Tá desculpada

Tati Bernardi faz entrevistas inesperadas em 'Desculpa Alguma Coisa', novo videocast de Universa

Rute Pina De Universa, em São Paulo Arte/UOL

Tati Bernardi escreveu um único texto do qual se arrepende: uma crônica para a finada revista "Alfa" sobre os bastidores de um banheiro feminino de uma agência de publicidade. Nele, ironizava a rivalidade entre mulheres —elas se elogiavam, mas se odiavam.

Desde o texto, feito aos 28 anos, até agora, aos 43, diz ter amadurecido as ideias, mas não se exime de erros do passado —nem do presente. "Sou cheia de furos. Gosto de contar a minha narrativa a partir da queda", diz. Nessa de se abrir e expor seus perrengues, lapidou o talento de tirar as melhores histórias dos outros. A cronista, escritora, roteirista, apresentadora e estudante de psicanálise estreia o videocast de entrevistas de Universa "Desculpa Alguma Coisa", em 15 de fevereiro.

Nas entrevistas, Tati quer fazer os convidados falarem o que nunca falariam. Sem medo de ser cancelada. "Quero que me mandem uma mensagem depois dizendo: 'Sabe aquela parte que eu falei tal e tal coisa? Corta!'", afirma, daquele jeito bem-humorado já conhecido dos podcasts "Calcinha Larga", "Quem Lê Tanta Notícia" e "Meu Inconsciente Coletivo".

O programa vai ao ar às quartas-feiras no Canal UOL, no YouTube de Universa e em plataformas de áudio.

O intuito do programa 'Desculpa Alguma Coisa' é sair da hashtag bonitinha e progressista do Twitter. Lá todo mundo é feminista, tem sororidade, é a favor das causas sociais

Tati Bernardi

Quem é visto, é lembrado

Expor sua vida em seus textos, colunas e livros sempre rendeu identificação de leitores. "Não posso ir até a padaria que alguém me para e diz: 'Li um livro seu'", diz a colunista da Folha de S.Paulo e autora de "Você Nunca Mais Vai Ficar Sozinha", "Depois a Louca Sou Eu" e "Homem-Objeto e Outras Coisas Sobre Ser Mulher", os três pela Companhia das Letras.

Ouço coisas como 'seu podcast mudou minha vida', 'comecei a fazer análise por sua causa'. Isso é muito bacana.

Mas nem tudo é amor. No final do ano passado, Tati dirigia até o Teatro Renaissance, nos Jardins, em São Paulo, para assistir à peça "Bárbara", protagonizada por Marisa Orth. Sem querer, encostou no carro da frente, que havia freado bruscamente. Foi quando despertou a ira do motorista, mas muito mais por reconhecer a escritora do que pelo possível arranhão no veículo.

"Ele saiu do carro dele e bateu no vidro do meu gritando: 'Só podia ser aquela vagabunda que fica falando de sexo no jornal'. Estou na terapia há muito tempo para aprender a lidar com meus surtos de raiva. Mas esqueci completamente que ele tinha 2m de altura e fui para cima dele", relata ela, que tem 1,60m.

"Encarei: ''O que você está falando? É assim que você fala com mulher, tá louco?'. Vi que tinha uma mulher dentro do carro dele e falei: 'Olha como o cara com quem você está saindo trata uma mulher, toma cuidado'. Ele entrou no carro e saiu cantando pneu", lembra.

Os manobristas do teatro aplaudiram Tati naquele dia.

Tenho preguiça de amiga que acha que levar um 'fiu fiu' na Oscar Freire [rua chique de São Paulo] é a mesma coisa que pegar um ônibus e o cara colocar o pau para fora. Tenho raiva de feminismo tolo

Tati Bernardi

Mais Anitta e menos Regina Duarte

Quando perguntada sobre quem quer entrevistar no "Desculpa Alguma Coisa", a resposta é imediata: a cantora Anitta. E quem não entrevistaria de jeito nenhum? As atrizes Cássia Kis e Regina Duarte, apoiadoras do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Tem gente idiota na esquerda, mas extrema direita não tem condição. Quem vai perder tempo conversando com uma pessoa que é contra a democracia? Não tem diálogo.

Com quem já é próxima, porém, não rompeu ligações por divergências políticas. Seu pai é bolsonarista e já foi personagem de um dos seus textos. "Ele passa o dia nas redes sociais. É um homem de 81 anos. Foi um excelente pai. Tenho memórias lindas da infância e da adolescência", conta.

Mergulho na psique

Tati conversou com Universa por chamada de vídeo de sua casa. Na parede, um quadro com a imagem do psiquiatra austríaco Sigmund Freud (1856-1939) dava a dica de uma das paixões da vida da escritora: a psicanálise.

"Fui estudar porque queria escrever novela. Pensava que, estudando a psique humana, poderia criar personagens melhores, mais tridimensionais, mais ricos", diz ela, que colaborou em novelas globais como "A Vida da Gente" (2011) e "Sangue Bom" (2013).

Uma personagem em especial sentiu os efeitos positivos dos estudos: ela mesma. "A psicanálise me explicou coisas, por exemplo, o meu sentimento em relação à minha gravidez", conta Tati, que teve sua filha em 2018. "Assim que engravidei, sentia tudo e muito: fiquei feliz, assustada, ansiosa, triste. Não sabia direito o que era isso e entendi na terapia que, bom, isso é a vida. O nome disso é ambivalência."

Tudo o que amamos muito, também odiamos; tudo o que nos deixa felizes, também nos causa medo

Tati Bernardi

Desculpa o quê?

E por que "Desculpa Alguma Coisa"? "Vou me desculpar por não querer que a pessoa fique narrando a trajetória de perfeição e beleza. Quero que ela conte perrengues, porque estamos ali para falar de pessoas reais. Também me desculpo por não ter experiência em entrevistar. Com certeza vou fazer uma pergunta errada. E desculpa a quem está ouvindo, pois tem assunto que vai incomodar."

Tati também sabe desculpar, com uma exceção: não admite se sentir usada. "Odeio descarte de pessoas, acho muito escroto. Meus melhores amigos estão na minha vida há 20 anos. Sou amiga de todos os caras que namorei. Para mim, é ofensivo ter sido íntimo e eu não saber mais da pessoa."

Em uma hora de conversa com Universa, Tati deu um belo spoiler do que está por vir no videocast: emendou uma história na outra, conectou assuntos e temas e mostrou que é dona de uma mente que não para de pensar nem por um segundo. Quem sai ganhando somos nós.

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