de UTI, sendo 170 com ventilação mecânica. "Chegamos a receber o máximo de 70 pacientes em ventilação mecânica desde então", diz. Isso tudo, é claro, só é possível porque o Einstein é um hospital de excelência, porém privado e que atende pacientes das classes mais altas da sociedade.

Por que o trabalho de Claudia importa

Pioneirismo

Foi a equipe comandada por Claudia que recebeu o primeiro paciente vítima de Covid-19 no Brasil. Ele foi atendido no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, no dia 25 de fevereiro.

Tecnologia

Por ser particular, o Einstein é um dos hospitais com mais recursos do país. Graças a isso, coloca em prática e testa tecnologias que podem, futuramente, ser usadas em outros centros de tratamento.

Distribuição

O Einstein mantém dois hospitais públicos em São Paulo. Durante a pandemia, os recursos, aparelhos e equipe, que são os mesmos para toda a instituição, são destinados para onde precisa mais.

Monitoramento precoce

A preparação começou pela formação de uma equipe de monitoramento das infecções no mundo todo. "Montamos uma central de inteligência, formada por pessoas que diariamente buscavam informações sobre o que acontecia no mundo", diz ela, que foi uma das líderes do comitê. Além da leitura de estudos, boletins e notícias, o time também conversava com especialistas internacionais.

Com base nessas informações, a equipe de epidemiologia pôde fazer projeções sobre o que estava por vir. Os cálculos serviram para estruturar o hospital precocemente. Assim, foram comprados equipamentos — de máscaras de proteção a ventiladores mecânicos — e os profissionais passaram por treinamentos específicos.

Embora outras epidemias, como a de Sars (2003), de H1N1 (2009) e ebola (2014), já tenham colocado especialistas em alerta em outras ocasiões, nunca houve uma preparação desta proporção no hospital. "Acho que agora temos mais maturidade e disponibilidade de informação. É preciso usar isso tudo, se preparar sempre para o pior cenário e zelar pelo melhor", diz.

Além do hospital principal, o Einstein faz a gestão de dois hospitais públicos junto com a Prefeitura Municipal de São Paulo. Um deles, o Hospital Municipal M'Boi Mirim - Dr. Moysés Deutsch, acaba de ser ampliado em uma parceria com outras empresas privadas para atender pacientes de covid-19. O novo edifício tem 100 leitos e está em operação desde o fim de abril.

Há também o Hospital Municipal Vila Santa Catarina - Dr. Gilson de Cássia Marques de Carvalho e o hospital de campanha montado no Pacaembu. Durante a pandemia, os recursos, aparelhos e equipe são os mesmos para toda a instituição e estão sendo destinados para o lugar que precisa mais.

Avener Prado/UOL

Preparados para o pior

"Já em janeiro começamos a nos organizar, pois já prevíamos que os primeiros casos chegariam em hospitais particulares, precisávamos estar preparados. Então montamos uma central de inteligência que diariamente acompanhava informações sobre o que acontecia no mundo: características da doença, como ela estava se propagando, entre outras. E montamos um comitê de crise que definiu quais seriam as pautas principais com as quais a gente deveria lidar."

Noites difíceis

Apesar de toda a preparação, os profissionais do hospital não estão completamente blindados. "Pelo menos 17 funcionários foram afastados. Muitos por mais de 14 dias. E esse sempre foi um dos nossos grandes temores: perder muitos profissionais por muito tempo", diz Claudia.

Entre os afastados estão colegas muito próximos da enfermeira, o que tem abalado muito sua estrutura emocional. Uma das médicas que se contaminou é parceira antiga. Trabalham juntas desde que Claudia entrou no hospital, como enfermeira da UTI, em 1988. "Quando ela adoeceu, muita coisa mudou para mim. Ela chegou a ir para a UTI e, quando saiu, foi um peso que tiramos dos ombros de todos nós", diz.

Todas as noites, depois de jornadas que chegam a 16 horas de trabalho, deita sobre o travesseiro e chora. "Como todos, eu tenho muitos medos, angústias, me preocupo com muitas coisas", diz ela que vive com o marido e a filha de 20 anos, estudante de medicina. "Em casa, não chegamos perto um do outro."

Entre os temores de Claudia está também o de uma segunda onda de casos da doença no setor privado. Segundo ela, o motivo desse provável aumento de casos é o relaxamento das medidas de isolamento. "Menos de 50% da população está cumprindo a quarentena e a adesão a ela é, sem dúvida, o que mais tem impacto no número de casos."

Enfermeiras salvam vidas

Além do cargo de chefia em um dos hospitais mais respeitados do país e de participar da articulação contra a pandemia em São Paulo, Claudia também faz parte de comitês internacionais que se dedicam a exaltar o papel da enfermagem no mundo. Como a campanha mundial Nursing Now, da qual está à frente.

O objetivo da campanha é fazer com que governos e instituições invistam e valorizem a enfermagem, que terá um déficit de 6 milhões de profissionais em 2030, segundo estudos internacionais. Também se deseja mudar a forma com que a carreira é vista pela sociedade. "A profissão é percebida como menor no contexto da saúde. Acho que essa visão existe porque a enfermagem começou como muito manual. E também porque é eminentemente feminina — e o trabalho ligado ao feminino é menos valorizado."

Para Claudia, a pandemia pode fazer com que o trabalho das enfermeiras seja reconhecido pela importância que de fato tem. "A sociedade está vendo o quanto precisamos de profissionais qualificados, aptos para o cuidado de pacientes graves, que não abdicam das suas funções nem em momentos de maior risco."

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