Um dia, a roda da bicicleta de Martin, 8, de São Paulo, passou pela água da sarjeta, que respingou no tênis, onde ele mais tarde encostou a mão. Isso foi o bastante para que o menino achasse que havia contraído a Covid-19. Apesar de não ser exposto ao noticiário, o pavor do contágio foi aumentando com o passar dos meses. "Procuramos levar de forma leve, acolhendo. O sol, as atividades físicas e até meditação estão ajudando, mas ainda assim temos uma consulta agendada com uma psicóloga para entender como lidar com tanta ansiedade", diz o pai, o arquiteto Rogério Stefani Oliveira.
Os medos tendem a ficar maximizados nessa idade, que é quando a criança começa a entender melhor o mundo real. Mas seja qual for a faixa de desenvolvimento, se há isolamento social, há estresse. "Não é o grau do sofrimento que leva a criança a carregar sequelas, e sim o descuido ao lidar com os problemas. Se não fosse assim, a vida seria impossível para os humanos", explica a psicanalista Vera Iaconelli. Uma pesquisa com mais de mil pais espanhóis e italianos com filhos de 3 a 18 anos, feito durante a quarentena europeia, concluiu que, quanto mais estressados ou preocupados se sentiam os pais, mais reportavam sintomas nos filhos.
Para a medicina, o estresse pode ser benéfico na medida em que provoca uma movimentação para a superação de um incômodo. Porém, dependendo da intensidade e da duração, pode trazer consequências negativas. "O estresse é tóxico quando não há recursos de adaptação suficientes para retomar o equilíbrio", explica Lino de Macedo, professor emérito do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Casos de negligência, desnutrição e violência geram estresse tóxico, condição que pode interromper o desenvolvimento saudável do cérebro e de outros sistemas do corpo.
Além de um ambiente harmônico, os caminhos indicados aos pais para driblar a tensão do momento são brincadeiras, leitura, presença e um dia a dia com horários minimamente organizados.
A diretora de marketing Natalia Martin Younes, de Curitiba, encontrou na música e na dança a melhor maneira de entreter, ao mesmo tempo, as filhas Chloe, 7, e Chiara, 5. "Já fizemos vários shows com palco e microfone improvisados desde o início da quarentena", conta. A mais nova, que está no espectro autista, precisa de mais atenção ? segundo a mãe, no início a menina ficou irritada por não poder ir à escola. Além de reformular a rotina da pequena incluindo mais intervalos de descanso, os pais intensificaram duas atividades que Chiara adora: passeios de patinete no condomínio e brincar com o coelho Bowie, um peludinho caramelo, de carne e osso, que ganhou em julho. "A rotina, que é importante para qualquer criança, é fundamental para quem está no espectro", finaliza Natalia.