Amor, estranho amor

A vida sexual de uma atriz pornô tem muito em comum com a sua. Fernanda, Ruana, Amanda e Ágatha provam por quê

Júlia Flores De Universa

O prazer feminino tem seus segredos e, para algumas pessoas, a veracidade dos orgasmos é o maior deles. De acordo com uma pesquisa publicada em novembro de 2019 pela revista científica "Archives of Sexual Behavior", 58,8% das mulheres (héteros) já fingiram durante uma relação sexual.

Parte de uma indústria que tenta vender um ideal de sexo machista e superlativo, com orgasmo múltiplos, gemidos estridentes e mulheres hipersexualizadas sempre prontas para atender a lascívia masculina, as atrizes de filmes pornô também têm uma vida sexual e amorosa longe das câmeras. Para quem ganha a vida com sexo, é possível atingir o clímax durante o trabalho? Ou fingir orgasmos é parte da rotina em horário comercial? Como as atrizes pornô lidam com o prazer dentro e fora do set?

Universa conversou com quatro atrizes para saber como elas gozam na real. Sem travas para falar sobre o assunto, Fernanda, Ruana, Amanda e Ágatha revelaram suas preferências, os bastidores da indústria pornô e as experiência pessoais, bastante comum a todas as mulheres: já esbarraram com parceiros ruins de cama e nem sempre chegam ao orgasmo.

Duda Gulman Duda Gulman

"Não é fácil encontrar um homem que atenda minhas expectativas"

"Meu nome é Amanda Tozzi, tenho 31 anos e artisticamente sou Mandy May Xtuber. Entrei no pornô aos 28 anos de idade. Como passei a trabalhar no ramo mais velha, sempre impus os limites do que estava disposta ou não a fazer. Sou uma pessoa não binária e pansexual.

Sempre gozei muito fácil, amo me masturbar e se estou solteira me masturbo todo dia —quando acordo e antes de dormir. A sensação de orgasmo para mim é a mesma dentro e fora dos sets fisicamente falando. Longe de cena eu gozo muito rápido se chupam meus pés durante a penetração ou se me masturbam enquanto me penetram.

Tenho uma posição favorita, que é a da cowgirl [a que a mulher fica em cima do parceiro]. Não é fácil encontrar um homem que atenda as minhas expectativas porque a maioria deles não liga para as preliminares —eles só querem te usar como troféu, para não se sentirem inseguros.

A primeira vez que gozei foi sozinha. Estava na quarta série, devia ter cerca de 10 anos. Não tinha maldade! Só estava curiosa para ver como era minha vulva e descobri o prazer

O maior obstáculo de conseguir transar casualmente, quando se é atriz pornô, é ver que o interesse de alguém não é só em você: muitos que nem são atores querem sair do encontro com vídeos ou fotos. Quando a gente recusa, eles insistem: "Pelo menos uma foto depois vai rolar né?" Eu percebia que a pessoa só queria ter o que "ostentar" em uma roda de amigos e perdia o interesse antes de conhecê-la.

A maioria das vezes em que estou em cena, encaro ali como uma peça de teatro com penetração. Tem espaço para o prazer, mas em primeiro lugar preciso cumprir os ângulos e poses que o filme exige.

No início da minha carreira eu gozava em 50 ou 60% das vezes em que atuava —o que para mim era um ótimo número— às vezes, na vida pessoal, a média é bem menor que essa. Atualmente só faço cenas com meu namorado. Com ele, gozo pelo menos três vezes por cena.

Acho que sexo nem sempre termina em orgasmo. Para mim o principal é que as duas partes estejam empenhadas em dar e sentir prazer.

Às vezes a pessoa não chega lá por algum motivo nada a ver com o sexo. Daí ok. Porém, não gozar porque a outra pessoa não se empenhou? Isso não devia acontecer nunca."

Isabel Lins Isabel Lins

"Minha vida sexual é lenta. Não faço com qualquer pessoa"

"Me chamo Fernanda Braga, tenho 31 anos e desde 2019 trabalho como profissional do sexo. Sou formada em design de interiores e, há pouco tempo, decidi abrir mão de uma carreira tradicional para sobreviver como atriz pornô, prostituta e camgirl [profissionais que se exibem eroticamente pela internet].

Sempre fui uma pessoa 'sexual', apesar de só ter realmente descoberto do que gosto na cama aos 28 anos de idade —coisas além da penetração e de posições básicas. O fato de eu nunca ter tido problema com sexo influenciou, e ajudou bastante, a minha escolha profissional. Acho que toda pessoa que trabalha no ramo precisa gostar do que faz.

É engraçado falar sobre como eu gozo fora dos sets, porque minha vida sexual é lenta. Acabo recorrendo bastante à masturbação para gozar. Tenho diversos brinquedos eróticos que uso para trabalho, gravações, mas normalmente eu gosto de me masturbar só com o dedo.

Durante a pandemia, passei a usar o Tinder para encontrar novos parceiros. No app, uso meu nome de trabalho (Fefis). Depois que eu conheço alguém que eu realmente me interesso, aí sim eu revelo minha verdadeira identidade: prazer, me chamo Fernanda Braga

Quando estou procurando um parceiro casual, presto atenção na aparência da pessoa. Gosto de sexo intenso, não faço com qualquer pessoa porque isso envolve intimidade e confiança. Até nos meus atendimentos presenciais (enquanto prostituta), se a pessoa quer me dominar, eu sempre recuso. Acho que isso você precisa reservar para um parceiro de confiança, que aceita seus limites.

Já recusei cliente porque muitos acham que é só chegar, jogar dinheiro na sua cara e te tratar como uma boneca inflável. E não é assim. O cara que está acostumado a sair com garota de programa já sabe como abordar uma mulher pelo WhatsApp, sabe que tipo de informação pedir e nos tratar como uma pessoa normal, porque não somos brinquedos.

Tento, nas minhas redes sociais, educar os homens sobre como lidar com uma atriz pornô, nem tudo que a gente vê em um filme acontece na vida real. É preciso respeitar, e valorizar, o nosso trabalho

Nunca cheguei a sentir dor enquanto gravava alguma cena, entretanto nem sempre a gente sente aquele prazer todo. É diferente de uma transa normal porque você precisa estar olhando para a câmera, prestando atenção no movimento, com pessoas a sua volta. Precisa de uma concentração a mais."

Duda Gulman Duda Gulman

"Com meu ex-marido só gozei uma vez"

"Trabalho com sexo há oito anos. Comecei vendendo fotos e conteúdos eróticos para algumas pessoas, mas hoje também atuo como atriz pornô e camgirl. Me chamo Ruana Pires, tenho 33 anos, e Turbinada é meu 'nome de guerra'.

Fui casada por 10 anos. Sempre fui safada, mas com meu ex-marido, eu só gozei uma vez. Eu fingia chegar ao clímax para agradá-lo, porque ele não gostava de 'me esperar'. Atualmente, eu me masturbo todo dia. Estou vendo Netflix e do nada mudo para algum site pornô.

A mulher precisa conhecer o próprio corpo, saber do que ela gosta ou não, porque o homem não se importa com isso

Para trabalhar no ramo, a mulher precisa gostar de sexo. Não é só o dinheiro que move o mundo da putaria. Se você não gosta de transar, vai chegar uma hora que você não vai dar conta. Eu, por exemplo, só entro no site de camgirl quando estou em um dia bom, se estou meio pra baixo, não gravo.

Na hora de contracenar, é mais difícil de ter prazer. Ao gravar algo sozinha, sempre sinto prazer. Eu me preparo antes, me masturbo, assisto a outros vídeos. Tenho uma lista de filmes pornô favoritos. Antes da cena, não tem como rolar toda essa preparação. Tento me envolver com o ator, ver o que me dar prazer nele, para tentar gozar no set.

Não adianta mentir, nem todas as vezes eu gozo no set. O famoso 'vamos fingir que cheguei ao clímax' acontece bastante

Fora do trabalho, se eu conheço alguém e me interesso por ele/ela, antes de transar, preciso conversar bastante. A gente que grava conteúdo, na vida pessoal, é bem "chata", sondamos muito o outro para ver se a química bate. Amo pessoas inteligentes e na cama gosto de gente carinhosa, Na minha opinião, a preliminar é mais importante que as vias de fato. Os meus melhores orgasmos não foram com penetração.

Quando estou com um parceiro, vou guiando-o, falando sobre o que e como eu gosto. Na vida pessoal, também é comum não gozar. Curiosidade: sou muito ligada ao cheiro. No passado, teve uma vez que fiquei muito apaixonada por um cara, mas na hora da relação não conseguia me concentrar por causa do cheiro dele.

Há pouco tempo, descobri que sou bissexual. Contracenei com outras mulheres e fiquei curiosa para saber como seria na vida real. Depois disso, fui dar um rolê com amigos e fiquei com uma menina. De verdade

Achei a transa entre duas mulheres melhor do que muito homem; somos mais delicadas, conhecemos melhor o corpo da outra, não precisamos de penetração."

"Têm dias que realmente não estou com vontade de transar"

"Acabei de sair da gravação de um cara que tem 34 centímetros de pênis. A cena me proporcionou algumas assaduras. Gravei com ele à base de analgésico, tomei três. Me chamo Ágatha Ludovino, tenho 22 anos e estou no ramo desde os 17.

Na hora de aceitar um trabalho, eu considero se aquilo vai me afetar —psicologicamente ou fisicamente. Se é uma pessoa que não se expõe a muitos riscos (ator que grava em casa de swing, por exemplo). Gravo sem camisinha porque trabalho com algumas produtoras internacionais e lá fora eles só consomem esse tipo de conteúdo.

Não é sempre que eu gozo em cena. Temos um problema técnico que dificulta isso: que é o tempo exigido em cada posição para a cena. Fica um pouco cansativo

Pode até estar legal, mas a gente repete tanto o movimento que, às vezes, o prazer passa e fica dolorido. Quando eu começo a sentir dor, tento me controlar para saber se não é algo psicológico. Se está forte, peço para o diretor me dar uma pausa. Nunca cheguei a não concluir uma cena. Anal mesmo, eu tenho muita dificuldade de gravar. Tomo analgésico, álcool e procuro encontrar meu estado zen.

Atuo como atriz pornô e também sou prostituta, mas parei de atender presencialmente por causa da pandemia. Sempre me diverti com os clientes. Gosto de conversar para criar uma afinidade com a pessoa para que eu sinta tesão nela. Faço ele se dedicar também ao meu prazer. Aviso: 'Se não me chupar, eu não vou chupar você'. Tem muito cliente que não pergunta o nome da gente, diz que estamos diferentes da foto, são grossos. Já cheguei a chamar a polícia porque o cara não quis me pagar.

Nunca namorei na minha vida. Poucas vezes saí com alguém sem receber dinheiro em troca. Tenho medo e receio de sair com desconhecidos

Na minha frente, os caras não levam a mal quando eu dou algum toque sobre sexo. Dou dicas como 'vai com calma, não fica debruçado em cima de mim, faz isso, aquilo'. É lógico que tem gente que fica ofendida, mas a maioria não.

A minha libido é alta, mas têm dias que realmente não estou com vontade de transar. Raramente me masturbo. Quando estou com tesão, chamo algum amigo ou alguém com quem eu transe normalmente, que já sabe do que eu gosto, para me ajudar. É bom para espairecer.

Já rolou de acabar a cena e eu continuar com vontade, mas quando isso acontece é preciso me controlar, vestir a roupa e ir para um motel. Não tenho preferência sexual, tenho preferência por caráter. Se a pessoa me trata bem, se é higiênica e bem cuidada, eu vou me interessar por ela."

Duda Gulman Duda Gulman

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